O Estado de S. Paulo
Valor de emendas tem aumentado muito, equivalendo no Orçamento de 2024 aos recursos destinados ao PAC
Mas por que constituem um problema e qual a
natureza desse agravamento? O principal problema é de natureza política. Já fui
candidato a deputado federal e aprendi que o voto de opinião sobre um candidato
é prejudicado pela existência de muitos deles. Quando isso ocorre é difícil
escolher, e em economia houve quem ponderou e chamou essa situação de “quando
mais é menos”. A pessoa faz a escolha e fica insegura quanto à conveniência
dela. O ideal seria o voto distrital, em que em cada distrito haveria, se tanto,
meia dúzia de candidatos viáveis nas eleições para o Legislativo, e não
centenas deles, como ocorre hoje. O debate entre eles contribuiria para
esclarecer suas qualidades.
Aprendi também que os prefeitos e vereadores municipais têm grande influência nos resultados das eleições estaduais e federais, dada a sua relação com os eleitores locais, em torno dos quais passam a atuar como cabos eleitorais. Certa vez, conversando sobre minha candidatura com o ex-governador de São Paulo Mário Covas, ele disse que “iria me arranjar uns prefeitos”, mas faleceu logo depois.
Aí é que entram as emendas, pois os
parlamentares procuram destiná-las às suas bases eleitorais, cativando
prefeitos e vereadores em busca de apoio para reeleição. Garantidas as emendas,
os candidatos incumbentes – os que já exercem o mandato – passam a alardear o
seu papel, à cata de votos futuros. Ainda recentemente vi num jornal foto de um
deputado federal ostentando um grande cartaz formatado como um cheque, em que
constava o valor da emenda, a prefeitura a que se destinava e o parlamentar
como emitente.
Entendo que as emendas parlamentares são
inconstitucionais, pois o artigo 5.º da Constituição tem estes termos: “Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Note-se que o texto acima fala de igualdade,
mas o candidato incumbente tem o privilégio das emendas relativamente a outros,
com o que também faz propaganda fora do período eleitoral e no processo recebe
indiretamente um financiamento de campanha por parte do governo. Onde está a
igualdade constitucional relativamente aos candidatos não incumbentes?
Passando ao agravamento do problema, ele vem
do seu crescente tamanho em quantidade, valores e influência do Congresso nessa
ampliação. O jornal Valor de 29/12/2023 publicou artigo dos economistas
Alexandre Manoel e Lucas Barbosa mostrando um gráfico das emendas parlamentares
totais e obrigatórias como proporção das despesas discricionárias, de 2015 a
2023, preparado pelo economista Marcos Mendes. A proporção dessas despesas
totais com as emendas, relativamente às despesas discricionárias, aumentou de 1,9%
em 2015 para 20,6% em 2023 (!), aumento esse que foi bem mais forte desde 2020.
Também segundo o texto, o gráfico mostra transferência de parte do poder do
Executivo para o Legislativo e a influência crescente deste no Orçamento.
Ou seja, é evidente o agravamento do problema
das emendas. E há também a desigualdade entre os próprios incumbentes, pois
alguns têm maior poder sobre a alocação das emendas. Com isso, há os que são
chamados de “campeões de emendas”.
Quanto à destinação delas nos seus objetivos,
é pulverizada. Podem ir para educação, saúde e saneamento, por exemplo, mas
fala-se que muitos projetos são mal formulados e executados, e vi até
referência à contratação de artistas para shows, mas não conheço um
levantamento abrangente e detalhado do impacto das emendas em termos de
políticas públicas.
Vez por outra há também denúncias de
aplicações irregulares. A última denúncia que vi foi publicada em reportagem de
página inteira deste jornal no dia 23/12/2023, com o título Senador envia R$
38,2 mi para obra de construtora de sua família.
Passando a valores das emendas em reais, ou,
pior, em bilhões deles, o avanço delas fez com que sua previsão para o
Orçamento de 2024 seja de um total de R$ 53 bilhões, uma dinheirama. A última
mordida para ampliar o valor foi o Congresso cortar R$ 7 bilhões do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC). Com isso, o valor desse programa foi reduzido
para R$ 54 bilhões, e assim está bem próximo da cifra do pacote das emendas,
citada acima. Vale notar também que ao falar dessas emendas estamos tratando de
recursos federais que deveriam ser aplicados em obras de maior porte e serviços
de envergadura ligados às políticas públicas federais. Municípios deveriam usar
seus próprios recursos para levar adiante suas políticas municipais, e os que
vêm das emendas federais podem deixá-los mal-acostumados a contar com eles.
Quem pode arrumar esse mau estado das emendas
seria o Supremo Tribunal Federal (STF). Não sou jurista, mas pelos argumentos
que apresentei acima continuo e continuarei entendendo que são
inconstitucionais.
*Economista (Ufmg, Usp e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior.
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