Faltam planejamento e integração no combate a queimadas
O Globo
Era prevista temporada mais intensa de
incêndios florestais. Reação dos governos tem sido tardia e insuficiente
Não é novidade que o Brasil vem se tornando
mais seco. De 2011 a 2020, houve em média cem dias sem chuvas por ano, 25% a
mais que no período de 1961 a 1990. Também não é novidade que, para 2024, era
previsto recrudescimento da seca. Climatologistas advertiam sobre o agravamento
dos incêndios florestais. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais (Cemaden) afirma que eles começaram no segundo semestre de
2023. Diante da escalada previsível, a prudência aconselhava se preparar. Não
só para combater o fogo, mas também com campanhas de esclarecimento sobre o
risco de queimadas antes do plantio provocarem incêndios incontroláveis. Não
foi o que o governo fez.
Pelos dados oficiais, fica evidente que a reação tem sido insuficiente. De acordo com os boletins do Ministério do Meio Ambiente, a área queimada na Amazônia cresceu 140% entre o fim de junho e o fim de setembro, alcançando 11,7 milhões de hectares, ou 2,8% da floresta. No Cerrado, apenas em duas semanas de setembro, a superfície incendiada cresceu quase 40%, para 12,3 milhões de hectares, ou 6,2% do total. No Pantanal, a área queimada triplicou desde julho, com destruição de 2 milhões de hectares, 13,4% do bioma.
Nem o governo federal, nem os estaduais e
municipais se mostraram prontos para o desastre anunciado. A reação ao fogo foi
lenta. A falta de planejamento e integração reduz a eficácia de medidas tomadas
diante da emergência, muitas vezes na base do improviso.
Isso não significa que nada tenha sido feito.
No Pantanal, da primeira quinzena de julho até agosto, o efetivo dos organismos
federais aumentou 20% e chegou a mil pessoas, de acordo com reportagem do
jornal Folha de S.Paulo. As aeronaves mobilizadas passaram de 14 para 19. Na
Amazônia, as equipes do governo cresceram 10%, para 1.608 brigadistas, com dez
aviões. No Cerrado, houve aumento de mais de 150%, para 1.102 profissionais,
com oito aviões. Desde junho, os estados de Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul dobraram o contingente de bombeiros, para 138. O
Amazonas elevou o efetivo de brigadistas de 333 para 706. Mesmo assim, foi
pouco ante centenas de focos de incêndio. E faltou integração entre governos
federal e estaduais.
Brasília alega não poder enfrentar as chamas
sozinha. É verdade que estados e municípios em que florestas e plantações viram
cinzas precisam agir, mas cabe ao governo federal coordenar operações e, a
partir de informações próprias, alertar com antecedência sobre o risco de
incêndios. Basta consultar o Cemaden. Técnicos do governo argumentam que 85%
dos incêndios no Cerrado e 73% no Pantanal ocorreram em propriedades privadas.
Tentam, com isso, atribuir a responsabilidade a estados e municípios, alegando
que a União deve proteger áreas de preservação e terras indígenas. Essa divisão
de responsabilidade pode fazer sentido em tempos normais, mas não na situação
de emergência criada pelas mudanças climáticas.
A mobilização contra o fogo ficou aquém do
necessário por ter começado tarde. Governos fizeram às pressas o que exigia
planejamento. A preocupação com o fogo num país com extensa vegetação e área
agrícola precisa ser constante. É preciso um choque de realidade no poder
público. A temporada de incêndios no Brasil é tão previsível quanto a de
furacões no Atlântico Norte ou a de tufões no Pacífico.
Política de educação para primeira infância
deveria ser prioritária
O Globo
Três meses depois de Lula assinar decreto,
Casa Civil ainda não instaurou comitê para elaborá-la
Passados três meses desde a assinatura de
decreto pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva instaurando a política nacional para a primeira infância, o tema continua
parado. A Casa Civil, encarregada de instalar um comitê com a missão de
elaborá-la, até agora nada fez.
A primeira infância é crucial para o futuro
desempenho escolar e profissional. O cérebro se desenvolve continuamente, mas o
período mais ativo são primeiros anos de vida, quando são formadas até mil
novas conexões entre neurônios por segundo, primordiais para a comunicação
rápida. Com a devida arquitetura cerebral, a mente se torna mais apta a
aprender habilidades como planejar, prestar atenção, memorizar informações e
controlar impulsos. Falhas no cuidado das crianças as deixam em desvantagem na
escola. Em caso de negligência, as consequências podem ser piores, com
problemas no desenvolvimento e dificuldade para lidar com frustrações.
Os primeiros anos de vida são a base da
produtividade do trabalho no futuro, como concluiu o Nobel de Economia James
Heckman, da Universidade de Chicago. Para um país onde é urgente buscar menos
desigualdade, reduzir a criminalidade e aumentar o crescimento econômico, a
primeira infância deveria ser prioritária.
É certo que já houve avanços. Estados e
municípios de diferentes regiões adotaram programas com resultados
consistentes, alguns comprovados por estudos independentes. O governo federal
também lançou programas nacionais, como o Criança Feliz. E o Brasil virou
referência em legislação com a aprovação no Congresso, em 2016, do Marco Legal
da Primeira Infância. Ao reforçar trechos da Constituição sobre os direitos das
crianças, a lei ressalta a necessidade de ações do Estado. Infelizmente, de lá
para cá, ficou faltando pôr em prática o que está no papel, por meio de
políticas públicas integradas entre União, estados e municípios.
Ao assumir, parecia que Lula recuperaria o
tempo perdido. Em agosto do ano passado, o governo criou um grupo de trabalho
dentro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da
Presidência. O objetivo era entregar recomendações para uma política nacional.
Em dezembro, os integrantes do Conselho tiveram acesso a uma versão preliminar.
O relatório final apresentado neste ano recomenda o estabelecimento de
premissas básicas, da definição da governança à integração de serviços
públicos. Com base nele, Lula assinou decreto em junho prevendo a criação de um
comitê intersetorial para, finalmente, a política nacional ser elaborada. Causa
estranheza o assunto estar parado desde então na Casa Civil. A previsão é a
semana que vem. Precisa ser prioritário.
Brasil pode virar a seu favor restrição
ambiental da EU
Valor Econômico
A restrição da UE poderia servir de incentivo ao aprimoramento no Brasil dos meios de vigilância e proteção à floresta, desde que, via diplomacia, dela fossem aparados os vieses protecionistas europeus
Faltam só três meses para estrear a lei
antidesmatamento da União Europeia (UE), que pune com sobretaxas produtos
importados pelo bloco provenientes de áreas devastadas. O governo brasileiro
pediu adiamento da execução da nova legislação, algo possível de ser atendido
mas improvável. O acordo Mercosul-UE foi atingido pela imposição europeia -
nada disso foi abordado durante as duas longas décadas de discussão -, mas o
presidente Lula é otimista sobre sua conclusão. O Brasil sob Lula também
surpreendeu ao mudar um ponto já acertado, o das compras governamentais, que
quer usar como instrumento de política industrial. A UE, ao mesmo tempo,
apresentou exigências ambientais descabidas em anexo, que iam além dos
compromissos nacionais no Acordo de Paris. Não parou nisso e aprovou a lei que
em tese visa a impedir arbitragem ambiental - países sem legislação rigorosa
como a da UE usufruiriam vantagem de custos em relação aos produtores europeus.
A partir de janeiro, não será permitida a
importação de produtos agropecuários e de alguns derivados provenientes de
áreas desmatadas ou degradadas desde 2020. Estima-se que quase um terço das
exportações brasileiras para o bloco possa ser afetado - a UE é o segundo
parceiro comercial do país. Governo e produtores brasileiros pressionam por
mudança nas regras ou um adiamento, sem sucesso até agora.
Em 2019, o Parlamento Europeu aprovou o Green
Deal, conjunto de 50 regras cujo objetivo é cumprir as metas do Acordo de
Paris. A UE se comprometeu a reduzir até 2030 as emissões de CO2 em 55% em
relação a 1990 e alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Uma dessas regras
é a European Union Deforestation Regulation (EUDR), que dificulta que
importadores comprem produtos de áreas desmatadas. Os exportadores terão de
rastrear seus produtos para provar que não são provenientes de zonas
desmatadas, legal ou ilegalmente.
Boa parte dos produtos afetados são itens
importantes na pauta de exportação brasileira para a região. A lista inclui
carne bovina, café, cacau, produtos florestais (papel, celulose e madeira),
soja, óleo de palma e borracha, além de derivados, como couro, móveis e
chocolate. Em 2023, o Brasil vendeu US$ 46,3 bilhões ao bloco europeu, e
estima-se impacto potencial de US$ 14,7 bilhões em produtos envolvidos pela
nova legislação, valor equivalente ao total embarcado para o Oriente Médio.
As novas regras europeias deixam margem a
interpretações arbitrárias restritivas. Até mesmo setores que avançaram no
cumprimento de regras ambientais estão preocupados. Um deles é o de papel e
celulose, em que o Brasil é o maior exportador mundial. A UE compra de 22% a
23% do que é vendido pelo país. O setor sustenta que toda a exportação tem
certificação de que não houve desmatamento desde 1994. Há o receio, no entanto,
de que o sistema de sensoriamento remoto usado pela UE confunda o que é árvore
cortada para a produção com desmatamento puro e simples. O cultivo de café,
cacau e palma também envolve desbastamento periódico de árvores, que não é
desmatamento ilegal.
Este é um dos pontos frágeis da legislação
europeia, ao qual os países prejudicados atribuem o propósito de proteger a
produção agrícola local - um flagelo protecionista tradicional em todas as
rodadas da Organização Mundial do Comércio - utilizando as armas politicamente
corretas de defesa do ambiente. No Brasil, a legislação permite desmatamento de
20% na Amazônia e de 80% na Mata Atlântica. Já na Europa só é preciso preservar
4%. Ao não distinguir determinação das legislações nacionais sobre desflorestamento,
a UE torna-se passível de justos questionamentos na OMC. Mas, diante desse
quadro, há uma corrida para a antecipação do embarque de alguns produtos para a
UE. Os de carne bovina saltaram 27,7% em agosto em relação a julho e 28,5% ante
o mesmo mês de 2023.
Um apoio inesperado aos exportadores para a
UE pode vir dos próprios agricultores europeus, afetados e descontentes com a
nova legislação, até mesmo por suas virtudes. Entre as queixas estão limites ao
uso de pesticidas e a exigência de manter 4% das áreas preservadas. As
manifestações que se espalharam por França, Bruxelas e outras partes da Europa
no início do ano mostraram essa contrariedade.
O governo brasileiro deve tentar influenciar
a UE em busca de um meio termo. As sanções europeias jogam a favor dos
objetivos nacionais, de coibir a devastação ambiental. Uma negociação séria
envolve convencer a UE a respeitar a soberania nacional sobre desmatamento
legal, e ao mesmo tempo aceitar restrições nos casos do deflorestamento
claramente ilegal - e que o Brasil, muitas vezes e por vários motivos, é
incapaz de coibir.
A restrição da UE poderia servir de incentivo ao aprimoramento no Brasil dos meios de vigilância e proteção à floresta, desde que, via diplomacia, dela fossem aparados os vieses protecionistas europeus. Não é tarefa fácil, nem de sucesso garantido, mas é um caminho que deve ser tentado.
STF precisa avaliar anistia a corruptos
confessos
Folha de S. Paulo
Toffoli anula no atacado processos da Lava
Jato, sem que a corte analise esse incentivo a desmandos com dinheiro público
Não há explicação razoável para a atuação
errática da Justiça brasileira, em geral, e a do Supremo Tribunal Federal, em
particular, nas investigações e ações conectadas à operação Lava
Jato ao longo dos últimos dez anos. Nesse período, passou-se do
frenesi justiceiro à anistia irrestrita a corruptos confessos sem dar
oportunidade para a aplicação zelosa da lei.
Na corte constitucional, o ministro Dias Toffoli tem
liderado as iniciativas monocráticas de derrubar no atacado toda e qualquer
ação remotamente relacionada com as investigações originadas na vara federal
de Curitiba.
Em setembro, o magistrado, que foi advogado
do Partido dos Trabalhadores, fulminou todos os atos, provas e processos
relacionados ao empresário Raul Schmidt Felippe Júnior, acusado de participar
de um esquema bilionário de desvio na Petrobras.
Também no mês que acaba de se encerrar,
Toffoli estendeu a graça da impunidade a Leo Pinheiro, o principal delator do
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
na Lava Jato. Virou pó, pela canetada do ministro do tribunal, uma pena de 30
anos de prisão por corrupção contra
o ex-mandachuva da empreiteira OAS.
Leo Pinheiro foi o mais recente de uma fila
de contemplados pelas decisões solitárias do magistrado do STF, que também
inclui Marcelo Odebrecht e vai se estender, pelo visto, para dezenas de outras
petições semelhantes que aguardam a apreciação no gabinete do ministro.
As razões alegadas por Toffoli para
determinar a extinção em massa dessas ações seria a sua relação genérica com
uma investigação viciada pelo conluio entre a parte julgadora —capitaneada pelo
então juiz Sergio Moro—
e os agentes do Ministério
Público incumbidos da persecução penal.
Não há dúvidas de que houve comunicação
indevida entre partes que deveriam preservar distância institucional uma da
outra na Lava Jato. Mas o método correto de averiguar se uma anomalia
específica contamina uma prova ou condenação também específicas é fazê-lo caso
a caso e, de preferência, na sede do juízo competente para apurar o mérito da
acusação, que não é o Supremo.
Esse foi o cerne do recurso da
Procuradoria-Geral da República contra a decisão de Toffoli a favor de Raul
Schmidt. O argumento vale como princípio geral. Mandar derrubar tudo observando
o tema a 30 mil pés de altitude, quando há confissões de crimes e devoluções de
bilhões em recursos desviados, é um escárnio.
Espera-se em especial do presidente da
corte, Luís Roberto
Barroso, que o plenário do Supremo se reúna sem mais tardar para
decidir se abona o festival da impunidade patrocinado por um membro solitário
do colegiado.
Na hipótese benigna, a maioria, embora seja
contra as atitudes de Toffoli, peca por omissão. Na pior, deixa o colega atuar
solto porque, no fundo, concorda com ele. Nos dois casos, o que subsiste por
ora é o incentivo à subtração do patrimônio público.
Funcionalismo não deveria crescer sem reforma
Folha de S. Paulo
Recorde de 12,66 milhões de servidores é
puxado por municípios; salários e estabilidade exagerados encarecem
contratações
O número de servidores públicos está em alta
nas três esferas de governo no país. Um dado alarmante tanto diante do déficit
público quanto do gasto brasileiro com remunerações do funcionalismo ativo,
ambos muito elevados para padrões internacionais.
A tendência de expansão do quadro de pessoal
foi constatada em levantamento
do economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultoria Econômica, a partir
de dados da Pesquisa por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.
Os números mostram um recorde de funcionários, que somam 12,66 milhões em junho
último, e aumento de 429 mil em um ano.
Quase três quartos desse crescimento (315
mil) ocorreu nas prefeituras, que também respondem pela grande maioria dos
servidores —7,4 milhões. Parece plausível, assim, que o fenômeno esteja
relacionado a uma expansão de gastos e serviços públicos em ano de eleições
municipais.
Nas administrações estaduais, que empregam
3,5 milhões, a alta é bem mais discreta, de 42 mil. Os governadores ainda estão
na primeira metade do mandato, período em geral de contenção de despesas e
ajustes na gestão.
No governo federal, a ampliação
do quadro de pessoal é esperada sob Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
dadas afinidades de seu partido com corporações estatais. Os números, que
incluem servidores estatutários, militares, celetistas e até informais, apontam
incremento de 72 mil, para um total pouco acima de 1,7 milhão.
É normal que haja alguma imprecisão nas
cifras, baseadas em uma pesquisa amostral. A tendência, de todo modo, mostra
riscos de agravamento de distorções do serviço público nacional.
Comparações com outros países indicam que o
funcionalismo não chega a ser numeroso em demasia no Brasil, quando se leva em
conta a população ativa total. Seu custo, no entanto, ronda os 11% do Produto
Interno Bruto na metodologia adotada pelo FMI, bem acima
da média global.
Salários superiores à média nacional e um
alcance exagerado da estabilidade no emprego encarecem o quadro de pessoal e
reduzem sua produtividade.
Não é por acaso que estados e municípios,
principalmente, têm recorrido à contratação de celetistas e mesmo de
trabalhadores sem carteira assinada para contornar os encargos do regime
jurídico dos servidores.
Reformas que viabilizem demissões por ineficiência, facilitem o remanejamento de funcionários e fixem remunerações compatíveis com as do mercado de trabalho deveriam preceder novas contratações.
Mistificação intelectual
O Estado de S. Paulo
Manifesto de artistas e intelectuais pede
‘voto útil’ em Boulos para impedir vitória de um certo ‘bloco antidemocrático’.
Nem a democracia está em risco nem Boulos é a única alternativa
A campanha de Guilherme Boulos (PSOL) para a
Prefeitura de São Paulo parece ter entrado em modo desespero, ao estilo
“ninguém solta a mão de ninguém”, diante da possibilidade de o candidato
esquerdista nem sequer chegar ao segundo turno.
Só isso explica a publicação de um criativo
manifesto, assinado por uma seleta de artistas e intelectuais, que na prática
implora aos eleitores da candidata Tabata Amaral (PSB) que desistam de votar
nela em favor do chamado “voto útil” em Boulos, cujo objetivo seria conter o
“risco de dois candidatos bolsonaristas passarem ao segundo turno: Ricardo
Nunes e Pablo Marçal”. Para essa turma, uma eventual derrota do ex-líder dos
sem-teto representaria um risco para a democracia.
Todas as pesquisas de intenção de voto
apontam empate triplo, dentro da margem de erro, entre Nunes, Boulos e Marçal.
De acordo com os dados disponíveis hoje, qualquer combinação de segundo turno
envolvendo esses três candidatos é factível, inclusive a hecatombe que assombra
os signatários do manifesto, aquela que exclui Boulos da disputa final pelo
governo da capital paulista. Porém, nas simulações de segundo turno, Boulos
perderia fragorosamente para Nunes e venceria Marçal por margem pequena de
votos, nem de longe suficiente para lhe dar segurança na vitória. A única
candidata que venceria todos eles no segundo turno, de acordo com as pesquisas,
é, ora vejam, Tabata Amaral.
Portanto, se a intelectualidade que assinou o
manifesto pusesse o intelecto para trabalhar, defenderia o “voto útil” em
Tabata, e não em Boulos, caso o objetivo fosse evitar a vitória de um dos
terríveis bolsonaristas em São Paulo. Mas Tabata carrega consigo um vício de
origem aos olhos desses ditos “progressistas”: ela se perfila ao centro do
espectro político, resistindo às estocadas do PT para desistir da campanha e
recusando-se, ao menos até agora, a se comprometer em apoiar Boulos num
eventual segundo turno.
O tal “manifesto”, ademais, se presta somente
a confirmar algo que já ficou claro há bastante tempo: a esquerda não consegue
oferecer nada ao País a não ser uma alegada “defesa da democracia” – e em
termos inequívocos: para esses pensadores, os candidatos da direita integram um
“bloco antidemocrático” que pretende usar uma eventual vitória em São Paulo
para “dar uma demonstração de força” e “destruir os direitos mais básicos da
república brasileira”. Afirmam ainda que “um resultado como esse representaria
a consagração, pelo voto popular, da violência política, da defesa da tortura,
do negacionismo científico, da destruição de direitos, do descaso com os mais
pobres, do desprezo com a cultura, com as minorias e com a democracia além do
vasto programa de destruição do meio ambiente”.
Poucas vezes se viu tamanha mistificação numa
campanha eleitoral. Ao contrário do que dizem os signatários do “manifesto”, a
democracia não corre o menor risco na cidade de São Paulo. Quem corre sério
risco é Lula, que colocou todas as suas fichas na campanha de Boulos e, em caso
de revés, sairá bastante desmoralizado.
Se é de democracia genuína que se trata,
então o tal “manifesto” é exemplo de genuíno autoritarismo. Ali, os adversários
do candidato ungido por esses luminares são tratados como demônios, e não como
oponentes legítimos numa disputa política como qualquer outra. Os signatários
terminam o texto convocando “todas as pessoas comprometidas com a empatia, a
democracia, a humanidade e o futuro” a votar, “já neste domingo, em Guilherme
Boulos”. Ou seja, ficou definido que quem não votar no sr. Boulos é desalmado, sem
empatia, sem apreço pela democracia e desprovido de humanidade.
Como intelectuais, os manifestantes decerto
sabem (ou deveriam saber) que é típico do pensamento totalitário reivindicar o
monopólio da virtude e considerar adversários políticos como inimigos
existenciais. Foi assim que ditadores como Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Daniel
Ortega e o mestre de todos, o Comandante Fidel, construíram seus regimes
tiranos – tão admirados, aliás, por Lula, Boulos e vários dos aflitos
signatários do manifesto.
A trilionária barafunda tributária
O Estado de S. Paulo
Insper calcula em R$ 5,7 tri o contencioso
dos contribuintes com o Estado, dando a dimensão do caos dos impostos e
reforçando a urgência de regulamentar a reforma tributária
O contencioso tributário entre contribuintes
e o Estado brasileiro agora tem uma cifra a delimitar de forma aproximada seu
real tamanho: é de R$ 5,7 trilhões o valor total das ações administrativas e
judiciais em que empresas e pessoas físicas disputam com União, Estados e
municípios a respeito de cobrança de tributos, de acordo com levantamento do
Núcleo de Pesquisas e Tributação do Insper, com base em dados disponíveis no
exercício de 2020. Naquele ano, o Produto Interno Bruto (PIB) alcançou R$ 7,4
trilhões, o que significa que o valor dos litígios tributários chega à
inacreditável marca de 77% do PIB.
O mapeamento do Insper, divulgado em
reportagem do Estadão, comprova a importância inadiável da reforma
tributária para corrigir a situação caótica que deteriora contínua e
rapidamente o ambiente de negócios no Brasil. Mesmo não sendo a concertação
ideal, é premente a regulamentação da reforma aprovada no fim do ano passado,
depois de quatro décadas de discussões. Mas, diante da probabilidade da
retirada do regime de urgência do projeto de lei que regulamenta a mudança
tributária, o governo admite que a matéria deve ser empurrada para o ano que
vem.
A decisão já foi tomada pelo Executivo,
segundo informações deste jornal, depois de o Senado deixar expirar o prazo de
45 dias para a votação. A partir daí, o projeto passou a trancar a pauta, ou
seja, nenhuma outra medida pode ser avaliada, a não ser que a urgência seja
retirada. Os parlamentares alegam precisar de mais tempo para discutir o
assunto – o que não deixa de ser uma ironia, depois dos cerca de 40 anos de
debates. Passadas as eleições municipais, quem sabe o trâmite legislativo venha
a ganhar mais celeridade.
No estudo do Insper, os pesquisadores chamam
a atenção para a necessidade prioritária de o País melhorar o sistema de
cobrança de impostos sobre o consumo, responsável por mais de dois terços do
enorme contencioso. Diante dos 16 anos de duração média de cada processo, não é
difícil identificar porque o Brasil encontra tanta dificuldade em atrair e
reter investidores. Todas as 371 empresas de capital aberto negociadas na bolsa
de valores de São Paulo valem juntas R$ 1 bilhão a menos do valor que está em jogo
nas ações tributárias.
A aprovação histórica do novo arcabouço
tributário, em dezembro de 2023, não teve um percurso indolor no Congresso. A
ação de lobbies os mais diversos, que obtiveram respaldo dos parlamentares,
desfigurou pontos importantes que fizeram a alíquota de referência para o
imposto de bens e serviços subir de 26,5% para 28%. Exceções, benefícios e
regimes especiais enfraqueceram o impacto do Imposto sobre Valor Agregado
(IVA), mas não alteram a previsão de que, com a reforma, o potencial de
litígios tributários diminuirá.
Apesar da perspectiva de que haja novas
disputas judiciais, a começar por medidas como a criação do “imposto do pecado”
– cuja incidência parece respeitar critérios demagógicos, e não objetivos –,
nada se compara à barafunda tributária que o País acumulou até aqui. Aqui, um
produto pode ser taxado de forma diferente apenas ao mudar de designação, como
num caso famoso em que um bombom teve a alíquota do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) reduzida de 5% para 3,25% ao se tornar “biscoito wafer”.
Assim como o Imposto Seletivo, outros pontos
podem suscitar disputas, como o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis
(ITBI) e do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação(ITCMD), como
destacam os pesquisadores do Insper. Mas, a simplificação tributária, além
facilitar o investimento, tende a diminuir a escalada dos recursos que em 2018
totalizaram R$ 4,9 trilhões e, dois anos depois, havia aumentado em 17%.
A primeira parte da regulamentação da reforma
tributária chegou ao Senado no início de agosto e deveria ter sido discutida e
votada antes das eleições municipais. Postergando a tramitação, o Congresso
colabora para a sobrevida da barafunda tributária.
Campeões por acaso
O Estado de S. Paulo
Caso da tenista Naná mostra que o esporte
brasileiro produz vencedores por sorte
Jovem promessa do tênis, a paulistana Nauhany
Silva, a Naná, é mais um exemplo de que o Brasil deve seu relativo sucesso
esportivo ao acaso, não a políticas efetivas de fomento. Aos 14 anos, como
mostrou reportagem do Estadão, Naná é uma força da natureza, com um saque
tão potente quanto o de tenistas profissionais adultas. Contudo, não fosse a
engenhosidade do pai e treinador, que adaptou a sala de casa e marcava ruas de
asfalto com fita para que a filha pudesse treinar, ela não teria chegado ao
ranking da Associação de Tênis Feminino (WTA). Graças ao descaso crônico do
Brasil com o esporte, muitas “Nanás” nem mesmo chegam a conhecer o potencial
que têm.
E, a depender do Ministério do Esporte, assim
seguiremos. A ex-atleta Ana Moser, que pavimentou o caminho para que a Copa do
Mundo de Futebol Feminino seja disputada no Brasil em 2027, foi dispensada do
Ministério não por mau desempenho, mas para que o presidente Lula da Silva
pudesse entregar mais uma pasta ao Centrão.
Comandado hoje por André Fufuca (PP), o
Ministério do Esporte destinou ao Maranhão, Estado do ministro, 28 contratos de
construção de espaços esportivos – outros 8 Estados terão, somados, o mesmo
número de centros que o Maranhão sozinho. E obviamente nada disso garante que o
Maranhão se torne uma potência do esporte, porque só a existência de espaços
esportivos não forja campeões.
Quando não se vale do esporte para praticar a
politicagem de sempre, o governo recorre ao populismo puro e simples, como fez
recentemente ao isentar de impostos a premiação em dinheiro dos campeões
olímpicos em Paris. Eis a política de fomento ao esporte no Brasil: premiar
quem já está no topo e seguir negligenciando o grande contingente de
brasileiros que, com acesso a equipamentos esportivos adequados e devidamente
incentivados por campeonatos competitivos associados a bolsas de estudo em boas
escolas e universidades, poderiam se revelar campeões.
Se Naná se sagrará campeã como Gustavo
Kuerten e Maria Esther Bueno, não é importante aqui. O fato é que a
possibilidade de jovens como ela avançarem no esporte depende da transformação
das escolas brasileiras em usinas de atletas, como ocorre nos Estados Unidos e
em outras potências olímpicas. Hoje, como se sabe, boa parte das escolas
públicas mal tem quadras esportivas, equipamentos adequados ou professores
preparados.
Por isso, no Brasil, dependemos da sorte.
Quando aparece um Gustavo Kuerten, que também teve que improvisar treinos no
começo da carreira, trata-se de um fenômeno isolado, que não é fruto de um
trabalho de preparação sistemática e organizada com vista a revelar novos
talentos. Sempre nos emocionamos com histórias como a da campeoníssima Rebeca
Andrade, que no início tinha que caminhar duas horas para chegar ao local de
treinos porque não tinha dinheiro para o ônibus, mas exemplos de superação não
mudam o fato de que maltratamos meninas e meninos que demonstram potencial e
que só chegam lá porque são fenomenais.
Diddy, machismo e influenciadores
O Correio Braziliense
Para além do mundo das celebridades, o
escândalo envolvendo o rapper P. Diddy esquenta os debates sobre os estragos
causados por falsas notícias e pelos chamados influencers, além dos excessos
nas relações de trabalho
Parte do noticiário internacional, nas
últimas semanas, se voltou ao escândalo que envolve o rapper Sean Combs,
conhecido como Puff Daddy ou P. Diddy. Magnata nascido no Harlem, em Nova York,
o artista pode ser condenado a cerca de 25 anos de prisão por diversas
acusações, como tráfico sexual, associação ilícita e promoção de prostituição,
além de agressão contra ums ex-namorada, a também cantora Cassie Ventura. Para
além do mundo das celebridades, o escândalo esquenta os debates sobre os
estragos causados por falsas notícias e pelos chamados influencers, além dos
excessos nas relações de trabalho.
Com as denúncias, surgiu na internet uma onda
de teorias que ligam Sean Combs a outros famosos — e, com elas, novos crimes
foram atribuídos a ele. Não é necessária muita habilidade com as redes sociais
para se deparar com conteúdos do tipo, boa parte deles produzida por
influenciadores. Pela própria fama do acusado e sua proximidade com nomes
históricos do mundo da arte, essas teorias são carregadas de achismos e
supostas ligações que não deveriam ser tema de vídeos e postagens de quem tem
pouco a oferecer. Na verdade, essas pessoas só querem aproveitar a repercussão
do caso para ganhar dinheiro fácil a partir do alcance nas redes sociais.
Trata-se de mais um desserviço prestado por
parte significativa dos chamados influenciadores, que vivem da audiência pela
audiência, sem qualquer apuração do que é ou não verdade. São os mesmos que,
por exemplo, propagam falsas vantagens de investimentos em casas de apostas,
prometendo grandes lucros para uma audiência que, muitas vezes, é enganada e
compromete até mesmo recursos de programas sociais nos cassinos digitais, e que
disseminam inverdades para manipular a disputa política.
Casos como os de Sean Combs são complexos por
si só. Em primeiro lugar, por conta do próprio poder que circunda o acusado.
Como bilionário e influente no mundo da música, Diddy conseguiu, por muito
tempo, acobertar as denúncias. Além do mais, vale sempre lembrar que homens em
posição de destaque tendem a calar suas vítimas, que veem pouca possibilidade
de serem ouvidas numa queda de braço bastante desequilibrada. A prática é
rotineira em outros cenários. De 2020 a 2023, a Justiça do Trabalho brasileira julgou,
em todas as suas instâncias, 419.342 ações envolvendo assédio moral e assédio
sexual — mulheres costumam ser as principais vítimas. A quantidade de processos
para ambos os crimes cresceu, respectivamente, 5% e 44,8% no período.
Diante das dificuldades que envolvem
escândalos com pessoas poderosas, em nada ajuda quem prefere tomar o rumo da
especulação para criar narrativas. É preciso que o consumidor desse tipo de
conteúdo também faça sua curadoria. Questione se aquele influenciador tem, de
fato, capacidade técnica de "separar o joio do trigo", se a promessa
de dinheiro e soluções fáceis não se trata de uma grande armadilha.
Também é preciso discutir como, mais uma vez, o machismo se impõe no mundo da arte. É bem verdade que essa camada da sociedade só reflete os problemas manifestados em todos os grupos sociais, uma vez que a violência contra a mulher não tem idade, cor ou condição financeira. Ainda assim, o ódio entre aqueles com mais poder é de difícil detecção, contornado por máscaras revestidas e costuradas pela idolatria.
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