O Estado de S. Paulo
Biden pediu que Israel levasse em conta a lei internacional, mas foi ignorado
O ataque do Hamas e a resposta de Israel
reforçam a projeção de poder da China. A crise expõe as contradições e a
fragilidade da Rússia. E impõe grandes riscos políticos ao presidente dos EUA,
Joe Biden, não só na competição com a China, mas sobretudo com seus rivais
republicanos.
Ao assumir, em 2021, Biden suspendeu a venda
de armas para Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU), selada por Donald
Trump. E retomou negociações para o acordo nuclear – rompido por Trump – com o
Irã, adversário regional da Arábia Saudita. O reino saudita se aproximou da
China, que passou a lhe fornecer armas.
Biden visitou o príncipe herdeiro e homem forte saudita, Mohamed bin Salman (MBS), que lidera a Opep, para pedir aumento na produção de petróleo e reduzir o preço do barril, com a escassez gerada pelas sanções contra a Rússia. MBS ignorou o pedido e manteve a aliança da Opep com o governo russo.
A China promoveu uma aproximação entre Arábia
Saudita e Irã. Biden contrapôs esse movimento com os Acordos de Abraão, pelos
quais EAU, Bahrein, Marrocos e Sudão normalizaram relações com Israel. A joia
da coroa era o reino saudita, o país mais rico do mundo árabe e berço do Islã.
Em contrapartida, Israel adotaria medidas
para melhorar a vida dos palestinos.
Esse processo estava amadurecendo, com
visitas de ministros israelenses a Riad, quando o Hamas cometeu as atrocidades
do dia 7 em Israel. O Irã patrocina o Hamas. Os sauditas, assim como outros
países muçulmanos, responsabilizaram Israel pelos ataques do Hamas.
DIPLOMACIA. Em contraste, a aproximação
Teerã-Riad se intensificou. O presidente iraniano, Ebrahim Raisi, um
ultranacionalista, telefonou para MBS para discutir a crise em Gaza. A
estratégia chinesa prevaleceu.
No Conselho de Segurança da ONU, a Rússia
apresentou duas resoluções – rejeitadas por falta de votos favoráveis – que não
mencionavam o Hamas e não contemplavam o direito de autodefesa de Israel. O
mesmo princípio se aplicaria à ajuda que a Ucrânia tem recebido para enfrentar
a agressão russa. A Rússia depende dos drones e foguetes do Irã, patrocinador
do Hamas, para levar adiante a guerra contra a Ucrânia.
O vice-chanceler russo e enviado do Kremlin
para o Oriente Médio, Mikhail Bogdanov, recebeu em Moscou o chefe de relações
internacionais do Hamas, Mousa Abu Marzouk, e o
vice-ministro do Exterior do Irã, Ali Bagheri
Khan. A Rússia apoia a ditadura na Síria, por onde o Irã envia ajuda para o
Hamas. Os suprimentos passam também pelo Iraque, que ficou sob a influência
iraniana depois que os EUA derrubaram Saddam Hussein, em 2003.
Rússia e China vetaram resolução americana
que condenava o Hamas e pedia pausas humanitárias. O veto russo teria sido
suficiente. Mas os chineses quiseram deixar clara sua aliança estratégica com o
Irã e seu interesse na crise. A China compra petróleo barato de Irã e Rússia,
aproveitando-se das sanções impostas a ambos.
A crise coloca os EUA na difícil posição de
defender Israel enquanto o país viola o direito internacional, que proíbe
punições coletivas contra civis. Milhares de civis, incluindo crianças,
mulheres e idosos, têm sido mortos nessas três semanas de bombardeios
israelenses. Dois milhões sofrem de fome e sede por causa do bloqueio e dos
bombardeios.
Como organização criminosa, o Hamas não tem
lugar na comunidade internacional. Já Israel e Irã são membros da ONU. Isso não
implica só direitos, mas também deveres.
CHANCE. A crise é uma oportunidade para a
China tentar demonstrar que as democracias não são superiores moralmente às
autocracias. Israel é uma democracia que ocupa militarmente a Cisjordânia e
Jerusalém Oriental, enquanto os 22 países árabes são ditaduras, com exceção de
Líbano e Líbia, Estados falidos.
A situação cria ainda um estresse na
credibilidade das alianças dos EUA com Israel e a Ucrânia. Biden tem enfrentado
dificuldades em aprovar novos orçamentos numa Câmara dos Deputados dominada por
republicanos que ficou três semanas sem presidente por causa de uma rebelião na
bancada majoritária.
Biden está acuado. Trump e os republicanos
acusam o presidente de haver “abandonado Israel”, um tema sensível nos EUA. A
acusação não procede. Em 2016, no governo de Barack Obama, com Biden como vice,
foi aprovada ajuda militar para Israel de US$ 38 bilhões no decênio 2019-2028 –
portanto, acima da média histórica de US$ 3 bilhões por ano.
Além disso, Biden pediu ao Congresso mais US$
14 bilhões em ajuda militar para Israel, enviou reposições de interceptadores
de foguetes do sistema Domo de Ferro e outras munições. E despachou dois
portaaviões, incluindo o maior do mundo, USS Gerald Ford, com seus grupos de
batalha naval.
Biden fez ainda uma rara viagem de um
presidente americano a uma área sob ataque de foguetes para expressar apoio a
Israel. Em troca, pediu que Israel levasse em conta em sua represália a lei
internacional. Foi ignorado. O país mais poderoso do mundo está impotente.
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