O Estado de S. Paulo
Em fóruns como a COP é que temos esperança de que surjam os mapas com as estradas para o futuro. Ou passamos à fase de materialização das ideias ou aceitamos um destino catastrófico
Produzindo 3,6 milhões de barris de petróleo por dia, os Emirados Árabes Unidos são os anfitriões da COP-28, conferência global que se propõe, entre outros objetivos, a descarbonizar a economia e evitar uma catástrofe climática. Pode parecer contraditório, mas, se partirmos da premissa de que desafios em escala global requerem concertações planetárias, não há como excluir do esforço os grandes responsáveis pelo problema. Sem o comprometimento de todos, diminuem nossas chances em face da emergência climática. Enfrentar agenda desta envergadura demanda um sistema multilateral forte, sem demonizar quaisquer das partes, porém sem aliviar o ônus dos principais responsáveis.
O que acontecer em Dubai transmitirá avanços,
retrocessos ou inércias até a COP-30, em Belém (PA) – essa oportunidade
singular de trazer as lideranças mundiais para uma imersão na Amazônia, tão
decantada à distância, mas pouco conhecida. Para cumprir seu papel histórico, a
COP Amazônica precisa coroar processo de preparação épico, nas negociações e na
infraestrutura, pois servirá para evidenciar as contradições de uma floresta
que abriga riquezas ambientais incomparáveis, mas que é também o lar de população
de quase 30 milhões de amazônidas que convivem, em grande parte, com a falta de
estrutura básica de saúde, saneamento e serviços públicos.
Na contramão do construtivismo multilateral,
a realidade vem dando à luz decisões unilaterais, que falham em oferecer
soluções efetivas à humanidade. Disfarçada sob o nobre manto da
sustentabilidade, alguns desses arroubos se materializam, por exemplo, no novo
Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), da União Europeia.
Na mesma direção estão a China, os EUA e
outros. Países que lideram as emissões de carbono desde a Revolução Industrial
são os mesmos que, ano a ano, criam obstáculos à concretização de sistemas
globais de precificação de carbono, financiamentos climáticos e outros avanços.
Além disso, investem em tecnologias limpas em seus próprios territórios. Embora
relevante, o desenvolvimento tecnológico sozinho não tem a energia para
transformar metas planetárias em realidade.
Neste trôpego caminhar, sobram expectativas
frustradas e raras têm sido as ações verdadeiramente consequentes. Em 2015, a
COP-21 resultou no Acordo de Paris, cuja ambição permitiu que se estabelecesse
o teto de 1,5ºC para o aquecimento global; foi desenhado o Mecanismo de
Desenvolvimento Sustentável, base para um mercado global de créditos de
carbono; e foram definidos parâmetros para as Contribuições Nacionalmente
Determinadas (NDC). Também foi prevista a criação de um fundo de financiamento
climático, em que países ricos financiariam a transição energética daqueles em
desenvolvimento, além de ter sido discutido o fundo de perdas e danos para os
mais afetados pela mudança do clima, o que só se concretizaria na COP-27, no
Egito.
Mas a lamentável realidade é que, passados
oito anos, pouco dessas ambiciosas iniciativas ganhou plena concretude. As
metas acordadas em Paris escorrem por nossos dedos e o mercado global de
carbono ainda carece de regulamentação final.
A atual COP até teve um início positivo, com
a aprovação da arquitetura do fundo de perdas e danos. A decisão foi
acompanhada pelo anúncio das primeiras doações, que somaram tímidos US$ 400
milhões, muito aquém das centenas de bilhões necessários para prestar auxílio
aos países mais afetados pela mudança no clima. Em exigência encabeçada pelos
EUA, não haverá obrigatoriedade de contribuição pelos países desenvolvidos.
Embora a decisão mereça ser saudada, só sua implementação poderá comprovar que
os países ricos se engajarão efetivamente, com aportes financeiros
significativos.
Aqueles que desde a Revolução Industrial
aceleraram seu desenvolvimento a partir de fontes fósseis devem reconhecer sua
responsabilidade com o planeta. A trajetória à frente passa pela
descarbonização da matriz energética global e melhora nos sistemas de produção
alimentar, assim como por onerar as futuras emissões.
O Brasil também tem importante dever de casa.
Não podem mais ser tolerados o desmatamento, a grilagem e o garimpo ilegais.
Não pode mais ser tolerada a dubiedade. Também devemos avançar na implementação
do mercado nacional regulado de carbono e no efetivo retorno do Brasil à mesa
global da agenda sustentável.
Restam, claro, outras pedras no caminho.
Convivemos com um profundo vazio de lideranças. O que testemunhamos, por vezes,
são populistas, negacionistas, norteados por nacionalismos simplistas e
excludentes. Tais rompantes têm roteiro definido e acabam apenas frustrando
expectativas de soluções fáceis e atravancando a já esburacada estrada que leva
à cooperação internacional.
Em fóruns globais como a COP é que temos
esperança de que surjam os mapas com as estradas para o futuro. Com sobriedade,
realismo e firmeza, precisamos mobilizar a reação global para transformar metas
em ações, atentos a que interesses de curto prazo de países, blocos e grupos
não se sobreponham às necessidades de toda a humanidade. O caminho demanda
passos largos, assertivos, velozes e articulados. Ou passamos à fase de
materialização das ideias ou aceitamos um destino catastrófico – não a este,
àquele ou ao outro, mas a todos que vivemos e viveremos neste planeta. Mãos à
obra.
*Economista, presidente-executivo da Indústria
Brasileira de Árvores (IBÁ), foi governador do ES (2003-2010/2015-2018)
Um comentário:
É.
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