Valor Econômico
Brasil precisa ficar mais ágil na corrida com
os outros países nesse universo da neoindustrialização e incertezas
geopolíticas
Após deixar em março a presidência do Novo
Banco do Desenvolvimento (NDB), o Banco do Brics, para dar lugar à Dilma
Rousseff, Marcos Troyjo passou a lecionar na Universidade de Oxford, na cátedra
antes ocupada por Iván Duque, ex-presidente da Colômbia, e também no Insead
(França). Nesse período, ele visitou 18 países em contatos com autoridades,
investidores e acadêmicos, e os questionamentos sobre o Brasil foram
inevitáveis.
Para Troyjo, a convergência de crises atualizou a noção de policrise, com a pandemia mais grave que o mundo experimentou desde a gripe espanhola, depois a situação geopolítica mais delicada na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, e uma economia mundial que ainda não se recuperou na esteira de frouxidão fiscal e monetária que levou o centro macroeconômico mundial a fortes turbulências inflacionárias.
Essa situação acaba sendo muito exacerbada
porque vem acompanhada de aumento do protecionismo no mundo, do que ele chama
de recessão da globalização. Sua análise é de que a globalização não parou, mas
há menos fluxos de mercadorias e capitais do que há 20 anos, e isso acaba por
se converter em força de pressão inflacionária.
Olhando pela ótica do Brasil, Troyjo
considera que esse é um cenário perigoso, mas que traz também muitas
oportunidades para o país. Ele destaca a questão demográfica. Nota que nos
próximos 25 anos a população mundial vai saltar de 8 bilhões para 10 bilhões de
habitantes. Observa que no ano em que Jesus Cristo nasceu a população mundial
era estimada em 150 milhões de habitantes. E calcula que nos próximos 25 anos
teremos o mesmo acúmulo de população ocorrido em 1.929 anos. É como se enormes
naves descessem na Terra trazendo uma nova Rússia, depois outro EUA, com 350
milhões de pessoas, e uma nave bem maior que deposita uma nova China com 1,5
bilhão de pessoas. É muita gente.
As características de aumento populacional
ficam mais positivas para as grandes economias emergentes, com o maior
potencial do que no caso do G7 industrializado (EUA, Alemanha, Japão, França,
Reino Unido, Itália, Canadá). A expectativa é de a Índia crescer em média 5% ao
ano, a Indonésia, 6%, e a China, por volta de 4%, a partir de renda per capita
ainda baixas. E quando vão crescer num intervalo tão curto, a tendência é que
essas rendas adicionais sejam direcionadas a alimentos, energia e infraestrutura.
Significa que o mundo terá de responder à
pergunta de onde virão os alimentos, energia e insumos, também para fortalecer
a economia verde. E o que Troyjo repete no exterior é que o Brasil tem resposta
para isso: é um dos quatro maiores produtores mundiais de alimentos, é o país
que tem o mais facilmente renovável estoque de acesso a recursos hídricos, por
exemplo. Em comparação, se o chinês tomar um copo de água a mais por dia, a
zona desértica do mundo chega à periferia de Pequim. Na Índia, de 10 litros de
água, 8,5 vão para agricultura, o que mostra uma situação de esgotamento. EUA e
Europa também têm recursos limitados. Quem tem esses recursos abundantes é o
Brasil.
Portanto, esse crescimento populacional
brutal é promissor para o Brasil nesse jogo. Haverá inevitavelmente maior
participação das exportações brasileiras no PIB. O trem já saiu da estação, e
não apenas do ponto de vista comercial, mas também infraestrutural.
Existe o discurso de que no Brasil as
empresas do agro e energia são muito boas da porteira para dentro, mas
enfrentam dificuldades da porteira para fora. Ocorre que, quando o mundo tem
problemas de segurança enérgica e alimentar, as dificuldades brasileiras são
problema global. Para Troyjo, daí uma parte da explicação para o nível
persistente de Investimento Estrangeiro Direto (IED) para o país.
A doutrina do que ele chama de
geoeconosegurança beneficia o Brasil na prática. Mas a concorrência é
fortíssima. O capital humano é essencial nesse jogo. Hoje, o México forma mais
engenheiros por ano que os EUA, e isso o torna um polo de atração, exemplifica
o ex-presidente do Banco do Brics. Ou seja, o Brasil precisa ajustar as
prioridades, para extrair o máximo de benefícios como protagonista comercial em
alimentos, energia e como destino de investimentos.
Para Troyjo, o Brasil precisa ficar mais leve
na corrida com os outros países nesse universo da neoindustrialização e
incertezas geopolíticas. Antes, se falava que o mundo era plano, no qual a
maioria dos concorrentes, com exceção da mão de obra, teria oportunidades
iguais. Agora o mundo, ainda mais com inteligência artificial, está ficando
muito mais rápido. Ele pergunta: nesse cenário, quem vai atrair mais IED, país
com carga tributária de 20% ou de 35% do Produto Interno Bruto (PIB)? Quem tem
Banco Central independente ou vinculado a objetivos políticos? Quem trata as
empresas públicas pela lógica da eficiência ou quem vai transformá-las em
departamento de fisiologia política? Quem fica mais leve é quem está sempre
trabalhando para melhorar o país no ambiente de negócios ou quem acha que isso
não é importante?
*Assis Moreira é correspondente em Genebra
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