Folha de S. Paulo
Ricos só começaram a dar cota de sacrifício
depois de pobres e classe média
A Câmara dos
Deputados aprovou o projeto do governo Lula que
começa a fazer com que os super-ricos paguem tanto imposto quanto você. O
projeto modifica as regras de tributação sobre os fundos de investimento
offshore, situados no exterior, e sobre os fundos exclusivos, dos quais falei
na coluna do dia
22 de julho.
Após muitos anos em que o Brasil teve problemas fiscais, a taxação dos ricos finalmente entrou em pauta, e só porque ninguém achou nenhum outro lugar de onde tirar dinheiro. Ou seja, os ricos só começaram a dar sua cota de sacrifício depois dos pobres, da classe média e até dos mais remediados já terem dado as suas.
A aprovação foi uma vitória do governo. O
ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, precisa desesperadamente de mais dinheiro para diminuir o
déficit público. Para ajudá-lo, Lula gastou capital político: no mesmo dia da
votação, entregou mais espaço na Caixa
Econômica Federal para o centrão de Arthur Lira.
Esse tipo de negociação deve acontecer mais
vezes nos próximos meses, porque a agenda de Haddad é urgente. E não tem jeito:
os congressistas, como Lula, foram eleitos. São, em sua grande maioria, de
direita, sem qualquer simpatia ideológica pelo presidente. Como disse
Vinicius Torres Freire em sua última coluna, se Lula quer
governar ao menos um pouco, precisa entregar muito ao centrão.
O leitor talvez devesse prestar mais atenção,
por exemplo, nos deputados que tentam contrabandear isenções fiscais no projeto
de reforma tributária do governo. Lembre-se: a não ser que você tenha um amigo
deputado, nenhuma dessas reduções de imposto será para você. Você vai é pagar a
parte de quem tem amigo deputado.
A taxação dos super-ricos também é uma
vitória importante do Partido dos Trabalhadores. Durante seus mandatos
presidenciais anteriores, os petistas conseguiram reduzir a desigualdade de
renda no Brasil, mas sempre gastando mais com quem tem menos. Agora começa a
cobrar mais impostos de quem tem mais, o que ninguém tinha feito antes.
De todos os pontos do programa do PT, a progressividade
tributária era o que menos havia sido implementado em governos anteriores do
partido. É uma medida de esquerda da qual o Brasil, sem dúvida, precisa.
Só dois partidos fecharam posição contra a
proposta de cobrar dos ricos imposto como se cobra de todo mundo: o PL de
Bolsonaro e o Novo de Romeu Zema.
Entendo perfeitamente a posição do Novo: ele
é um negócio com pouca gente, muito dinheiro, e nenhuma disposição de
contribuir para o Brasil. Ou seja, o Novo é praticamente um fundo exclusivo.
Era natural, portanto, que o assunto lhes disparasse alguns gatilhos.
No caso do PL, o voto a favor dos super-ricos
mostra os limites do "populismo" bolsonarista. Os bolsonaristas
conseguem votos entre os pobres com sua agenda de costumes. Na hora de dividir
a conta, sua lealdade está do outro lado da distribuição de renda.
Afinal, enquanto todo mundo estava procurando
o gay fictício que, segundo os bolsonaristas, escondia-se no banheiro da escola
do seu filho para transformá-lo em drag queen, os pobres seguiram pagando
imposto no lugar dos ricos.
Agora é torcer para que o projeto seja
aprovado no Senado. Se virar lei, o Brasil passará a ter um pouco mais de
vergonha na cara.
Um comentário:
Bem informativo! Especialmente: "Só 2 partidos fecharam posição contra a proposta de cobrar dos ricos imposto como se cobra de todo mundo: o PL de Bolsonaro e o Novo de Romeu Zema."
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