O Globo
Corte na Usaid prejudica combate à
desnutrição e programas de saúde em países subdesenvolvidos, sobretudo na
África
Dentre as inúmeras ordens executivas
assinadas pelo presidente Donald Trump no dia de sua posse, em 20 de janeiro,
uma pôs em xeque a credibilidade dos Estados Unidos junto
aos países do Sul Global. A paralisação, por 90 dias, dos programas de ajuda
externa da Unites States Agency for International Development (Usaid) logo teve
impactos significativos em programas de combate à desnutrição e de saúde em
países subdesenvolvidos, especialmente na África Subsaariana.
Principal doador mundial, com recursos que representam aproximadamente 40% de toda a cooperação internacional, o governo americano desempenha papel chave na provisão de serviços públicos em mais de 200 países. Em 2024, os Estados Unidos desembolsaram US$ 7 bilhões na África, destinando recursos significativos a políticas de prevenção do HIV, combate à malária, auxílio agrícola e alimentar, além de iniciativas ligadas às mudanças climáticas.
A ação recente realizada pelos funcionários
do Departamento de Eficiência Governamental, sob a chefia de Elon Musk,
na sede da Usaid em Washington sinaliza que a nova gestão deverá usar todos os
meios necessários — ainda que ilegítimos ou até ilegais — para reajustar a
indústria da ajuda externa e a burocracia dos Estados Unidos “aos interesses
americanos”. De acordo com a ordem executiva de Trump, a Usaid tem adotado, em
muitos casos, posturas que “são antiéticas aos valores americanos. Elas servem
para desestabilizar a paz mundial, promovendo em países estrangeiros ideias
diretamente opostas às relações harmoniosas e estáveis entre as nações”.
Musk publicou no X que a Usaid é “formada por
uma rede de marxistas-esquerdistas que odeiam a América”, seguido de outra
postagem em que descreve a instituição como “organização criminosa, cuja hora
de ser exterminada chegou”. Trump, logo depois, declarou em entrevista ao vivo
à Fox TV que a Usaid “é controlada por um bando de lunáticos, e vamos
eliminá-los de lá”.
Fundada pelo democrata John Kennedy em 1961,
a agência é responsável por 61% (US$ 42 bilhões) do orçamento geral dos
programas de ajuda humanitária dos Estados Unidos, que somaram US$ 68 bilhões
em 2023. Essa instituição, hoje essencial para milhões vivendo em extrema
pobreza, sempre esteve alinhada à defesa dos interesses americanos — seja por
meio das condicionalidades impostas em seus programas, que garantem a venda de
produtos agrícolas, fármacos e vacinas das empresas dos Estados Unidos; seja
pela propagação dos valores democráticos e inclusivos do país.
Além disso, a Usaid desempenha papel crucial
na manutenção do prestígio americano junto aos países subdesenvolvidos. Isso
significa que, muitas vezes, os recursos despendidos são compensados pelo fácil
acesso que os Estados Unidos obtêm junto às elites nacionais. Hans Morgenthau,
pensador e consultor no governo Kennedy, defendia claramente a importância de
manter programas de ajuda internacional como mecanismo para garantir uma
política externa eficiente.
O fim da Usaid como instrumento da política
externa americana marca uma nova era nas relações internacionais, em que muitos
países ficarão ainda mais distantes do desenvolvimento, dando espaço ao
crescimento de novas potências no sistema global. A fusão da agência
independente ao Departamento de Estado deverá possivelmente garantir a
continuidade de alguns projetos do governo americano. Mas agora os valores
defendidos não estarão mais vinculados a democracia, diversidade e equidade,
mas sim aos princípios estabelecidos no Project 2025, que resgatam uma América
conservadora, cristã e alinhada à defesa dos valores da família tradicional.
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