Correio Braziliense
Com quase 10 anos de empresa e 20 de serviço,
o maior temor é o desemprego
O meu herói não integra os altos escalões dos
Três Poderes da União, das Forças Armadas, das universidades, das academias, da
imprensa ou dos esportes.
É o trabalhador comum, ao qual darei o nome
de João da Silva. Como tantos outros anônimos, levanta-se às 5 da madrugada,
toma café, come pedação de pão, caminha 30 minutos até o ponto de ônibus,
temendo ser assaltado. Registrará o ponto às 7h, para cumprir honesto dia de
trabalho. Deixará o serviço no fim da tarde, quando empreenderá caminho de
volta para casa. Se não chover e o trânsito fluir normalmente, chegará às 19h,
para magro jantar com a família.
Trabalha 44 horas semanais em antiquada fábrica da zona leste, com outros 20 empregados. Recebe o salário no quinto dia útil do mês seguinte. O holerite é incompreensível. Reluta em tirar férias. Prefere vendê-las. Não se aborrece quando presta uma ou duas horas extraordinárias. Paga a contragosto a contribuição ao INSS e arca com desconto do Imposto de Renda.
Tem mulher e dois filhos em idade escolar.
Mora em rua não pavimentada e escura da periferia, sem esgoto e água potável. O
casebre, coberto por laje, tem sala, quarto, cozinha e banheiro. Garantido o
aluguel mensal, o gás de cozinha, a luz elétrica, a conta da Sabesp, o que
sobra vai para a comida. A mulher faz prodígios para manter a família. Compra o
mínimo necessário: arroz, feijão, pedaço de carne de porco, ovos, batata,
verdura, óleo de soja. Espanta-se com o aumento de preços. Procura o mais barato
no atacadão do bairro, no armazém da rua, na feira do fim da semana. Para os
filhos, garante o pão, o café com leite, vez ou outra uma barra de manteiga.
Aos domingos, terá macarrão, um pedaço de carne de segunda ou meio frango.
Tênis, sandálias, roupas, agasalhos de inverno são adquiridos em lojas
populares do Largo do Socorro ou da Rua 25 de Março. Evita passar diante de
shoppings e de luxuosos supermercados.
Distrai-se com a televisão. Assiste a
programas religiosos ou de auditório. Não lê jornal, nem mesmo o do bairro.
Pouco sabe sobre a política nacional e quase nada conhece do estrangeiro.
Convenceu-se de que a corrupção é doença contagiosa e incurável. Depois da Lava
Jato, desistiu de ver punidos os acusados. Na fábrica, ninguém se sindicalizou.
Jamais foram procurados por algum dirigente. Ignoram onde fica a sede. Alguém
lhes disse que é no centro da cidade. É congregado em igreja evangélica.
Comparece aos cultos do fim de semana, com mulher e filhos. Vestem a melhor
roupa para ouvir as palavras da Bíblia lidas pelo pastor, pessoa simples como
eles.
Com quase 10 anos de empresa e 20 de serviço,
o maior temor é o desemprego. Tem parentes, amigos e conhecidos à procura de
serviço há mais de ano. O ofício que conheciam desapareceu, tragado pela
moderna tecnologia. Vivem de bicos, de trabalhos ocasionais, sem registro em
carteira.
Teme que o empregador seja alcançado pelo
dissídio. Gostaria de ser aumentado. Receia, porém, ser posto fora da sua faixa
no mercado. Se vier a ser demitido, levantará o Fundo de Garantia acrescido da
indenização e receberá o seguro-desemprego. Sabe, entretanto, que, a partir
desse momento, encontrar colocação fixa não lhe será fácil.
Troca ideias com colegas no intervalo para o
almoço. Comem todos de marmita e discutem a situação da fábrica. Comentam a
violência nas ruas, a política, os problemas da profissão, a má qualidade do
transporte e notícias sobre a roubalheira desenfreada. Falam do futebol e do
abandono em que se encontra o bairro.
Por que motivos operários como o João não
procuram os sindicatos? Sabemos que a taxa de sindicalização é inferior a 10%.
Por sinal, nunca foi elevada. O maior número de sindicalizados é encontrado nas
estatais, empresas de economia mista e serviços públicos. As respostas serão
dadas por sociólogos do trabalho.
Depois que a contribuição sindical passou a
voluntária, as centrais sindicais tentam descobrir fórmula mágica que
restabeleça algum tipo de taxa compulsória. Contam com o apoio do Ministério do
Trabalho. Sindicalização obrigatória é medida violenta e inconstitucional. Não
combina com o Estado Democrático. Deduzir de forma coercitiva qualquer parcela
salarial lesa o trabalhador e não melhora o conceito que tem do sindicato.
Antes, e pelo contrário.
Deixem os trabalhadores em paz. São homens
livres e capazes. Respeitem-lhes a decisão. Permitam-lhes resolver se desejam
ou não ser sindicalizados.
*Advogado, foi ministro do Trabalho e
presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário