terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Míriam Leitão - Os recados do Brasil à Venezuela

O Globo

Em conversas com Maduro, o Brasil deixou claro o desconforto em relação aos desdobramentos da questão de Essequibo

O Brasil deixou claro ao presidente da VenezuelaNicolás Maduro, que não pode haver qualquer tropa estrangeira na região, e mostrou seu desconforto em relação aos desdobramentos da questão de Essequibo, território da Guiana que o país está reivindicando. Maduro, segundo fontes diplomáticas, negou que vá haver conflito, mas o temor brasileiro vem do fato de que o governo venezuelano está produzindo uma mobilização popular.

—As guerras que ocorreram na América do Sul mais recentemente foram de elite, como a do Equador e do Peru, em que não houve mobilização popular. Quando há esse envolvimento da população tudo fica mais perigoso.

Nos sinais que enviou a Caracas, o Brasil deixou claro que há um enorme desconforto com a perspectiva de um conflito na América do Sul.

—Nós não estamos entrando no mérito da disputa, mas não estamos passando pano. É verdade que é uma reivindicação antiga que eles nunca abandonaram, só que nunca fizeram esse esforço de mobilização da população como estão fazendo agora — me disse uma fonte do governo.

O governo não fez uma condenação mais dura porque quer preservar o canal de diálogo. O presidente Lula é uma das poucas pessoas que Maduro ouve. Ainda que parcialmente. Por isso, nada mais forte foi dito publicamente. Contudo, a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, chegou a dizer que uma vitória no referendo daria um mandato às forças armadas venezuelanas. E isso foi considerado “inaceitável” por diplomatas brasileiros.

O referendo deste fim de semana deu um resultado previsível. Depois de uma campanha popular nacionalista, o governo de Maduro conseguiu, segundo as autoridades locais, 95% de apoio à ideia de criação de um novo estado “venezuelano" na região de Essequibo, que pertence à Guiana. O território vem sendo reivindicado pelo país desde o século 19 e já passou por arbitragens internacionais. Até recentemente era apenas uma velha pretensão, mas recentemente Nicolás Maduro passou a agitar essa bandeira nacionalista que teve apoio até de partidos de oposição. Fez isso num movimento conhecido, de criar um inimigo externo, para unir o país e se fortalecer diante da opinião pública. Dos 20 milhões de venezuelanos aptos a votar, compareceram 10 milhões, o que é muita gente, mas ao mesmo tempo um baixo comparecimento. Mas Maduro já está contabilizando os ganhos.

—O fato é que a agenda mudou no país. Eram as primárias, e o processo eleitoral. E agora Maduro está surfando nessa mudança de foco — me disse uma fonte do governo.

O regime chavista sempre usou as eleições de forma a se fortalecer, desde a época do coronel Hugo Chávez. Eleições são marcadas para períodos em que o regime está forte. Referendos que ele perde não são cumpridos, os que ele vence são seguidos como prova de que há respaldo popular para os projetos do governo. Candidaturas de adversários que ameaçam são cassadas.

 

Isso acaba de acontecer de novo. A pré-candidata oposicionista favorita às eleições presidenciais de 2024 foi declarada inelegível por 15 anos por alegados problemas administrativos. O país já vinha sendo pressionado por governos democráticos da região a cumprir os trâmites de uma eleição normal. O governo de Caracas se comprometeu com eleições presidenciais livres e competitivas e uma semana depois passou a contestar as eleições primárias da oposição que deu vitória à Maria Corina Machado. Segundo o governo houve fraude.

O Brasil está nesse momento sem embaixador lá, mas a embaixadora escolhida, Glivânia Maria de Oliveira, é bem avaliada e considerada competente. Hoje ocupa o cargo de diretora-geral do Instituto Rio Branco. Já começará no meio de um período de muita tensão.

O risco de um conflito armado é grande, mesmo que o aparente objetivo inicial do governo seja mudar a agenda do país, na qual ele estava na defensiva. Mas o fato é que a Venezuela tem o maior e mais bem equipado exército da América do Sul. O risco maior é uma ação militar da Venezuela desencadear uma onda de hostilidade que acabe levando ao envolvimento de forças militares estrangeiras na região que faz fronteira com o Brasil.

As palavras de tranquilidade que Maduro enviou para o Brasil não tranquilizaram o governo, nem os militares. Por outro lado, a Venezuela estava começando a se beneficiar do levantamento de sanções americanas. Esse movimento será suspenso, em caso de qualquer ato de hostilidade venezuelana contra a Guiana.

 

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