terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Os três grandes e o mercado de riqueza

Valor Econômico

Os três maiores gestores de fundos de índices têm proporção cada vez maior das empresas listadas em bolsa nos EUA

Pesquisadores da Harvard Law School, Lucian A. Bebchuk e Scott Hirst dedicam um extenso artigo ao avanço do poder de controle dos Big Three sobre os mercados financeiros e sobre as empresas ditas ‘produtivas”.

Os autores mostram que os três maiores gestores de fundos de índice - BlackRock, Inc. State Street Global Advisors, uma divisão da State Street Corporation (“SSGA”); e o Vanguard Group (“Vanguard”) - coletivamente conhecido como os “Três Grandes” - possuem uma proporção cada vez maior de empresas listadas em bolsa nos EUA.

Consequentemente, em suas decisões enquanto gestores de fundos de índice, eles monitoram, votam e se envolvem com as empresas abrigadas em seus portfólios. Essas decisões provavelmente terão impacto profundo na governança e no desempenho das empresas e da economia. A natureza e a qualidade da administração das Três Grandes são, portanto, objeto de debate acalorado.

Na mesma direção, a pesquisadora Albina Gibadullina, da Universidade British Columbia publicou recentemente vários artigos para revelar que mais da metade de todas as empresas listadas globalmente em bolsas são agora de propriedade direta de empresas financeiras.

Albina se propõe a demonstrar que “as finanças desempenham um novo papel na economia global como proprietárias de empresas, concedendo aos atores financeiros formas diretas de influência sobre as atividades econômicas dessas instituições privadas”.

Em segundo lugar, diz Albina, o aumento da propriedade financeira nas últimas duas décadas foi impulsionado pela proliferação de fundos de índice, Assim, as atividades dos três maiores acionistas do mundo podem servir como um indicador dos desenvolvimentos futuros no cenário global de investimentos.

Embora a estratégia de investimento predominantemente passiva dos Três Grandes os torne proprietários universais, Albina procura demonstrar que os Três Grandes detêm investimentos de tamanhos desproporcionais não apenas em setores econômicos, mas também em regiões do mundo.

Essa distribuição desigual dos investimentos sugere que a disseminação do investimento passivo fez com que certos setores e regiões se tornassem locais privilegiados de investimento por meio de sua inclusão nos índices do mercado de ações.

Enquanto a pesquisa existente destaca como os gestores de ativos podem ser geograficamente seletivos como investidores ativos, Albina enfatiza que a ascensão do investimento passivo produziu um cenário nitidamente novo, geograficamente desigual, dos fluxos globais de capital. Albina pretende enfatizar, sobretudo, que a ascensão dos mercados financeiros exprimem a capacidade das instituições mais poderosas tornarem-se o elo central que conecta as empresas aos acionistas e, simultaneamente, promove à centralização (e não à democratização) da propriedade do capital. A concentração de capital tornou-se tão severa que as Três Grandes agora respondem por 80% a 90% de todos os ativos sob gestão nos EUA.

A recente concentração na participação acionária foi impulsionada pelo crescimento excepcional dos fundos de índice, que são carteiras de investimento de gestão passiva atreladas a determinados índices do mercado de ações.

Por causa de seus custos gerais muito menores, os fundos de índice podem oferecer taxas de administração 10 vezes menores do que as cobradas pelos fundos ativos, tornando-os cada vez mais atraentes para potenciais investidores.

Embora os fundos de índice tenham uma estratégia de investimento que acompanham passivamente os índices do mercado de ações em suas carteiras, eles não são necessariamente investidores passivos quando se trata de questões de governança corporativa.

Professor da Universidade de Cingapura, Jang-Sup Shin investigou o predomínio crescente, agora avassalador, do assim chamado “valor do acionista” na definição das estratégias empresariais nos EUA. A expressão “valor do acionista” sintetiza o conjunto de práticas de gestão empresarial que buscam maximizar a extração de valor de um ativo já existente em detrimento da criação de valor mediante o investimento em um novo ativo reprodutivo.

Inverteu-se a relação entre os recursos destinados ao investimento e aqueles utilizados para propiciar a elevação “solidária” dos ganhos dos acionistas e a remuneração dos administradores (“stock options”). A associação de interesses entre gestores e acionistas estimulou a compra das ações das próprias empresas com o propósito de valorizá-las e favorecer a distribuição de dividendos. A isso se juntam a febre das fusões e aquisições, o planejamento tributário nos paraísos fiscais, o afogadilho das demonstrações trimestrais de resultados e as aflições das tesourarias de empresas e bancos açoitadas com o guante da “marcação a mercado”.

As mudanças na composição da riqueza e as transformações nas estratégias das empresas explicam a fúria de fusões e aquisições no setor privado e a sanha das privatizações de bens públicos. O rentismo exercita seus propósitos ao se beneficiar de um ativo já existente, de preferência criado com dinheiro público e gerador de renda quase monopolista. A onda de privatizações obedece à lógica patrimonialista e rentista do moderno capital financeiro.

Há quem imagine a lógica da “financeirização” da riqueza como uma anomalia do capitalismo contemporâneo, “descolada” da produção de bens e serviços. Desconfiava um pensador do século XIX que essas formas de valorização da riqueza são, a um só tempo, formas ilusórias, enquanto ocultam relações de produção subjacentes e formas necessárias, enquanto expressões dessas relações transformadas pela “realidade” da acumulação de riqueza, sob a forma inexoravelmente monetário-financeira.

O dinheiro e a finança são formas necessárias da riqueza no capitalismo de todos os tempos e em todos os tempos. Seu modo abstrato de ser, (des)governa tiranicamente as ilusões da racionalidade e do equilíbrio - refúgio dos economistas - como o fantasma de Banquo assombrava Macbeth.

Shakespeare estava de olho.

*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor emérito do Instituto de Economia da Unicamp e da Universidade Federal de Goiás.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Lendo e tentando aprender.