segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Rio de Janeiro deveria ser capital honorária do Brasil

O Globo

Proposta do prefeito Eduardo Paes repararia perdas do passado e abriria novos rumos no futuro

Nas últimas décadas, a cidade do Rio de Janeiro sediou, com orgulho e competência, eventos de repercussão internacional, como a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), os Jogos Pan-Americanos de 2007, a Jornada Mundial da Juventude em 2013, a final da Copa do Mundo de 2014, a Olimpíada de 2016 e a cúpula do G20 no ano passado. A vocação da capital fluminense e ex-capital federal como anfitriã e referência do Brasil é inequívoca. O Rio é um centro cultural pujante de onde emana a imagem que o mundo tem dos brasileiros— e os próprios brasileiros também.

Por isso é oportuno o pedido que o prefeito Eduardo Paes (PSD) levará ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que o Rio — segunda cidade mais populosa do país, com 6,7 milhões de habitantes — seja reconhecido oficialmente como capital honorária do Brasil e cidade federal. Paes sugere que a decisão seja tomada por decreto. Propõe que o ato seja assinado em julho, na cúpula do Brics, próximo evento de alta envergadura internacional sediado no Rio.

Convém deixar claro que o efeito seria puramente simbólico. De acordo com Paes, a iniciativa não destronaria Brasília do posto de capital do Brasil, não significaria desvinculação da cidade do estado do Rio, nem envolveria redistribuição de recursos ou algum tipo de preferência. “Não tem aumento de arrecadação, repasse de fundos”, diz ele. “Tem caráter honorário mesmo.” Concretamente, a medida seria acompanhada de ações como a proibição da transferência de órgãos federais sediados no Rio, a revitalização de imóveis da União com sede no município, a conclusão de projetos federais inacabados ou a reinstalação de alguns organismos nacionais na cidade.

No entender de Paes, além de reforçar a condição de imagem do Brasil para o mundo, o título de capital honorária repararia simbolicamente decisões prejudicais à cidade na História recente do Brasil, como a transferência da capital para Brasília em 1960 e a fusão dos estados da Guanabara e do Rio em 1975. Essas mudanças deixaram marcas profundas. Tanto pelo encolhimento econômico quanto pela perda de importância política. Um reflexo pode ser visto na saúde. Os hospitais federais do Rio, antes considerados ilhas de excelência, se tornaram problemas.

Apesar de a reparação ser justa, o título de capital honorária não deve ser recebido com olhos no passado. A cidade precisa buscar sua vocação no futuro, pensando não naquilo que um dia teve e perdeu, mas no que ainda tem a ganhar. O Rio tem qualidades que atraem turistas do mundo inteiro. Em 2012, a exuberante paisagem carioca, que abriga a maior floresta urbana do mundo, recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco. Outras atividades econômicas — como exploração de petróleo, pesquisa científica de excelência ou a vibrante indústria cultural — tornam o Rio uma metrópole de feições únicas, que reflete como nenhuma outra o espírito do Brasil.

Ser declarada capital honorária e cidade federal evidentemente não resolverá as inúmeras mazelas enfrentadas pelos cariocas — da violência que alarma a população à qualidade sofrível dos serviços públicos. Mas poderá devolver-lhe importância política, prestígio e abrir novos caminhos no futuro, tanto para os cariocas quanto para todos os brasileiros. Lula deveria fazer esse gesto de reconhecimento ao Rio.

Brasil precisa tentar equilibrar relação comercial com a China

O Globo

Pauta de exportações ainda depende de produtos primários e carece de manufaturados

Não faz sentido o Brasil manter posição passiva diante do desequilíbrio no relacionamento comercial com a China. Não é porque se trata de nosso maior parceiro comercial, responsável por cerca de 40% do superávit na balança comercial, que devemos nos acomodar à posição de exportador de produtos primários e importador de manufaturados. Já passou da hora de melhorarmos a qualidade da pauta de exportações. Alimentos e outros produtos primários costumam oscilar de preço, enquanto os manufaturados são mais estáveis, geram empregos de melhor qualidade e impulsionam o avanço tecnológico. São conhecidas as dificuldades de o setor industrial brasileiro competir no mercado externo. Mas isso não justifica acomodar-se e ignorar o problema

As pautas de exportação e importação da China apresentam diferenças gritantes. Os quatro produtos mais exportados pelo Brasil são, pela ordem, soja, petróleo, minério de ferro e carne bovina. Os mais importados são painéis solares, carros híbridos, carros elétricos e chips. Esse mesmo padrão não se repete com os Estados Unidos, segundo parceiro brasileiro no comércio exterior. Os três produtos mais exportados pelo Brasil para os americanos no ano passado foram petróleo e minerais betuminosos, semimanufaturados de ferro ou aço, helicópteros e aviões. Os mais importados foram turborreatores e turbopropulsores, petróleo e minerais betuminosos, gás natural e outros hidrocarbonetos gasosos.

Em helicópteros e aviões, o Brasil exportou US$ 2,4 bilhões aos Estados Unidos e importou US$ 1,5 bilhão, obtendo superávit de US$ 900 milhões num setor de alta tecnologia. A aeronáutica é uma indústria que o Brasil, acertadamente, mantém conectada a cadeias globais de suprimento — se assim não fosse, ela nem existiria. É exatamente o contrário das políticas equivocadas adotadas para proteger outros setores industriais. O resultado da abertura e integração do mercado se reflete nos ganhos comerciais. Se quiser mesmo favorecer a indústria nacional, há ampla margem de manobra que o Brasil pode usar para melhorar a qualidade do seu relacionamento comercial com a China.

Dados do Conselho Empresarial Brasil-China mostram que os chineses sempre venderam aos brasileiros mais manufaturados. Há 25 anos, eram componentes de televisores, aparelhos telefônicos e produtos afins. Hoje são painéis solares, carros híbridos e elétricos. A China soube alterar sua pauta de exportações para incluir produtos com maior conteúdo tecnológico. O Brasil precisa fazer o mesmo, adotando políticas capazes de melhorar a qualidade da pauta de exportações, como já fez com o agronegócio, outro setor exposto à competição internacional. O protecionismo e as barreiras tarifárias defendidas por amplos setores da indústria não funcionam.

Governo quer evitar firme contenção orçamentária

Valor Econômico

A única maneira de a equipe econômica contornar parcialmente o percurso ruim das contas públicas é buscar um superávit fiscal no ano desde o início

Será mais difícil cumprir a meta fiscal de déficit primário zero este ano. A economia está em desaceleração, o que deve reduzir as receitas, e o governo enfrenta uma razoável oposição do Congresso para aumentar a arrecadação e com isso, elevar gastos. O Orçamento de 2025 não foi votado e, ao que tudo indica, só deverá sê-lo em março. A equipe econômica mantém o mantra do ajuste fiscal, enquanto procura encontrar formas de driblar um contingenciamento e bloqueios de verbas que devem ser elevados, para garantir a meta, e evitar o obstáculo principal, a ojeriza do presidente a restrições de gastos. A Junta Orçamentária tem se reunido com esta missão (Valor, 7 de fevereiro), mas as medidas que estão desenterrando do pacote de novembro, embora corretas, não têm vitalidade arrecadatória imediata: um freio nos supersalários e mudanças nas regras de aposentadoria dos militares.

Essas propostas constam das 25 prioridades do governo apresentadas pelo ministro Fernando Haddad ao Congresso. Boa parte delas envolve regulações de setores da economia e finanças, modernizando-as. São relevantes, mas não dizem respeito imediato à arrecadação, da qual o governo dependerá para cumprir os resultados fiscais que se autoimpôs. Há pedras de todos os tamanhos no caminho.

Segundo previsões de consultorias e analistas privados, no boletim Focus, o governo terminará o ano com um déficit de 0,6% do PIB (cerca de R$ 70 bilhões). O Orçamento de 2025 busca um superávit de R$ 3,7 bilhões, mas o número é mais para constar porque é até possível que o governo repita o comportamento de buscar o piso da meta, de 0,25% do PIB de déficit (R$ 33 bilhões). Além disso, todos os parâmetros orçamentários estão defasados. Eles preveem crescimento da economia de 2,64%, acima do 1,72% do Focus. O IPCA é estimado em 3,3%, o que nem o mais otimista dos membros do Banco Central acredita ser possível. A Selic acumulada com a qual o orçamento trabalha é de 9,61%, abaixo da atual em um momento em que os juros estão subindo, sem sinal de inversão de rota.

Avaliação técnica feita pela Comissão de Orçamento da Câmara apontou que será necessário um ajuste de R$ 22,8 bilhões em receitas adicionais para cobrir despesas várias. O salário mínimo subiu de R$ 1.509 para R$ 1.518, com o avanço da inflação e aumento de 2,5%, com um impacto de R$ 32,8 bilhões. O ajuste da inflação pelo resultado efetivo, e não o correspondente aos 12 meses terminados em julho, para efeitos de confecção do Orçamento, permitirá ao governo elevar despesas em R$ 12,4 bilhões. O pacote fiscal de 2024 deve trazer mais R$ 10,4 bilhões, enquanto as despesas com o Vale-Gás e o programa Pé de Meia consumirão R$ 12,8 bilhões, para os quais não houve recursos alocados.

O Congresso, já com um pé atrás sobre aumento de impostos, não votou o aumento da Contribuição Social e a mudança nos critérios dos juros sobre capital próprio, com os quais a União estimava arrecadar R$ 18 bilhões. Para fechar sem déficit primário, o governo conta com R$ 166 bilhões em receitas extras. O limite de despesas do orçamento, pelas regras do regime fiscal, avançou para R$ 143,9 bilhões, mas R$ 132,2 bilhões estão comprometidos com gastos obrigatórios.

Há também o sempre presente problema da superestimação de receitas e subestimação de despesas. Em sua primeira avaliação do Orçamento, a Instituição Fiscal Independente do Senado calculou que as receitas estavam inchadas em R$ 87,4 bilhões e os gastos emagrecidos em R$ 29,2 bilhões. As despesas com a Previdência, as mais vultosas das primárias, deveriam ser R$ 27 bilhões maiores. No ano passado, os gastos previdenciários foram projetados com R$ 30 bilhões a menos e a execução orçamentária confirmou as indicações dos analistas sobre isso. Garantidas mesmos estão as emendas parlamentares, que somarão pouco mais de R$ 50 bilhões, e as renúncias tributárias, com as quais a União abrirá mão de receitas de R$ 543,6, bilhões, correspondentes a 4,4% do PIB e 19,7% da arrecadação total.

O regime fiscal precisaria de uma correção forte de rumos, que o presidente Lula se recusa a fazer. O cumprimento da meta, com as exceções existentes, não permite que o endividamento público sequer caminhe para a estabilização. Essa deterioração levará a conta de juros a ultrapassar R$ 1 trilhão este ano.

O principal fato do ano fiscal não deve ser, no entanto, a execução orçamentária. Em modo eleitoral, o governo vai mandar ao Congresso a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, na esperança de que consiga taxar os mais ricos, algo duvidoso diante da baixa disposição de um Congresso onde é francamente minoritário e conta com uma base partidária infiel.

O presidente Lula quer eliminar receitas seguras, de algumas dezenas de bilhões de reais, e evita cortar gastos. A única maneira de a equipe econômica contornar parcialmente o percurso ruim das contas públicas é buscar um superávit fiscal no ano desde o início, mesmo que modesto, com os contingenciamentos e bloqueios que se fizerem necessários. Com isso a inflação e os juros poderão ceder.

Lula está diante de inflação combinada com freio no PIB

Folha de S. Paulo

Preocupado com sua popularidade, petista dá declaração desastrada sobre preços e cogita medidas contra desaquecimento

Como era de esperar depois do choque de juros e da piora geral das condições financeiras decorrentes da política orçamentária irresponsável do governo petista, os primeiros sinais de desaceleração da economia começam a aparecer.

Em dezembro, a criação de empregos com carteira assinada, ajustada para excluir fatores sazonais, caiu para apenas 23 mil, a primeira surpresa negativa em dois anos de ritmo mensal de cerca de 150 mil postos.

Em janeiro, outras evidências, desta vez nas sondagens de confiança de vários setores da economia, sugerem apreensão quanto ao futuro. O indicador relativo aos consumidores, por exemplo, caiu de 91,3 para 86,2 pontos no mês, a leitura mais baixa desde fevereiro de 2023.

Alta da inflação em itens essenciais, como alimentos e combustíveis, corrói o poder de compra e deve levar as famílias a um comportamento mais austero diante dos riscos, que podem incluir a perda de emprego.

Com a escalada do dólar, mesmo que arrefecida nas últimas semanas, e do IPCA, que aponta para mais de 5% neste ano, o Banco Central vem elevando sua taxa de juros. A Selic já está em 13,25% ao ano e deve ter mais uma elevação de 1 ponto percentual em março. Ainda não é claro quando cessará o arrocho monetário.

A causa para essa conduta é a gigantesca expansão dos gastos públicos nos últimos dois anos, que impulsionou a demanda além da capacidade produtiva e com isso pressionou os preços.

Mesmo descontando fatores sazonais para o encarecimento dos alimentos, o gênio da inflação de serviços, mais duradoura, já saiu da garrafa —e será custoso colocá-lo de volta.

A questão, agora, é qual será a resposta do Planalto. Os ensaios da área política do governo, até aqui, são preocupantes.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já deu declarações desastradas sobre como os brasileiros devem lidar com a inflação, sugerindo alterações nos hábitos de consumo como forma de baixar preços.

Apenas colheu piadas nas redes sociais, em mais uma falha de comunicação depois da trapalhada em torno do monitoramento da Receita Federal sobre as transações por meio do Pix.

O mandatário também insistiu que os bancos públicos devem expandir o crédito. Tudo indica que novas iniciativas virão para ampliar modalidades, como o consignado, mesmo diante do já elevado endividamento das famílias e do comprometimento da renda com o pagamento de juros.

Tais medidas seriam um contraponto à alta da Selic —algo temerário, pois qualquer tentativa de dificultar o ajuste necessário para controlar a inflação apenas tornará ainda mais contraditória a política econômica.

Hoje, o aumento insustentável das despesas do Tesouro Nacional tem efeito acelerador no PIB, enquanto os juros do BC buscam frear a atividade. O perigo, como de costume, é que nenhuma das tarefas seja cumprida a contento.

Milei ensaia seguir maus passos de Trump

Folha de S. Paulo

Saída da OMS destoa do multilateralismo argentino; presidente sulamericano também considera deixar o Acordo de Paris

Causa espécie o decreto do presidente Javier Milei que determina a retirada da Argentina da Organização Mundial da Saúde (OMS). As justificativas geram ainda maior preocupação, pois sinalizam que não se trataria de caso isolado, mas de um gradual descolamento do país de sua tradição multilateralista.

Com tal movimento, Buenos Aires replica ações tomadas por Donald Trump em seu primeiro mês no comando dos Estados Unidos. Seguindo os passos do americano, Milei considera ainda a retirada da Argentina do Acordo de Paris, que em 2015 estabeleceu metas para combater os efeitos da mudança climática.

A saída da OMS impõe desafios domésticos e nas fronteiras. Desvencilhar-se dos mecanismos de cooperação, de transferência de tecnologia e de monitoramento de doenças do órgão implicará custos para a saúde pública e os centros de pesquisa —além dos riscos de disseminação de enfermidades para países vizinhos.

A decisão vertical de Milei, a exemplo da tomada por Trump, pode enfrentar a resistência do Congresso, que já se move para repudiá-la, e não impede sua contestação pela Suprema Corte. Pode converter-se em derrota para um presidente com elevada aprovação popular devido a seus resultados na economia.

O mesmo risco se impõe em caso de abandono do Acordo de Paris, acusado de refletir o "marxismo cultural" por Milei, que nega o arsenal de evidências científicas sobre a responsabilidade humana pelo aquecimento global.

Interesses econômicos da Argentina no acordo Mercosul-União Europeia e no acesso pleno à OCDE recomendam, porém, comedimento da Casa Rosada.

Em recente declaração ao jornal francês Le Point, o presidente deixou claro que não pretende parar por aí. A retirada do país da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável está no seu radar. "Muitos organismos internacionais devem ser eliminados", defendeu.

,Em paralelo, a integração regional também vê-se sob escrutínio. Seu governo aposta na permissão dos membros do Mercosul para a Argentina celebrar um acordo de comercial bilateral com os EUA. Nesse ponto, deve-se destacar o argentino destoa do americano, que tem ameaçado o comércio global com tarifas protecionistas.

Milei, que com medidas duríssimas conseguiu deixar para trás níveis explosivos de déficit público e inflação herdados do peronismo, ainda tem pela frente desafios e obstáculos que nada têm a ver com o poderio de Trump. Ele não deveria procurar mais problemas para sua gestão.

À falta de governança, resta o ‘gogó’

O Estado de S. Paulo

Antes da hora, Lula resolveu subir em palanques Brasil afora como se não houvesse um país acossado por problemas de toda ordem que demanda a atenção e o tempo do chefe de governo

O presidente Lula da Silva rasgou de vez a fantasia de chefe de Estado e de governo e resolveu vestir o figurino que mais o deixa confortável: o de eterno candidato em campanha eleitoral. Premido pela queda de popularidade, além dos sucessivos desgastes causados, direta ou indiretamente, pelo vazio programático que marca seu terceiro mandato, Lula se lançou numa turnê Brasil afora com o objetivo, segundo disse, de “disputar no gogó” com a oposição. À guisa de divulgar realizações do governo, Lula quer ampliar o campo da batalha discursiva contra seus adversários políticos para além das redes sociais, um ambiente dominado pela direita, como é notório.

Por ora, é vistoso o ânimo do petista para subir no palanque com cada vez mais frequência, malgrado daqui até 2026 Lula ter sob sua responsabilidade direta um país acossado por problemas de toda ordem que demanda a atenção e o tempo do presidente da República. Lula decerto não pedirá votos para não afrontar tão acintosamente a Lei Eleitoral, mas, na prática, seu giro pelo País, iniciado na quinta-feira passada, no Rio de Janeiro, não é outra coisa senão uma campanha eleitoral antecipada – afinal, como o próprio petista admitiu, “2026 já começou”. Tanto é assim que essa estratégia para tirar o governo das cordas, segundo reportagens publicadas pela imprensa, foi concebida pelo marqueteiro Sidônio Palmeira, ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), responsável pela vitoriosa campanha do petista na eleição de 2022.

Além das viagens de Lula, Sidônio programou roteiros para a primeira-dama Rosângela da Silva, conhecida como Janja, o vice-presidente Geraldo Alckmin e ministros de Estado. Mas não há tour de force publicitária que dê conta de engambelar os brasileiros quando o próprio Lula se ressente publicamente de não conseguir imprimir uma “marca” em seu governo, como o fez nos outros dois mandatos presidenciais. O fato de um marqueteiro ser o condutor dos passos de Lula daqui até as próximas eleições gerais – pois foi com essa missão que Sidônio foi alçado ao cargo de chefe da Secom – diz muito sobre a real preocupação do presidente, qual seja, a reeleição, e não a construção de uma agenda virtuosa para o País, claramente identificada como tal e negociada com a sociedade por meio de seus representantes no Congresso. Se assim o fizesse, os resultados viriam como desdobramentos naturais e, muito provavelmente, tamanho esforço de propaganda seria ocioso.

A estratégia publicitária não é nova e deu certo no passado, o que seguramente é um fator motivador para que Lula desça do Palácio do Planalto e suba no palanque antes da hora. Na esteira do escândalo do mensalão, há cerca de 20 anos, Lula também decidiu sair de Brasília e rodar pelo País para escapar da crise política que se abateu sobre seu governo na capital federal. Como se sabe, o movimento foi bem-sucedido, haja vista que o petista foi reeleito em 2006. A diferença, porém, era o estado da economia brasileira à época, muito mais favorável ao então incumbente do que agora. Somadas à violência urbana que apavora os brasileiros, a carestia e a estagnação econômica estarão no centro do debate político com vistas à sucessão de Lula em 2026, ano em que a defesa da democracia contra a ameaça golpista encarnada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, inelegível até 2030, certamente terá papel muito menos determinante do que teve em 2022.

Além de apreensão, em que pese o fato de mal ter iniciado a metade final de seu mandato, o recurso ao “gogó” revela que Lula claramente fez a escolha de sobrepor a política de imagem à governança responsável capaz de responder aos desafios econômicos e sociais que o Brasil enfrenta neste momento.

Não se sabe exatamente como Lula e o País chegarão a 2026, mas é certo que o eleitorado estará cansado de uma retórica vazia, que não encontra respaldo na vida cotidiana de milhões de brasileiros ansiosos pela concretização de um futuro mais auspicioso para todos – há muito prometido, mas nunca plenamente realizado.

O impressionante déficit das estatais

O Estado de S. Paulo

Longe de ser algo que possa ser relativizado, o resultado indica tendência perigosa para o futuro e demonstra que o temerário modo petista de gerir empresas públicas voltou com tudo

As estatais tiveram um déficit de R$ 8,1 bilhões no ano passado, segundo o Banco Central (BC), uma deterioração e tanto em relação a 2023, quando houve um resultado negativo de R$ 2,2 bilhões aos cofres públicos. Foi o pior resultado de toda a série histórica.

Esse número se refere apenas às estatais que não dependem do Tesouro Nacional para arcar com gastos de custeio e empregados. Isso exclui Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e BNDES, além de empresas públicas que integram o Orçamento, como Embrapa e Codevasf.

O resultado causou péssima impressão, e a ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, rapidamente foi escalada para explicá-lo. Segundo ela, o número expressa apenas a diferença entre receitas e despesas correntes do ano. Muitas dessas companhias têm utilizado o caixa acumulado em anos anteriores para realizar investimentos. Nove das 20 estatais federais acompanhadas pelo BC têm registrado lucro, de acordo com Dweck.

À luz dessas justificativas, o estrondoso déficit das estatais até parece menos grave do que ele é. Segundo ela, muitas empresas ficaram praticamente “proibidas” de investir durante os governos de Jair Bolsonaro e Michel Temer. Sob o governo Lula da Silva, isso mudou, o que explicaria boa parte do déficit.

Os Correios seriam um exemplo disso. A atual gestão da empresa diz ter investido R$ 2 bilhões, que estavam em caixa, em tecnologia, renovação da frota e infraestrutura, entre outras áreas. Por isso, sozinhos, os Correios representaram 40% do déficit das estatais, com R$ 3,2 bilhões.

O presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, disse que a empresa estava sucateada, praticamente “na bacia das almas”, mas que agora está em processo de franca recuperação. Há, segundo ele, um plano de reestruturação em curso para torná-la lucrativa.

Mas os números da empresa não autorizam qualquer otimismo. Os Correios acumularam um prejuízo de R$ 2,1 bilhões entre janeiro e setembro do ano passado, depois de perdas de R$ 597 milhões em 2023 e de R$ 767 milhões no ano anterior.

A perspectiva para o futuro não é positiva. Os Correios argumentam ter perdido R$ 2,2 bilhões em receitas desde que o governo começou a taxar as “blusinhas”. Em razão do programa Remessa Conforme, os Correios perderam a exclusividade que detinham na importação de compras de até US$ 50.

Ora, se a concorrência tem conquistado parte do mercado de encomendas, mais um motivo para os Correios serem mais eficientes e reduzirem seus custos. Mas não é isso que a empresa almeja fazer, pelo contrário. A intenção é restabelecer essa reserva de mercado para melhorar seu desempenho.

O argumento da exclusividade, por óbvio, vale apenas para um lado. Os Correios alegam que precisam arcar, sozinhos, com o custo de universalização dos serviços, sem qualquer ajuda do Tesouro, como se essa não fosse a função de uma empresa que detém monopólio constitucional para tal.

Não é novidade que a empresa tenha um custo fixo elevado com empregados – são, afinal, quase 85 mil em todo o País. Mas, paradoxalmente, essa mesma empresa realizou um concurso público para contratar 3,5 mil novos funcionários no ano passado.

O presidente dos Correios disse, ainda, que medidas adotadas por gestões anteriores afetam o resultado atual. Nisso ele tem razão. No ano passado, os Correios se comprometeram a pagar R$ 7,6 bilhões ao fundo de pensão de seus funcionários para cobrir metade do rombo do Postalis nos próximos anos. A maior parte desse rombo, no entanto, se deve aos péssimos investimentos realizados durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

A trajetória dos Correios desfaz a narrativa que o governo Lula da Silva tenta emplacar para diminuir a relevância do déficit das estatais. Se hoje ainda há lucro, é apenas porque as empresas estão queimando caixa sem conseguir reverter um padrão ruim. A continuar dessa forma, esse lucro muito em breve se converterá em prejuízo. Longe de ser algo menor e que possa ser relativizado, o resultado indica uma tendência perigosa para o futuro e demonstra que o temerário modo petista de gerir estatais voltou com tudo.

Um veredicto para a Foz do Amazonas

O Estado de S. Paulo

Lula indica que licença para explorar Margem Equatorial sairá em breve e mostra que decisão está tomada

Incontáveis vezes Lula da Silva se manifestou pública e abertamente favorável à perfuração de um poço exploratório na Bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial. A afirmação recente que fez ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), de que o processo será destravado em breve, é apenas mais um sinal de que a decisão política está tomada, o que, aliás, também já ficou evidente há algum tempo. E aí está o problema: o tempo que se arrasta sem que a decisão se converta em fato.

Depois do encontro com Alcolumbre, em entrevista a uma rádio mineira, o presidente voltou ao tema, declarando que o governo terá de “encontrar uma solução para explorar essa riqueza”, sem detalhar como pretende pôr fim a uma batalha travada dentro do próprio governo. De um lado, a ala ambientalista; do outro, a Petrobras, que há 12 anos vem tentando obter licença para operar na área arrematada em leilão. Multinacionais que adquiriram blocos licitados na Margem Equatorial desistiram do negócio após anos de queda de braço com o Ibama, num dos exemplos mais flagrantes de insegurança em contratos públicos.

Reunião recente no Planalto, com a presença dos ministros da Casa Civil, Rui Costa, e do Meio Ambiente, Marina Silva, além dos presidentes da Petrobras, Magda Chambriard, e do Ibama, Rodrigo Agostinho, sinalizou que se pode ter chegado a um consenso. A confirmação, feita por Agostinho, de que haverá uma nova avaliação do Ibama após a Petrobras concluir a construção de uma unidade de proteção da fauna no Oiapoque alimenta essa expectativa.

Há muito a exploração na Foz do Amazonas deixou de ser uma questão essencialmente técnica para se transformar numa interminável disputa de poder político. Desde o início do terceiro mandato de Lula, dúvidas sobre a permanência de Marina Silva no governo pairam sobre decisões relativas à Margem Equatorial. A renúncia de Marina em 2008, no segundo mandato de Lula, como resposta ao esvaziamento de sua pasta, é memória ainda viva.

Passados dois anos de mandato, a missão de Marina no governo tomou dimensão maior que o debate isolado sobre a Foz do Amazonas. E, paradoxalmente, a importância da cúpula mundial do clima (COP-30), que neste ano será sediada no Brasil, não por acaso às portas da Amazônia, em Belém (PA), contribui para isso, assim como o trabalho de combate ao desmatamento e a incêndios florestais e avanços importantes como a fixação da nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) para redução da emissão de gases.

Estrategicamente, Lula saiu em defesa da ministra dizendo que tentam “jogar em cima da companheira Marina a responsabilidade pela não aprovação” da licença para o posto teste. Ao que se sabe até agora, a intenção do presidente é de que a autorização saia ainda neste semestre, para evitar atropelos com a COP-30, em novembro. Tanto melhor que a solução para a Margem Equatorial se confirme o quanto antes. Afinal, a abertura de uma nova fronteira de exploração de petróleo é, antes de tudo, uma decisão soberana do Estado brasileiro.

A emergência climática traduzida em números

Correio Braziliense

O período 2020/23 concentra 35% do total de pessoas afetadas por desastres hidrológicos no país em mais de três décadas, desde 1991. Em quatro anos, foram 32 milhões de brasileiros atingidos, com 994 mortos – média de quase 250 ao ano

Em um momento crítico para o futuro do clima, do planeta e por extensão da espécie humana, enquanto o líder da maior economia do mundo dá repetidos sinais de negacionismo em relação às mudanças climáticas, um estudo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) traduz em indicadores assustadores o potencial do problema, ao estimar o alcance dos danos para o Brasil, seus estados e habitantes.

Segundo o trabalho da Gerência de Economia e Finanças Empresariais, eventos climáticos extremos, como temporais, chuvas torrenciais, secas prolongadas e ondas de calor, provocaram, apenas entre os anos de 2020 e 2023, prejuízos estimados em R$ 45,9 bilhões para o país. Para efeito de comparação, é como se todo o orçamento de um ano da segunda maior capital brasileira, o Rio de Janeiro, fosse tragado em inundações ou evaporasse em meio a estiagens sufocantes.

O estudo aponta, além de danos à infraestrutura, ao mercado de trabalho e a comunidades, impactos expressivoS sobre setores específicos da economia, com destaque para a agropecuária — o mais sensível aos efeitos do clima —, com perdas de R$ 24,4 bilhões no período, mas abrangendo também os ramos de serviços, com prejuízo estimado em R$ 19,3 bilhões, e a indústria, com R$ 2,2 bilhões em danos diretos. Não é preciso muito esforço para perceber que o impacto de tudo isso recai sobre preços, refletindo-se no custo de vida para cada cidadão.

O ritmo de crescimento dos eventos classificados no estudo como desastres hidrológicos não deixa dúvida sobre a progressão fora da curva registrada nos últimos anos. Segundo o levantamento, a taxa média de aumento desses episódios foi de 36% entre 2020 e 2023. No período de quatro anos, a soma dos quadros de chuvas torrenciais, alagamentos e inundações contabilizados correspondeu a quase 30% do total registrado em mais de três décadas, desde 1991.

Lado mais dramático desses eventos, os impactos humanos, que não podem ser mensurados apenas em valores financeiros, se revelam em números ainda mais preocupantes. O período 2020/23 concentra 35% do total de pessoas afetadas por desastres hidrológicos no país desde 1991, segundo o trabalho.

Em quatro anos, foram 32 milhões de brasileiros atingidos por esses fenômenos, com 994 mortos - média de quase 250 ao ano. Número que pode ser ainda mais assustador, tendo em conta que o trabalho considera um total de 782 desaparecidos no período, além de 150 mil feridos ou adoecidos e de 2,28 milhões de pessoas expulsas de suas casas, entre desalojados e desabrigados que viviam em 564 mil moradias afetadas.

Os dados seguem empilhando consequências devastadoras para a infraestrutura e a economia do país no intervalo avaliado: foram 232 mil instituições de saúde afetadas por fenômenos climáticos extremos, além de 5,6 mil instituições de ensino e 19 mil obras públicas. O impacto, apenas nesses casos, é estimado em R$ 16 bilhões — quase o tamanho do orçamento da cidade de Belo Horizonte em 2023.

É importante lembrar que o período avaliado — embora com dados alarmantes — não considera os números da tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul, em meados do ano passado, que arrasou Porto Alegre e entrou para a lista das piores catástrofes climáticas da história do país.

São fatos que não deixam dúvida sobre o quadro de emergência climática enfrentado em todo o mundo, e da urgência de medidas — não só de mitigação e adaptação, mas estruturais, que ajudem a estancar a elevação das temperaturas e seus efeitos. Os países terão mais uma chance para ao menos se aproximar disso neste ano, durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), no Brasil. Mas os sinais emitidos por alguns de seus principais representantes — Estados Unidos à frente - não são nada animadores para o futuro do planeta.

 

 

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