Acordo entre Mercosul e UE continua vivo
O Globo
Apesar das dificuldades entre Lula e Macron,
conversas estão mais avançadas do que há poucos meses
O presidente francês, Emmanuel
Macron, respondeu de modo enfático a uma pergunta sobre o acordo
comercial entre Mercosul e
União Europeia (UE). “Não concordo”, disse em Dubai, onde participava da
conferência da ONU sobre o clima, a COP28. Macron se reuniu com o presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva para tratar do assunto, e Lula disse não ter conseguido “tocar o coração”
do francês. Apesar de a conversa ter esfriado a esperança de que os termos
finais sejam assinados nos próximos dias, o acordo continua vivo. E um desfecho
favorável está mais próximo do que estava há poucos meses. “Vamos ver se é
possível superar os últimos pontos pendentes”, afirmou ontem em Berlim o
chanceler Mauro Vieira.
Os termos preliminares foram firmados ainda em 2019 depois de mais de 20 anos de idas e vindas. De lá para cá, sucessivos adiamentos motivados por interesses protecionistas de ambos os lados vêm postergando a assinatura final. No primeiro semestre, as esperanças congelaram depois que foi divulgada uma carta da UE impondo exigências ambientais adicionais. As negociações foram retomadas a partir de uma reunião em julho entre Lula e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen (os próprios europeus reconheceram que a carta fora um erro). Desde então, os dois trabalham para concluí-las ainda neste ano. Prevista para esta semana no Rio, a reunião de cúpula do Mercosul surgiu como oportunidade natural para anunciar avanços nos entendimentos. Mas não faltam obstáculos.
Primeiro, a delegação que vem ao Rio
representa o atual governo argentino, de Alberto Fernández, cujo chanceler,
Santiago Cafiero, considera que o tratado “tem impacto negativo na indústria do
Mercosul, sem trazer benefícios para suas exportações agrícolas”. Embora a
posição do governo de Javier Milei, que assume no próximo domingo, ainda seja
desconhecida oficialmente, seria estranho se uma administração que se diz
liberal adotasse posição contrária a um acordo de livre-comércio. A chanceler
nomeada por Milei, Diana Mondino, já disse ser favorável a concluí-lo.
O segundo
obstáculo é a resistência de países europeus como a França. Não
é, contudo, impossível vencê-la. A própria arquitetura institucional da UE
oferece os instrumentos necessários para isso. Os últimos tratados comerciais
assinados pelo bloco — com Canadá, México, Chile e Nova Zelândia — foram
aprovados por meio do mecanismo conhecido como splitting, por meio do qual as
cláusulas comerciais são separadas das demais. Para as primeiras entrarem em
vigor, basta a maioria simples dos votos no Conselho Europeu (formado pelos
chefes de Estado) e no Parlamento Europeu. As demais precisam ser aprovadas
pelos parlamentos de todos os 27 países.
Não é impossível haver uma coalizão entre os
países europeus favoráveis, como Alemanha, Espanha ou Portugal, para acelerar a
aprovação. Atender às novas exigências ambientais seria um preço baixo a pagar
por isso, já que a preservação das florestas e biomas também é do interesse dos
países do Mercosul. O acordo com a UE os colocaria noutro patamar de
competitividade. Serviria para estimular as empresas, pela competição, a se
modernizar e a se tornar mais produtivas. Significaria mais investimentos e mais
empregos.
Segurança dos moradores é prioridade no
afundamento de solo em Maceió
O Globo
Braskem, Defesa Civil e governos devem adotar
total transparência e seguir protocolos de redução de danos
Em meio à apreensão que tomou conta de Maceió (AL) nos
últimos dias, é boa notícia que o afundamento do solo na região da mina de
sal-gema da Braskem esteja
desacelerando. Trata-se de um alento, embora as autoridades ainda mantivessem
ontem o alerta máximo, devido ao risco de colapso, para uma mina no bairro
Mutange, longe da área turística. No domingo, o Ministério de Minas e Energia
informou que a situação é de estabilização. Na avaliação dos técnicos, se
houver desmoronamento, ocorrerá de forma localizada. De quinta-feira a sábado,
o afundamento havia chegado a 1,70m. Sensores instalados ao redor da área
monitoram a situação.
Desde os anos 1980, havia suspeitas sobre
problemas relacionados à exploração de 35 minas de sal-gema — usado na
fabricação de cloro, soda cáustica e PVC — na área urbana de Maceió. Mas eles
só foram comprovados em 2018, quando, depois de pequenos abalos sísmicos,
apareceram rachaduras, fendas e trincas em casas, prédios e ruas.
Desde então várias medidas foram
implementadas para mitigar o impacto. A Braskem desativou as minas e iniciou o
preenchimento das cavidades, que só deverá ser concluído em 2025. Foi montada
uma estrutura de monitoramento do solo para acompanhar as oscilações. Desde
2019, mais de 14 mil imóveis foram desocupados. Cerca de 60 mil moradores
deixaram suas casas, 5 mil somente na última semana. A Braskem fechou acordo de
reparação de R$ 1,7 bilhão com a Prefeitura de Maceió e disse ter reservado R$
14,4 bilhões para indenizações.
A situação parecia sob controle, mas, nos
últimos dias, novos abalos agravaram o quadro e trouxeram preocupação.
Autoridades decretaram alerta máximo na região devido ao risco iminente de
colapso na mina 18. Nos prognósticos mais assustadores, falava-se na
possibilidade de abertura de uma cratera do tamanho do Maracanã.
Como é comum em situações desse tipo, não
demoraram a surgir troca de acusações entre adversários políticos e disputa por
protagonismo entre as diversas esferas de poder. Podem atender a interesses
paroquiais imediatos às vésperas de um ano eleitoral, mas são inúteis para
resolver o problema da população, cuja preocupação é legítima.
A movimentação do solo está sob
monitoramento, e os resultados são acompanhados por instituições
especializadas, como convém. O importante agora é garantir a segurança dos
moradores que vivem ao redor das minas, fazendo as realocações necessárias que
ainda não tenham sido realizadas. Segurança é a maior prioridade.
É compreensível que o medo tome conta até dos
que não são diretamente afetados (há famílias recorrendo à Justiça para ser
incluídas no mapa de risco). Por isso é essencial que a empresa, a Defesa Civil
e os governos adotem total transparência nas informações e sigam os protocolos
recomendados para redução de danos. Ainda que o temido colapso não aconteça,
precaução nunca é demais.
Acordo entre Mercosul e UE é postergado de
novo
Valor Econômico
As negociações parecem ter perdido o momento,
mas é importante que continuem
O acordo entre o Mercosul e a União Europeia
(UE), uma das metas do presidente Lula ao assumir o comando rotativo do bloco,
em 4 de julho, voltou ao limbo. O Brasil deixa o posto nesta semana e transfere
a presidência para o Paraguai. De legado de sua atuação, restam o anúncio a ser
feito nesta semana de um acordo com Cingapura e a entrada da Bolívia como novo
membro do bloco. Com isto, fica para mais tarde, se ficar, a possibilidade de
livre comércio com o terceiro maior bloco comercial do mundo.
Após a eleição de Javier Milei para
presidente da Argentina, o governo brasileiro se esforçou para finalizar o
acordo com a União Europeia. Durante a campanha presidencial, Milei não poupou
críticas ao Mercosul. Ameaçou até se retirar do bloco. Milei se diz disposto a
maiores aberturas e apoia acordos bilaterais, como o Uruguai, que negocia com a
China. Além disso, fez várias críticas ao presidente brasileiro. Lula chegou a
fazer contato com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, logo
após a eleição de Milei, para manifestar a disposição de fechar os termos do
acordo durante sua presidência rotativa.
A realidade é que não fazia sentido e seria
politicamente insultuoso fechar um acordo que levou duas décadas para ser
finalizado a três dias da posse do presidente do segundo maior país do
Mercosul, e sem sua sinalização positiva. O Mercosul perde seu poder de fogo
sem a Argentina, que, com PIB de US$ 631 bilhões, foi 24% do bloco em 2022,
enquanto o Brasil concentrava 72%. Paraguai e Uruguai juntos somavam 4%.
Assim como em outros pontos, Milei tem
reformulado sua posição em relação ao Mercosul após a eleição. A chanceler do
presidente eleito, Diana Mondino, disse no encontro de fim de ano da Câmara da
Ásia que a “próxima administração argentina não tem nenhum problema com o
Mercosul”. Sobre o acordo com a UE, afirmou que “não é perfeito, mas se
esperarmos que seja perfeito nunca o fecharemos”, segundo relatos da imprensa
argentina. Quando esteve no Brasil para convidar Lula para a posse de Milei, a
mensagem foi a mesma. Disse que havia interesse argentino na concretização do
acordo e que não seria entrave no processo.
Milei possivelmente será mais favorável ao
acordo com a UE e à liberalização comercial que seu antecessor, o peronista
Alberto Fernández, que emperrou as negociações e é protecionista, e que o
presidente Lula, que nunca deu passos consistentes e contínuos para abrir a
economia do Brasil, das mais fechadas do mundo.
As resistências não partiram apenas de Brasil
e Argentina. Em 2019, as negociações, após 20 anos, pareciam concluídas, mas o
acordo não chegou a ser assinado. O problema, no qual muitos veem um pretexto,
chamava-se Jair Bolsonaro - com sua política de devastação ambiental. Em março
deste ano, a União Europeia apresentou exigências complementares com sanções
comerciais em caso de descumprimento de normas ambientais.
No meio do caminho, as ações europeias contra
o aquecimento global alvejaram também o Brasil, entre vários outros países. A
UE taxará bens exportados pelo Brasil que sejam provenientes de áreas
desmatadas, uma legislação aprovada este ano e em vigor. O governo brasileiro
viu nisso um claro sinal de protecionismo. Os negociadores brasileiros e Lula
consideraram um desaforo o anexo de exigências ambientais que, embora nunca
divulgado publicamente, desconsideraria a legislação nacional, que permite
desmatamentos legais. O questionamento à soberania nacional é inaceitável e
seria necessário ter muito mais negociações para resolver esse ponto.
O governo brasileiro, por seu lado, agiu
segundo seus instintos protecionistas, mostrando-se contrário à igualdade entre
empresas europeias e brasileiras nas licitações de compras governamentais. O
presidente argumentou que com a abertura seria impossível fortalecer as
pequenas e médias empresas do país, que sucumbiriam. A razão não para em pé. As
compras continuam sendo exclusivas para empresas nacionais e não se viu o
desenvolvimento pujante das PMEs que a política industrial de Lula promete.
Da proximidade de finalização do acordo
restou no ar a incompreensão. O ministro Carlos Fávaro, da Agricultura,
criticou a decisão de vetar a importação de commodities provenientes de área
desmatada. “Não aceitaremos que o Parlamento Europeu vote regras para impor ao
Brasil. Isso fere a nossa soberania”, disse Fávaro. O assessor especial do
presidente Lula, Celso Amorim, foi muito mais longe. Para ele, mesmo após mais
de 20 anos de discussão, o acordo “oferece pouco” e “exige muito”. “Vale a pena
ter um acordo de livre comércio, ainda que não seja o ideal, só por ter?”,
indagou. Do lado europeu, emergiu o velho protecionismo francês. O presidente
Emmanuel Macron declarou-se “totalmente contra” o acordo.
As negociações parecem ter perdido o momento,
mas é importante que continuem. A Alemanha assinou declaração com o Brasil
ontem mencionando “esforços adicionais” para que possam ser concluídas. O
primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, diz estar convencido de que o Parlamento
Europeu aprovará o acordo quando ele for finalizado.
Tudo no Orçamento
Folha de S. Paulo
Sejam precatórios ou verbas para ensino,
custos de políticas precisam ser claros
Criatividade não é atributo desejável quando
se trata de contabilizar receitas e despesas de um governo —e tampouco de
empresas privadas. Artifícios aparentemente engenhosos para driblar restrições
ou mostrar resultados melhores no mais das vezes só mascaram problemas a serem
enfrentados.
Foi assim com a manobra do governo Jair
Bolsonaro (PL) para escapar do pagamento integral dos precatórios, que começou
a gerar um passivo acumulado gigantesco, e algo parecido se dá, em menor
proporção, na tentativa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de instituir um fundo
para custear a permanência de alunos no ensino médio.
No caso dos precatórios, foi racional a
decisão recém-tomada pelo Supremo Tribunal Federal de permitir a
quitação dos valores atrasados, que já somam R$ 95 bilhões. A corte
também autorizou o governo a pagar os montantes que se acumulariam até 2026 sem
comprometer o espaço para outros gastos.
Trata-se do desfecho menos pior para a
confusão armada em 2021, quando Bolsonaro patrocinou a aprovação de duas
emendas constitucionais estabelecendo, na prática, um teto para os pagamentos.
O objetivo era abrir espaço nas contas para despesas como o Auxílio Brasil,
versão ampliada do Bolsa Família.
É positivo, sobretudo, que o STF não tenha
aceitado a proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de tratar encargos
com precatórios como despesa financeira e, portanto, não considerada no
cumprimento da meta fiscal.
Tal alteração seria danosa para a
credibilidade das contas e afrontaria as boas práticas internacionais. Seria
aberto espaço para que outros gastos pudessem ser considerados da mesma
maneira.
Resolvido por ora o imbróglio, cumpre agora
trabalhar para conter tal rubrica, algo que ainda é muito mal feito no governo.
Relatório da Controladoria-Geral da União mostra que falta clareza nos dados.
Em muitos casos não é possível identificar a origem da despesa.
A falta de controle facilita a emergência de
uma indústria de precatórios lesiva ao erário.
Quanto ao custeio da permanência de alunos
pobres no ensino médio, o governo editou medida provisória instituindo um fundo de
"natureza privada" de até R$ 20 bilhões. Seriam aportados
recursos federais, ações de empresas estatais e outras com participação da
União e ganhos com petróleo.
Em que pese o objetivo correto da medida, há
risco de que novamente se busquem brechas para evitar que o novo programa se
encaixe nos limites fiscais.
Políticas públicas e seus custos precisam estar explícitos no Orçamento —ou o
governo estará vendendo ilusões à sociedade.
Colômbia insegura
Folha de S. Paulo
Escalada de sequestros desafia política de
paz total do governo de esquerda
Não tem sido fácil o primeiro ano de mandato
de Gustavo Petro na Colômbia. O esquerdista enfrenta
dificuldades para aprovar reformas no Legislativo e teve
membros do governo envolvidos em casos de abuso de poder e corrupção.
Agora, enfrenta problemas na segurança
pública. Ex-guerrilheiro, Petro se elegeu com a promessa de "paz
total", baseada em mudança de foco no combate ao tráfico para o
desenvolvimento agrário e acordos com grupos armados.
Entretanto o número de
sequestros no seu primeiro ano de governo aumentou 83% ante os
12 últimos meses da gestão de centro-direita do antecessor, Iván Duque. As
extorsões tiveram uma alta de 27%, enquanto a quantidade de homicídios mostrou
queda ínfima.
Nos anos 1960, grupos guerrilheiros de matriz
marxista, como as Forças Armadas Revolucionárias (Farc) e o Exército de
Libertação Nacional (ELN), surgiram no país na esteira da Revolução Cubana. Ao
longo das décadas, porém, juntaram-se ao narcotráfico.
Em 2016, o então presidente Juan Manuel
Santos firmou acordo de paz com as Farc, que abandonaram a armas em troca de
concessões políticas. Em junho deste ano, Petro acertou
um cessar-fogo de seis meses com o ELN . O acordo estipula que
as partes não podem atacar, apenas defender-se.
Todavia o ELN alega —descaradamente— que
sequestros não são ataques, mas formas de angariar fundos. Além disso,
guerrilhas e narcotraficantes aproveitaram a política de paz para adquirir
armas e incrementar estruturas.
Novas abordagens que não se baseiem apenas no
belicismo da "guerra às drogas" são bem-vindas, porém é temerário
esvaziar a segurança. Segundo estudo da ONG colombiana Fundação Ideias para a
Paz, o abrandamento no combate ao crime é acompanhado pela alta da violência.
Em outubro de 2020, o número médio mensal de
operações das forças de segurança em 12 meses era de 17,1, enquanto o de
confrontos entre grupos armados ilegais não passava de 4,8. Em outubro de 2023,
a primeira média caiu para 7, e a segunda subiu a 7,4.
Petro diz que mudar a rota agora "abriria caminho para um novo ciclo de violência", mas os colombianos já demonstram cansaço. Para 37% deles, as negociações com a ELN devem continuar, ante 53% que são contra. Num país onde a esquerda no poder é novidade, as cifras são inquietantes.
A deturpação das emendas parlamentares
O Estado de S. Paulo
É preciso saber a que serve e a quem
interessa manter modelo atual de distribuição de emendas parlamentares para,
assim, estabelecer um novo sistema que permita sua necessária revisão
Desde o fim do orçamento secreto, o
Legislativo se movimenta para encontrar formas de reconquistar o poder que
tinha no governo Bolsonaro. Com as emendas de relator, esquema revelado pelo
Estadão, para obter apoio a seus projetos, o Executivo cedeu o controle e a
distribuição de parte do Orçamento à cúpula do Legislativo.
O maior problema do orçamento secreto era a
completa opacidade sobre a autoria das indicações, que nunca foram uma escolha
do relator. Foi por isso – por violar os princípios constitucionais da
transparência, impessoalidade, moralidade e publicidade – que o Supremo
Tribunal Federal (STF) reconheceu a inconstitucionalidade das emendas do tipo
RP-9. O STF, portanto, acertou em derrubar o orçamento secreto e em não
declarar que as demais emendas eram inconstitucionais.
Como já dissemos neste espaço, as emendas
parlamentares são parte do jogo democrático e um dos vários instrumentos de
construção de governabilidade. Se alinhadas a políticas públicas nas mais
diversas áreas, elas privilegiam os parlamentares que integram a base e podem
ser um ganha-ganha para o Executivo e o Legislativo. Cerrar fileiras com a
oposição costumava ser uma decisão de alto custo e que exigia muita convicção.
Em 2015, isso começou a mudar. Foi quando o
Congresso tornou impositivas as emendas individuais e garantiu uma verba para
cada deputado e senador, independentemente de seu posicionamento. Desde então,
os vários tipos de emendas ocupam espaço cada vez maior no Orçamento. Em 2014,
elas totalizaram R$ 8,7 bilhões; neste ano, chegaram a R$ 35,8 bilhões. O
Congresso não quer abrir mão delas, o Executivo não tem tido conforto para
aprovar seus projetos e a sociedade não tem visto o resultado das políticas públicas.
Ainda assim, os parlamentares não desistiram
de criar alternativas para resgatar o orçamento secreto. O relator da Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO), Danilo Forte (União-CE), tentou criar a emenda
de liderança, que ficaria sob o comando dos líderes partidários, mas recuou.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
prefere ampliar as emendas de comissão, tornar seu pagamento obrigatório e
criar um calendário para sua execução. Uma reportagem do Estadão mostrou que o
parlamentar defende ampliar o espaço que cabe às emendas das Mesas Diretoras da
Câmara e do Senado. Como na Câmara a Mesa é presidida pelo próprio Lira, isso
pode fazer delas um retrofit do orçamento secreto.
O avanço das emendas teve outro efeito
colateral e reduziu a autoridade que os líderes partidários tinham sobre suas
bancadas. Parlamentares se sentem livres para ignorar as orientações de suas
lideranças. Não seria um problema se as eleições legislativas não adotassem o
sistema proporcional, no qual o mandato não pertence ao político, mas pertence
ao partido.
Eventualmente, a emenda de liderança poderia
ser um modelo de transição para recolocar algumas coisas em seu devido lugar.
Se bem utilizada, ela poderia resgatar o papel dos partidos, reorganizar as
bancadas, facilitar negociações para a formação de uma base para o governo e
favorecer a atuação de uma oposição responsável e programática.
Para que isso funcionasse, tal emenda teria
de ser discricionária e premiar apenas quem efetivamente votasse de acordo com
a orientação de seu líder partidário – seja a favor ou contra o governo. Aos
partidos, certamente não é positivo lidar com parlamentares insubordinados.
Em paralelo, seria mais do que desejável que
se reduzisse o espaço de outros tipos de emenda, mas dentro de uma lógica
bastante realista. O Congresso não aceitará retomar os patamares anteriores a
2015, e o Executivo terá de aceitar essa realidade.
É inegável, portanto, que as emendas
parlamentares têm sido desvirtuadas no tamanho e na forma, o que sinaliza um
certo esgotamento. É preciso questionar a quem interessa o modelo atual de
distribuição desses recursos. Pode parecer que essa barganha sem limites e sem
contrapartidas favorece todos os deputados e senadores. Mas quem tem ganhado,
de fato, são as presidências da Câmara e do Senado.
Vestibular para militante
O Estado de S. Paulo
Ao exigir que vestibulandos só leiam autoras
mulheres, Fuvest amesquinha exame que deveria medir o grau de conhecimento dos
alunos, não seu nível de engajamento a determinada ‘causa’
A Fuvest, conhecida por organizar o exame de
seleção para ingresso nos cursos de graduação da Universidade de São Paulo
(USP), renovou a lista de leituras obrigatórias para as edições de 2026, 2027 e
2028 de seu rigoroso vestibular. A nova lista é composta exclusivamente por
autoras mulheres de língua portuguesa. Segundo a presidente do conselho curador
da Fuvest e vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, muitas
delas – entre as quais as selecionadas, Clarice Lispector, Conceição Evaristo,
Djaimilia Pereira de Almeida, Julia Lopes de Almeida, Lygia Fagundes Telles,
Narcisa Amália, Nísia Floresta, Paulina Chiziane, Rachel de Queiroz e Sophia de
Mello Breyner Andresen – “foram alvo de décadas de invisibilidade pelo fato de
serem mulheres”. Portanto, infere-se que, com uma ofensa ao cânone literário, a
Fuvest pretenda resgatá-las, digamos assim, de uma suposta obscuridade à qual
teriam sido relegadas por sua condição de gênero – o que não é verdadeiro para
a maioria delas, escritoras consagradas que são.
Mas ainda que todas fossem autoras
desconhecidas, a decisão da Fuvest de excluir autores homens de sua lista de
leituras obrigatórias representa uma imperdoável desvirtuação do processo
seletivo para ingresso na USP, a melhor universidade do País e uma das melhores
do mundo. Ao exigir que os vestibulandos só leiam autoras mulheres, pois, na
prática, é isso o que vai acontecer, a Fuvest amesquinha um exame que deveria
medir apenas o grau de conhecimento acumulado pelos alunos em seus anos de
formação inicial, não seu nível de engajamento a uma determinada “causa” ou
“agenda”, por mais nobres que sejam.
A ser mantida essa decisão estapafúrdia, só a
partir do vestibular de 2029 é que os alunos voltarão a ter de demonstrar
conhecimento sobre a obra de escritores como Machado de Assis, Euclides da
Cunha, João Guimarães Rosa, José Saramago, Milton Hatoum, Tomás Antônio Gonzaga
e Carlos Drummond de Andrade, entre tantos outros. A medida já seria
extremamente problemática, pelo perigoso precedente que abre, mesmo que fosse
apenas uma experiência restrita a apenas uma edição do exame. Mas, ao abolir
grandes autores da língua portuguesa do rol de leituras obrigatórias para
ingresso na USP durante nada menos que três anos, a fundação contribui para o
envenenamento de uma discussão de fundo – as deficiências programáticas da
educação básica e o baixo nível de leitura dos brasileiros – em nome de uma
agenda de natureza eminentemente ideológica.
Aqui não está em questão, obviamente, o
extenso rol de violências, psicológicas e físicas, a que está submetida grande
parte das mulheres no Brasil e no mundo. O ponto é que um vestibular não se
presta a selecionar futuros universitários por meio da avaliação de seu domínio
sobre determinados discursos correntes, como é o caso do chamado “empoderamento
feminino”. Isso significa impedir, desde a origem, o ingresso dos
desafortunados que não os dominam. A universidade – que deveria ser o lugar
mais apropriado para os grandes debates da humanidade, entre os quais, não há
dúvida, está a paridade de gênero – se encaminha para ser um gueto de
iniciados.
A censura imposta a autores homens de língua
portuguesa na lista de leituras obrigatórias da Fuvest – pois é disso que se
trata, ao fim e ao cabo – não ajuda a iluminar a necessária discussão da
paridade de gênero e seus impactos nas mais variadas esferas da vida. Ao
contrário, serve para limitá-la.
Para o bem dos alunos e da valorização da
cultura e da educação no País, espera-se que a Fuvest reconsidere sua decisão.
O cânone literário, afinal, é universal porque toca a condição humana,
independentemente de quaisquer critérios, naturais ou arbitrários, que possam
separar os indivíduos. É essa a compreensão que precisa ser demonstrada pelos
jovens que desejam ingressar não só na USP, como em qualquer universidade –
onde há de imperar o pluralismo de ideias, vozes e pensamentos, e não a
exclusão.
A ameaça venezuelana
O Estado de S. Paulo
Lula deveria usar sua proximidade com Nicolás
Maduro para convencê-lo a não agredir a Guiana
Regimes ditatoriais são ávidos em explorar
paixões nacionalistas como meio de sobreviver, em especial quando desafiados
pelos desastres que engendraram. Não é diferente na Venezuela de Nicolás
Maduro. Ao iniciar a construção de uma
segunda base militar na fronteira leste e conduzir, no último domingo, a farsa
de um plebiscito sobre a anexação de 70% do território da Guiana, o autocrata
bolivariano deslanchou a primeira ameaça bélica na América do Sul desde 1991.
Do episódio, salta à vista a inação do Brasil. Em vez de advertir claramente o
vizinho sobre os riscos de uma aventura regional desestabilizadora, o
presidente Lula da Silva limitou-se a dizer que a América Latina “não precisa
de confusão”.
Não se trata de “confusão”, e sim de ameaça
explícita de agressão à Guiana por parte da Venezuela, que inventou uma
consulta popular obviamente fajuta para revestir de legitimidade sua
reivindicação territorial. Como já fez no caso do ataque injustificado da
Rússia contra a Ucrânia, Lula da Silva tratou a ameaçadora Venezuela e a
ameaçada Guiana como se fossem igualmente responsáveis pela “confusão”. Segundo
o presidente brasileiro, é preciso que “o bom senso prevaleça do lado da
Venezuela e da Guiana”. Ora, só há falta de bom senso de um lado, o da
Venezuela do “companheiro” Nicolás Maduro.
Não há dúvidas sobre as más intenções do
ditador venezuelano, que aceitou a realização de uma eleição presidencial
aberta e monitorada em 2024 em troca da suspensão temporária de sanções pelos
Estados Unidos. Nada indica que cumprirá esse acordo, celebrado em Barbados em
outubro passado, dadas as travas de seu regime às candidaturas da oposição.
Nessa lógica, insuflar o nacionalismo, ao
resgatar uma causa apoiada também por alguns de seus detratores, parece uma
jogada característica de quem precisa recuperar a popularidade em meio à crise
generalizada no país.
A Venezuela reivindica há dois séculos a
soberania sobre Essequibo, uma faixa de 160 quilômetros quadrados no oeste da
Guiana. Desdenha de arbitragens e acordos anteriores e, agora, de recentes
orientações da Corte Internacional de Justiça. Não se pode abstrair o fato de a
controvérsia ter sido pinçada por Maduro quando a Guiana se vê catapultada
economicamente pela exploração petrolífera na região em disputa – e
desguarnecida de força de defesa. Tampouco é possível ignorar o fato de o
Brasil estar, literalmente, no meio do vespeiro. Porta de fuga de venezuelanos
desesperançados, Roraima faz fronteira com ambos os países.
A circunstância geográfica, por si só, exige do Brasil uma posição neutra, equilibrada e ativa na busca de uma solução diplomática. Lula da Silva deveria usar sua condição de “companheiro” de Maduro para convencê-lo a desarmar os ânimos. A cada dia de imobilismo e de miopia diante dos arroubos de Maduro, porém, a Guiana se verá empurrada a buscar proteção militar nos EUA. A escalada é preocupante e requer do Estado brasileiro o dever estratégico nacional e regional de levar a Venezuela a manter a paz, o maior capital geopolítico da América do Sul.
Letalidade policial aumenta no país
Correio Braziliense
Em 16 dos 27 estados, o número de vítimas das
forças de segurança pública mais do que dobrou na comparação entre o primeiro
semestre e igual período de 2022, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública
A violência, nas suas mais diversas
expressões, é fantasma que preocupa a sociedade brasileira. Ela ocorre dentro
dos lares, com o elevado aumento dos feminicídios, por meio de roubos, furtos e
assassinatos nas ruas e pelas mãos dos bandidos. Em 16 unidades da Federação,
inclusive o Distrito Federal, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)
constatou que houve um aumento da letalidade dos agentes da segurança pública
no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2022.
O estudo foi publicado, pela Folha de
S.Paulo nesta segunda-feira. O número de vítimas cresceu expressivamente
nos estados de Mato Grosso do Sul (340%), em Santa Catarina (115%) e no
Distrito Federal (114,3%). Em Mato Grosso, o aumento é atribuído aos confrontos
com integrantes de organizações criminosas, como Comando Vermelho (CV) e
Primeiro Comando da Capital (PCC), em razão das rotas de tráfico de drogas,
principalmente maconha e cocaína, produzida na vizinha Bolívia.
Apesar desse aumento, o DF está entre as UF
com o menor número de vítimas das ações policiais. No ano passado, foram sete
mortes, contra 15 nos primeiros seis meses deste ano. Em São Paulo, no semestre
passado as mortes causadas por agentes aumentaram 8,3%, excluído o número de
vítimas da Operação Escudo, ocorrida em julho, no litoral do estado, após o
assassinato de um policial, quando criminosos e inocentes foram mortos.
A comparação do total de mortes pela polícia
com o de crimes violentos letais intencionais (CVLI) indica a proporção da
letalidade das intervenções das forças do Estado. Em Goiás, por exemplo,
ocorreram 529 mortes intencionais, e as provocadas pela ação da força de
segurança foram 304 (57,5%) — considera-se que há uso excessivo da força quando
o número de vítimas ultrapassa 10% das pessoas mortas por CVLI. Dados
semelhantes foram obtidos em outras unidades da Federação.
Bahia e Rio de Janeiro, embora tenham
apresentado queda nos índices de letalidade policial, têm números de vítimas
espantosos. Nos seis primeiros meses, a polícia baiana fez 743 vítimas, uma
queda de 8,4% em relação a 2022. No segundo semestre, ocorreu um aumento de
13,6%, tendência que, provavelmente, colocará a Bahia no pódio, entre os
estados com maior letalidade policial. A causa são os recorrentes embates com o
crime organizado e a guerra entre facções dos bandidos.
No Rio Janeiro, foi registrada uma diminuição
de 12% (649 mortos) no primeiro semestre, e de 16,1% de julho até agora. No
entanto, isso não significa menor letalidade policial. Levantamento do
Instituto Fogo Cruzado revela que no estado ocorrem três chacinas policiais por
mês que resultam em três ou mais mortes. Há uma semana, o governo fluminense
decidiu ressuscitar a Secretaria de Segurança Pública e, há um mês, conta com o
apoio de militares da Força Nacional, a fim de conter as ações das facções criminosas,
que atuam nos bairros da periferia. O desmonte das organizações, a partir da
asfixia financeira e de suas atividades não aconteceram.
No Sudeste, Minas Gerais, um dos maiores
estados da região, se sobressai pelo baixo índice de mortalidade policial: 4%
em relação aos assassinatos. Na comparação com o primeiro semestre de 2022,
houve uma queda de 32,4% no número de vítimas. Um padrão entendido como
exemplar para os outros estados.
Para especialistas, a violência no país, principalmente, a produzida pelo crime organizado não será estancada com a letalidade da polícia. Nos embates, muitos inocentes são mortos. Faltam um serviço de inteligência eficaz, treinamento adequado dos polícias nas abordagens, equipamentos, entre outras medidas depuradoras das forças de segurança pública. As autoridades reconhecem que as facções contam com informações privilegiadas de bandidos infiltrados nos órgãos de Estado. Em síntese, o país carece de uma política de segurança pública abrangente, que interligue todas as unidades para uma atuação na mesma sintonia, a fim de acabar com as organizações do crime.
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