Folha de S. Paulo
Autobiografia de Daniel Dennett vai dos
hobbies à filosofia sem esquecer o ateísmo
Se todo livro deve ser lido com uma ponta de ceticismo, autobiografias exigem uma dose bem maior desse ingrediente. Exceto talvez por masoquistas e pacientes de depressão maior, ninguém resiste a polir sua própria imagem —e autobiografias são o gênero em que autores costumam fazer isso com pouco ou nenhum freio. É por isso que sempre penso duas vezes antes de abrir uma autobiografia, embora de vez em quando o faça.
Fiz agora ao ler "I´ve Been
Thinking" (tenho pensado), do filósofo Daniel Dennett.
O livro reforçou minha impressão geral a respeito de autobiografias. Não são
poucos os momentos em que flagramos Dennett lapidando sua própria história, em
especial quando ele relata suas muitas desavenças com cientistas e outros
filósofos, mas daí não decorre que a obra seja desinteressante, muito pelo
contrário. Dono de uma prosa envolvente e de uma vida estimulante, Dennett
enfatiza bastante suas atividades paralelas à filosofia, que não são poucas:
mergulhador, velejador, músico, fazendeiro, produtor de cidra, para citar parte
delas. Também é um grande viajante, tendo lecionado e dado palestras em vários
continentes.
O que distingue Dennett, porém, não são seus
hobbies. É sua trajetória. Ele é um dos poucos filósofos que levantou o
traseiro da proverbial poltrona (armchair theorizing) e foi estudar biologia,
computação e neurociência para embasar melhor suas reflexões sobre darwinismo,
inteligência artificial e consciência, tópicos em que sua obra se destaca. Ele
também ficou conhecido por suas diatribes contra Deus. Ao lado de Richard Dawkins, Sam Harris e Christopher Hitchens, é um dos quatro cavaleiros do novo ateísmo. Diz que só assumiu essa posição por
necessidade, não por gosto.
O que motivou Dennett a escrever suas
memórias foram mais de 80 anos de idade, três stents, uma dissecção aórtica e a
certeza de que o que realizamos nesta vida é tudo o que teremos.
3 comentários:
Não acredito nas supostas "motivações" atribuídas pelo colunista a Dennett no parágrafo final, embora a última talvez tenha sua importância.
Os intelectuais e seus ateísmos...
Enquanto o ateu não acredita em nada,eu acredito em tudo,rs.
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