O Globo
Violência que marcou a disputa em São Paulo
conseguiu colocar prosperidade e civilidade em palanques diferentes
Duas palavras parecem sintetizar a reta final
da mais imprevisível eleição paulistana dos últimos anos: de um lado, Pablo
Marçal conseguiu chegar competitivo até aqui pregando a prosperidade como
plataforma; de outro, a esquerda apela ao conceito de pacto civilizatório para
tentar impulsionar a candidatura de Guilherme Boulos na reta final.
Prosperidade e civilidade não deveriam ser antônimos, mas a violência que marcou a disputa em São Paulo conseguiu colocar os valores em palanques diferentes. O que obriga a uma análise mais aprofundada e menos ligeira da rápida e constante transformação política, social, cultural e econômica da maior metrópole brasileira — que costuma levar de arrasto, com o tempo, o resto do país.
Ricardo Nunes montou uma campanha típica de
prefeito incumbente: juntou partidos, de olho no maior tempo na propaganda e na
fatia do fundo eleitoral. Achou que bastaria listar uma infinidade de obras
para garantir a reeleição. O emedebista se fiou na tese de que as entregas,
voltadas sobretudo à periferia, lhe assegurariam uma passagem tranquila ao
segundo turno e, nessa fase, a rejeição a Boulos liquidaria a fatura.
O candidato do PSOL achou que 2024 seria a
continuação natural de 2020, quando foi competitivo contra Bruno Covas, e,
sobretudo, de 2022, devido à vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro na capital.
Não levou em conta a excepcionalidade da disputa na pandemia, nem que a frente
ampla que se formou para derrotar Bolsonaro já se desfez nestes últimos dois
anos.
O apelo, nos últimos dias, à reedição do que
vem sendo chamado de pacto civilizatório parte do princípio de que a cidade
teria propensão progressista, o que não é comprovável levando em conta apenas o
resultado de 2022. O caráter “ciclotímico” das disputas municipais, ora
elegendo Luiza Erundina, ora consagrando o malufismo; elegendo Marta Suplicy e,
três ciclos depois, derrotando um prefeito petista no primeiro turno, em 2016,
mostra que é pueril tentar traçar um perfil ideológico-padrão do paulistano.
O fato de a direita também estar fragmentada,
com Bolsonaro deixando rapidamente de ser um padrinho capaz de definir o jogo,
é a comprovação dessa dificuldade do outro lado do espectro político. Marçal
percebeu que havia um caminho alternativo: vender prosperidade fácil numa
cidade onde está todo mundo no “corre” para vencer na vida. O coach aliou essa
pregação que já fazia em seus vídeos, cursos e livros ao personagem cáustico,
capaz de atrair a atenção e de definir a pauta numa disputa que, muitos acreditavam,
seria um “tira-teima” da última eleição municipal.
O canto da sereia tem sido duradouro. Marçal
se aproxima mais de Javier Milei, com o fator adicional de sua pantomima do
caos, numa eleição em que, diferentemente da Argentina, a economia está longe
do colapso, e o desalento com a política e o establishment não é um sentimento
tão palpável.
Conseguiu despertar um instinto egoísta em
diferentes segmentos do eleitorado, que dificilmente deixará de ter
consequências para os próximos ciclos eleitorais. Ganhe ou perca, a
“marçalização” do debate político já é uma realidade que obrigará o governo
federal e os postulantes a herdeiros do bolsonarismo em 2026 a reverem suas
estratégias e sua forma de se comunicar com uma sociedade menos previsível do
que a desenhada nas pranchetas de marqueteiros.
Vídeos à “We are the world” com um desfile de
artistas e intelectuais pregando voto útil em Boulos parecem pouco eficazes
para falar com o público que o candidato do PSOL precisa atingir agora, muito
mais suscetível ao discurso de que você pode conseguir sua jornada rumo ao
sucesso se seguir um líder messiânico surgido do nada. Ou Boulos e Nunes pegam
esse rabo de cometa e começam a falar com esse público, ou a simples pregação à
civilidade ou ao voto útil tendem a ser narrativas de alcance limitado.
3 comentários:
Preciso. É a mesma ambição fundada no pensamento mágico (loterias, bets) sobre a qual escreveu Stefan Zweig ("Brasil, o país do futuro"), mencionado recentemente por Ruy Castro e Maria Cristina Fernandes.
Marçal será grande surpresa vai dar um nó na cabeça dos jornalistas, nos donos de empresa de Pesquisa eleitoral e nos marqueteiros
Vai ser um estrondo eleitoral e vocês depois vão ficar correndo atrás do prejuízo cada um dando a sua versão para tanto erro de previsão
Marçal precisa de oração e não de votos,é um homem perturbado demais!
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