segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Motta defende o indefensável - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Ele se prepara para fazer o errado com orgulho, seguindo o modelo de Trump e de Bolsonaro

Stephen M. Walt, um dos cientistas políticos mais influentes da atualidade, publicou em 2010 um curto e provocativo artigo intitulado Defendendo o indefensável: um guia prático. No texto, ele observa que autoridades e simpatizantes tornam-se “apologistas” quando se veem obrigados a justificar decisões oficiais que são claramente erradas ou contraprodutivas.

Walt expõe a evolução de um discurso apologético em 21 passos, que começam com a negação pura e simples (“não fizemos isso!”), passa pela confirmação do ato seguida de uma minimização das consequências (“os resultados podem ser imperfeitos, mas a intenção era nobre”) e termina com a defesa escancarada do indefensável (“um dia o mundo vai nos agradecer”) e com ameaças (“se ficarem criticando, vamos ficar bravos e fazer algo realmente maluco”).

Existe uma linhagem de políticos que se orgulha de defender ideias claramente erradas. Ou, em outras palavras, de destruir consensos e direitos construídos ao longo de décadas. Foi o que fez Donald Trump ao propor a expulsão dos palestinos da Faixa de Gaza, com o argumento de que as próprias vítimas seriam beneficiadas pela limpeza étnica.

No Brasil, Jair Bolsonaro e seu grupo político dão uma banana para a democracia, para o multilateralismo, para as vacinas e para os direitos estabelecidos de minorias e das mulheres. A tática é repetir absurdos com naturalidade até que se tornem aceitáveis.

Hugo Motta, o novo presidente da Câmara dos Deputados, absorveu o estilo apologista de Trump, Bolsonaro e companhia. Sem rodeios, defendeu o direito dos parlamentares de despejar dinheiro de emendas em seus redutos eleitorais, mesmo quando municípios ou regiões vizinhas que precisam mais não recebem nada.

Afirmou que quem quiser destinar recursos do orçamento deve entrar num partido, se candidatar e ganhar. Ou seja, errado não é a farra das emendas, é não fazer parte dela.

Em crítica à Lei da Ficha Limpa, Motta disse que “oito anos de inelegibilidade é muito tempo”. E é para ser, mesmo, pois o objetivo da lei é dissuadir políticos de cometer condutas antiéticas.

Reduzir esse tempo para dois anos, como querem alguns parlamentares para favorecer Bolsonaro e a si próprios, acabaria com o propósito de uma lei que foi fruto de um consenso da sociedade há quinze anos. Enquanto distribui afagos para os dois lados do espectro político, Motta está preparando o terreno para fazer o errado com orgulho.

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