terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Ricardo José de Azevedo Marinho* - Resgatar o fio da meada

Blog Voto Positivo

Deixa a vida me levar em nossa linguagem é uma expressão que se refere à necessidade de agradecer o livramento cotidiano face às questões de caráter dramático que ela pode ou não possuir, algo que pretende ou não alimentar as tensões de um ou mais conflitos ou de situações que parecem ser mais graves do que realmente são. Ao subir o tom do cancioneiro popular, se salienta que não chegamos ao abismo, ao irreparável, nem às portas do inferno nem tão pouco às do paraíso.

Essa é a atmosfera que por vezes surge, e por vezes também, surgiram ao longo do primeiro ano do governo Lula-Alckmin, mas, mais genericamente, à atmosfera briguenta e turbulenta que se intensificou no debate político, à atmosfera de suspeita, grosseria e raiva permanente entre aqueles que governam e a oposição.

E essa percepção já se avizinha em torno da agenda de 2024 que é por vezes imatura e outras vezes exala mau humor, pois o carácter informativo necessário para não embarcar nessa canoa furada é pobre e a exacerbação da propaganda cobre tudo, parece que os defeitos ou virtudes do governo e da oposição não foram considerados como foco, mas sim sobre uma luta entre mundos opostos, onde o outro é a encarnação do mal. Os efeitos que isso tem desenvolvido é algo muito distante de uma cultura cívica saudável.

É claro que este espírito é resultante de não se ter construído de forma límpida e não ziguezagueante o governo da Frente Democrática que poderia compor um acordo aceitável para todos, ou pelo menos para o Grande Número.

Tal como num andamento anterior, a então dita esquerda radical, inflada pela sua suposta efêmera vitória, age de forma irresponsável e messiânica, com uma ideologia de reconstrução que contém aspectos delirantes, que alimenta uma extrema direita que se deseja divina pela sua política eleitoral motivada por um impulso hegemônico e imoderado em sua arrogância, ambas distantes em tudo da busca dos antagonismos em equilíbrio.

A grande maioria dos cidadãos, que certamente não conseguem explicar como é que a Frente Democrática não chegou a um acordo, acreditam com muito bom senso que ela ainda pode e deve acontecer, trazendo certamente boas surpresas reservadas para nós, mas não sabemos ainda o que vai ser.

O que sabemos é que as mudanças devem ser feitas pelas atuais instituições democráticas através do caminho testado e aprovado das reformas, como acontece nas democracias, sem gritar para o céu e removendo qualquer conotação apocalíptica.

Para tanto devemos tomar consciência, de uma vez por todas, de que, como todos os outros, atravessamos tempos sombrios, de dificuldades econômicas, em que estão ocorrendo guerras longas e sangrentas, e onde a democracia está desafiada (A democracia desafiada: recompor a política para um futuro incerto de Marco Aurélio Nogueira, Ateliê de Humanidades: São Paulo, 2023) em muitas latitudes e regiões, e não muito longe de nós. Estes ainda são tempos, como disse no final do século XIX o historiador suíço Jacob Burckardt, que no século seguinte as pessoas procurarão “salvadores” que oferecerão soluções duras e simples: “les terríveis simplificadores”.

No Brasil vivemos um momento complexo. Começamos a lembrar de que o bem-estar social requer uma economia bem arrumada. Se não tivermos recursos e investimentos produtivos, não haverá reforma tributária que ajude.

Isto não é inevitável e ao valorizar as reformas positivamente isso pode nos levar a transição bem-sucedida no desenvolvimento das forças produtivas como estamos vendo com a nossa bela atuação na COP 28 nesse quase fechamento de 2023 bem como na assunção do Rio de Janeiro como capital do G20 em 2024. Essas são as ações que podem permitir um novo impulso propulsivo e nos tirar do forte sonambulismo que já nos acometeu, como mostrou o historiador australiano Christopher Clark sobre o universo de 1914.

Isto requer uma atitude diferente de todas e todos. Requer um forte compromisso de cooperação para obtermos os resultados desejados. É necessária uma forma de convivência onde prevaleçam as boas razões, as boas palavras, lidar com a realidade de forma saudável e que se reduzam os maus sentimentos. Digamos que sejam reduzidos porque o seu desaparecimento é estranho à natureza do estado de coisas que aí está, que é, como sabemos, demasiado esquizoide. Daí que para o nosso bem-estar social, será necessário mais espírito coletivo, mais cooperação democrática e um pouco mais de ideais exequíveis.

 Por um bom Natal e um 2024 sereno que permita um país e um mundo estável e próspero. 

* Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

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