Valor Econômico
Defesa de maior participação de produtos
industrializados na pauta de exportações volta a ganhar espaço, mas Brasil
parece fadado a ser especializado no setor primário
De acordo com as últimas estimativas do
governo, a balança comercial brasileira fechou o ano passado com saldo positivo
de US$ 95,96 bilhões, um recorde que ultrapassou todos os prognósticos. O
resultado, que se deveu à queda da ordem de 11,3% nas importações (devido a
preço), representou incremento de 59,1% sobre o superávit comercial de US$
61,525 bilhões em 2022 e reforça a zona de conforto nas contas externas do
país.
Ao contrário do que se dizia, a redução da taxa de crescimento da China não tem afetado negativamente o comportamento da balança comercial brasileira. Ainda é cedo para se prever o futuro tendo em vista as incertezas a respeito do rumo que tomará o comércio internacional, se será mais ou menos intervencionista ou se tenderá para os acordos bilaterais ao invés dos regionais. Nem mesmo se sabe se será possível salvar a Organização Mundial do Comércio (OMC) da estagnação na qual mergulhou nos últimos anos.
O fato é que o Brasil tem conseguido expandir
as exportações justamente no período em que a globalização dá indicações de ter
desacelerado, abrindo espaço para compromissos específicos entre países que
costumam estar atrelados a regras tarifárias de contrapartida. Note-se que as
exportações brasileiras crescem na base do mais do mesmo, ou seja, concentradas
em produtos agropecuários e na indústria extrativa, considerados primários
porque não passam por complexas etapas de transformação como ocorre no setor industrial.
A pauta das exportações brasileiras mantém o
mesmo perfil há muitos anos. O movimento no mês de dezembro de 2023, segundo
dados preliminares do governo, é um exemplo: 18,17% de tudo o que foi exportado
(cerca de US$ 4 bilhões) constituiu-se de produtos agropecuários, com a soja e
o milho em destaque. Os extrativos responderam por 25,97% das exportações
(cerca de U$ 5,7 bilhões), com relevância para óleos brutos de petróleo e
minério de ferro. A lista de itens da indústria de transformação, responsável nas
estatísticas oficiais por 55,37% do fluxo de dezembro de 2023, não passa em
verdade de produtos agropecuários e extrativos submetidos a processo
superficial de “industrialização”, como o farelo de soja e de carnes, melaços,
carne bovina resfriada, óleos combustíveis, celulose, ferro-gusa, lingotes de
ferro ou aço, enfim, todos derivados do chamado setor primário. Na lista dos
mais vendidos da indústria de transformação, apenas aeronaves e suas partes são
efetivamente vinculados ao setor industrial.
Isso é bom ou é ruim? Deveria a pauta de
exportações do país ser mais concentrada em bens efetivamente industrializados?
A questão voltou a ganhar espaço. Alguns analistas destacam que, apesar do
excelente resultado da balança comercial, a pauta peca pelo fato de grande
parte dos produtos exportados não agregar valor. Isto é, não passa por uma
cadeia de processamento mais sofisticada que geraria mais empregos e maior uso
de tecnologia com benefícios para o desenvolvimento do país e da sociedade.
O debate remete à teoria do comércio
internacional, um tema dos mais antigos nos estudos do pensamento econômico. O
mercantilismo prevaleceu na Europa entre os séculos XV e XVIII, durante a
chamada Idade Moderna. Advogava que o valor das exportações sempre excedesse o
das importações por meio de incentivo às manufaturas (vem dali a ideia de valor
agregado às exportações) de modo a garantir o acúmulo de metais preciosos no
Tesouro Nacional.
Adam Smith ordenou a visão econômica do
comercio internacional em 1776, com o livro “An Inquiry into the Nature and
Causes of the Wealth of Nations” (Investigação sobre a Natureza e as Causas da
Riqueza das Nações), no qual aprofunda o conceito de especialização - produção
de maior quantidade de bens a partir da mesma fonte de recursos - que resulta
no aumento da produtividade.
O comércio internacional pode ampliar os
mercados e ajudar os países a melhorar sua especialização em determinados
produtos, criando assim uma divisão internacional do trabalho. Smith era a
favor do livre comércio contra o intervencionismo preconizado pelos
mercantilistas.
No início do século XIX surgiu a teoria da
vantagem comparativa que teve em David Ricardo seu maior expoente. As vantagens
comerciais são medidas a partir do potencial de produtividade de um país em
comparação com outro e levam em conta o benefício para ambos quando há comércio
entre os dois. Um país menos desenvolvido tem condições de exportar um produto
de relativa vantagem comparativa que o permite comprar outro em que tenha menor
condições de competitividade.
Em princípios do século XX apareceu a ideia
de que um país com alta relação de mão de obra sobre o capital tende a exportar
bens intensivos no fator trabalho. Com o tempo, o conceito da especialização
firmou-se e passou a determinar a concentração de produtos na pauta de
exportação e de importação de cada país. Mais recentemente, houve um
desdobramento na teoria do comércio, indicando que os padrões de especialização
- muitos deles seriam desenvolvidos por acaso - tendem a se reforçar devido aos
resultados positivos acumulados. Ficou conhecido como modelo dos retornos
cumulativos: quanto mais determinado produto o país produz, mais eficiente ele
se torna na produção daquele tipo de bem.
O Brasil é a confirmação do modelo. Desde o
início dos anos 2000, mantém-se no topo do ranking do aumento da produtividade
agropecuária mundial, o que o torna fadado a ser um exportador especializado no
setor primário. Para decepção daqueles que ainda pensam como os mercantilistas,
o padrão da nossa pauta de exportações parece consolidado. Resta o consolo de
que quanto maior for a exportação, mais dólares haverá para importar os bens em
que temos menor vantagem comparativa vis-à-vis outros países.
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