Presidente
manteve o governo paralisado até agora, mas não terá mais como escapar das
reformas
Como
costuma acontecer no universo político, o governo espera passar as eleições
para trabalhar. O ano recomeçará amanhã no Planalto com uma ampla agenda de
reformas à espera do presidente Jair Bolsonaro. Não há tempo a perder. Nem
mesmo a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021 está encaminhada, tamanha a
obsessão dele em criar um programa de assistência social (ou estender o auxílio
emergencial) e tão absoluta a falta de recursos para financiá-lo.
Na
prática, considerando que 2022 será inevitavelmente contaminado pela campanha à
reeleição, o ano que vem será o último para presidente e equipe mostrarem
serviço, já que, até agora, pouco fizeram. Das reformas, foi aprovada a da
Previdência, só porque vinha sendo negociada desde o governo Temer — e a
contragosto de Bolsonaro, que apenas trabalhou para proteger corporações
militares e policiais.
Daqui
para frente, o jogo muda. O quadro fiscal é dantesco: fixado antes da pandemia
em pouco mais de R$ 125 bilhões, o déficit primário deste ano, pelas últimas
previsões, será de R$ 780 bilhões, mais de seis vezes a meta. Com isso, a
dívida pública explodiu, chegará a 93% do PIB, rumo aos 100%. Bolsonaro e seus
aliados do centrão não gostam da palavra “austeridade”, mas, se querem um
mínimo de governabilidade em 2022, terão mais do que ouvi-la — precisarão
praticá-la.
Daí
a necessidade de acelerar a agenda de reformas. Há movimentação na base
governista para executar uma estratégia aparentemente combinada com o
presidente. O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO),
anuncia que, apuradas as urnas de hoje, tratará de aprovar ainda este ano duas
propostas de emenda constitucional: a PEC Emergencial e a PEC dos Fundos
Públicos.
A
primeira é vital por dar instrumentos à administração pública para conseguir
gerir este momento de crise fiscal aguda. Mesmo que a lei já imponha o disparo
de gatilhos se houver violação do teto de gastos — como congelamento de
concursos e cortes de jornadas e salários do funcionalismo —, ela não permite
ação preventiva. A PEC Emergencial tenta, entre outras medidas, corrigir esse
defeito. Com a força de dispositivo constitucional, cria freios e permite o
disparo desses gatilhos assim que o quadro fiscal se torna turvo como agora.
Sob a proteção dela, o governo estará a salvo de ataques corporativistas quando
impuser os cortes.
Bolsonaro
deve, contudo, apostar suas fichas na outra emenda, porque a extinção dos
fundos públicos criados por atos infraconstitucionais liberaria, pela
estimativa do governo, entre R$ 25 bilhões e R$ 40 bilhões para outras
despesas. É certo que o presidente conta com esse dinheiro para turbinar seu
programa assistencialista.
Se
o governo ficar nessas duas PECs, cometerá um erro grave. O país também precisa
de uma administração moderna e de servidores eficientes, assim como de uma
estrutura tributária racional e equânime. Não dá para o governo driblar as
reformas administrativa e tributária. Toda a agenda reformista precisa ser
executada sem recuo.
Sucessão
de reveses põe em xeque o projeto antiambiental bolsonarista – Opinião | O
Globo
Apesar
das ‘boiadas’ recorrentes de Salles, é nítido o desgaste do governo em sua
cruzada delirante
São
recorrentes as “boiadas” passadas pelo Ministério do Meio Ambiente de Ricardo
Salles. Não bastassem as repetidas tentativas de transformar em política de
Estado a degradação e o obscurantismo anticientífico sobre mudanças climáticas,
descobriu-se que o presidente do Ibama recebeu uma comitiva de madeireiros
antes de relaxar normas de exportação. Mas, apesar de tudo, também é nítido o
desgaste do governo Jair Bolsonaro em sua cruzada antiambiental.
O
projeto tem três vertentes: a profusão de normas adequadas aos interesses de
grileiros, madeireiros, garimpeiros e pecuaristas marginais; a inanição
orçamentária do já frágil sistema de fiscalização; e o recurso ao nacionalismo
tosco, para qualificar como ameaça à segurança qualquer proposta de economia
sustentável na Amazônia.
Bolsonaro
se tornou vítima da própria insensatez. Deu margem a iniciativas protecionistas
nos EUA e na Europa, onde avançaram vetos parlamentares a acordos com o Brasil,
visto como isolacionista num mundo interdependente. Como a pandemia, as
mudanças climáticas representam desafio coletivo. Só podem ser mitigadas em
cooperação global.
É
sintomático que, em meio ao estouro das “boiadas”, tenham sido retomadas as
negociações do acordo Mercosul-União Europeia. O tratado está pronto, mas
empacou na resistência brasileira em adotar uma política auditável para a
Amazônia. Na recente reunião do G-20, Bolsonaro também se viu obrigado a
reafirmar o compromisso ambiental assumido no Acordo de Paris, além do “apoio
ao sistema de comércio multilateral”.
Esvai-se
a tolerância com devaneios obscurantistas em relação às mudanças climáticas. A
França mudou a lei penal para tipificar delitos de ecocídio. Nos EUA, os
devaneios de Donald Trump cederão lugar à sensatez de Joe Biden que anunciou
John Kerry como czar do clima. Kerry subscreveu o Acordo de Paris — sua
fotografia assinando o texto com a neta no colo é um símbolo. O Congresso dos
EUA pôs em tramitação nos últimos 12 meses pelo menos duas dezenas de projetos
com previsão de sanções ao Brasil pela devastação da Amazônia, parte deles
iniciativa de republicanos.
Não
haverá, lá fora, espaço para o Brasil sem prestar atenção ao tema. Estreita-se,
também, o espaço doméstico para decisões estapafúrdias do governo na área
ambiental, “sob pena de responsabilização pessoal do agente público
responsável” — palavras da ministra do STF Rosa Weber no caso em que vetou as normas
lenientes de proteção a mangues e restingas.
O
colapso da cruzada antiambiental bolsonarista é visível. A capitulação se
tornou questão de tempo.
É preciso olhar para a frente – Opinião | O Estado de S. Paulo
Na
votação de hoje, o melhor para SP seria vitória de Bruno Covas, que já deu
demonstrações de sua seriedade e racionalidade
O ex-presidente Lula da Silva declarou seu apoio ao candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, nos seguintes termos: “Todos os eleitores e eleitoras que votam no PT, todos os eleitores que são de esquerda, todos os eleitores progressistas, todos que querem restabelecer a democracia no Brasil, têm agora o compromisso histórico de votar no companheiro Guilherme Boulos para prefeito de São Paulo”.
A
declaração é espantosa – não por cobrar dos petistas o voto em Boulos, pois
isso é problema dele e de seus devotos, mas sim por dizer que se trata de um
voto para “restabelecer a democracia no Brasil”. Ora, quem disse que a
democracia brasileira precisa ser “restabelecida”?
É
essa visão lulopetista que envenena a democracia, tanto quanto o bolsonarismo
que ela pretende antagonizar. Para o chefão do PT, se a esquerda não está no
poder, então não há democracia.
Felizmente,
contudo, a campanha municipal em São Paulo tem dado provas de que a peçonha
autoritária deu lugar à discussão sobre os problemas da cidade e sobre quem é
mais competente para resolvê-los. À parte as rusgas naturais de uma corrida
eleitoral disputada, o que se tem são dois candidatos que se respeitam e ao
eleitor.
Decerto
a decepção e o cansaço com o populismo lulopetista e bolsonarista, medidos em
pesquisas e evidentes no cotidiano do País, foram essenciais para reconduzir a
democracia ao leito da política, em que as coisas não se resolvem no grito, mas
no diálogo e na aceitação da legitimidade do adversário. Já não era sem tempo.
A
declaração de Lula da Silva, contudo, só reforça a percepção de que a
candidatura do sr. Boulos está atada a compromissos danosos à cidade e ao País.
Por mais moderado que tenha se mostrado, o candidato do PSOL é hoje a esperança
de restauração do poder de uma esquerda desmoralizada por escândalos cabeludos,
grossa incompetência administrativa e truculência antidemocrática. O tal
“compromisso histórico” de que fala Lula é tão falso quanto as juras de
inocência do chefão petista.
É
certo, portanto, que um eventual triunfo de Guilherme Boulos representaria um
enorme retrocesso, pois daria sobrevida à empulhação lulopetista, sob a capa da
renovação representada pelo PSOL – que, é preciso recordar, nasceu como
dissidência radical do PT e continua fiel aos ideais retrógrados que o movem
desde então.
É
por essa razão que o melhor desfecho para São Paulo, na votação de hoje, seria
uma vitória do atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), que já deu demonstrações
suficientes de sua seriedade e de sua racionalidade. Como afirmamos há uma
semana neste espaço, o sr. Covas saiu-se razoavelmente bem do imenso desafio
imposto pela pandemia de covid-19 e isso, por si só, o credencia a continuar à
frente da Prefeitura. Nenhum dos outros candidatos teve essa experiência, tão
necessária no momento em que a pandemia dá sinais de que pode recrudescer e
quando ainda há muito a fazer para que a cidade volte ao normal.
Ademais,
no cotejo de propostas, está claro que apenas um dos campos, o de Bruno Covas,
trabalha mais ou menos dentro da realidade orçamentária; seu adversário insiste
em oferecer ilusões ao eleitor, subestimando custos e inventando receitas onde
não existem. Faz parecer que os problemas, a começar pelos sociais, podem ser
resolvidos apenas com base na vontade.
São
Paulo não pode se prestar a ser laboratório de experiências já testadas e
fracassadas. Se isso já seria uma temeridade em condições normais, durante uma
crise como a atual, que envolve múltiplas dimensões, seria simplesmente insano.
A cidade tampouco pode servir de ringue para a rinha entre Lula da Silva e o
presidente Jair Bolsonaro, que já esgotou a paciência do País.
É
preciso olhar para a frente. A recondução do prefeito Bruno Covas hoje seria um
poderoso símbolo da superação, ao menos no nível municipal, do antagonismo que
ainda faz muito mal ao País e que reduz tudo a uma guerra insana entre o ruim e
o pior. O choque da eleição de 2018 basta para que os eleitores tenham ciência
do quão alto é o custo de um salto no escuro.
O STF e a eficiência do Estado – Opinião | O Estado de S. Paulo
Segundo
o Supremo, a avaliação periódica de desempenho é constitucional
Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou a constitucionalidade da avaliação de desempenho dos procuradores estaduais de São Paulo, tal como definida pela Lei Complementar Estadual (LCE) 1.270/2015. Na ação proposta pela Associação Nacional dos Procuradores do Estado (Anape), questionou-se a compatibilidade da legislação estadual com as disposições da Emenda Constitucional (EC) 19/1998, que alterou as hipóteses de perda de cargo por servidor estável. A decisão do STF representa uma importante vitória do princípio da eficiência ante as tentativas de parte do funcionalismo de impedir a avaliação do seu trabalho.
Em
primeiro lugar, chama a atenção que a Anape tenha recorrido à EC 19/1998 para
tentar invalidar o sistema estadual de avaliação de desempenho. O objetivo da
EC 19/1998 foi precisamente melhorar a eficiência da administração pública,
ampliando, entre outras medidas, as hipóteses em que um servidor estável pode
perder o cargo.
No
texto original de 1988, a Constituição estabelecia que “o servidor público
estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em
julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla
defesa”. Além dessas duas hipóteses, a EC 19/1998 incluiu a possibilidade de
perda do cargo “mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na
forma de lei complementar, assegurada ampla defesa”.
Segundo
a Anape, a menção constitucional à lei complementar impediria que a Assembleia
estadual legislasse sobre a avaliação de desempenho. Sob essa estranha lógica,
a LCE 1.270/2015 estaria usurpando competências alheias, além de ferir a
estabilidade dos procuradores do Estado de São Paulo.
O
Supremo entendeu, no entanto, que o procedimento de avaliação periódica de
desempenho previsto na LCE 1.270/2015 não se confunde com a avaliação prevista
no dispositivo constitucional. Segundo a relatora da ação, ministra Cármen
Lúcia, o dispositivo da lei estadual aplica-se não apenas em caso de demissão
por questões de desempenho, mas para outras finalidades, como a anotação de
elogio em prontuário (art. 27), a aferição do mérito dos integrantes da
carreira para fins de promoção (art. 100) e até mesmo para a demissão por
ineficiência decorrente de descumprimento de dever funcional (art. 17) –
hipótese em que a Constituição não exige regulamentação por lei complementar.
Com
isso, a ministra Cármen Lúcia mostrou que a avaliação periódica de desempenho
dos procuradores estaduais, tal como prevista na LCE 1.270/2015, não fere
nenhuma competência legislativa da União, como também não desrespeita a
estabilidade do funcionalismo público nos limites e condições definidos pela
Constituição. Todos os ministros do STF acompanharam o voto da relatora.
Mais
do que uma eventual inconstitucionalidade – que o Supremo entendeu não existir
–, a ação da Anape evidencia a insistente tentativa de grupos do funcionalismo
para tornar disforme a atuação do poder público. A Constituição de 1988 é
claríssima. A administração pública direta e indireta de todas as esferas da
Federação deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência. Por isso, é completamente equivocada a ideia de que a
previsão de avaliação periódica do desempenho de determinada categoria
profissional possa ser inconstitucional. A rigor, inconstitucional é não ter
uma avaliação periódica do desempenho de todos os funcionários públicos.
Os
princípios constitucionais relativos à administração pública são claros. E é de
reconhecer que o Congresso, mesmo tendo ainda muito a fazer, vem conseguindo ao
longo do tempo ampliar os instrumentos para uma maior eficiência do poder
público. Muitas vezes, os maiores obstáculos à melhoria da atuação do Estado
são colocados pelas vias judiciais. Por isso, a decisão do STF sobre a LCE
1.270/2015 é tão relevante. Que o exemplo do mais alto órgão do Judiciário, protegendo
os meios para a eficiência do Estado, seja seguido por todas as instâncias.
Luz amarela nos preços – Opinião | O Estado de S. Paulo
Governo
deveria dar atenção à inflação disseminada e aos preços por atacado
O Brasil estará no pior dos mundos, ou perto disso, se o governo tiver de cuidar ao mesmo tempo do buraco nas contas públicas, ampliado na crise de 2020, e de uma inflação mais intensa que a dos últimos anos. As famílias já foram assombradas nos últimos meses por preços em alta mais acelerada. As projeções para este e para os próximos dois anos continuam, no entanto, compatíveis com as metas oficiais. Mas o ministro da Economia deveria levar em conta alguns sinais de alerta. Estão acesas pelo menos duas luzes amarelas e nenhuma delas é pouco relevante.
Um
dos sinais aponta para a amplitude das pressões. A prévia de inflação de
novembro, o IPCA-15, veio com alta de 0,81%, a mais forte para o mês desde
2015, quando a variação chegou a 0,85%. Mas o dado mais inquietante é a difusão
dos aumentos. Com variação de 2,16% em quatro semanas, o custo da alimentação
continuou liderando as altas, mas houve remarcações em todos os grandes grupos
de produtos. Além disso, o indicador geral subiu em todas as capitais e áreas
metropolitanas cobertas pela pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Não se trata, portanto, de uma inflação de alimentos nem de
um desajuste localizado em algumas áreas.
No
ano o IPCA-15 subiu 3,13%. A alta chegou a 4,22% em 12 meses. Essa taxa está
pouco acima do centro da meta oficial de 2020 (4%). Se no fim do ano estiver
abaixo desse ponto central, o IPCA deverá estar provavelmente muito próximo.
Outro
alerta importante mostra pressões ainda represadas. Os preços por atacado
medidos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) subiram 4,86% em outubro. Em
setembro haviam aumentado 4,38%. A alta passou de 6,77% para 6,78% no caso das
matérias-primas brutas e de 3,21% para 4,43% no dos bens intermediários. As
maiores variações ainda foram dos bens de origem agropecuária, mas a inflação
no atacado atinge também as outras categorias.
Os
preços têm subido, no entanto, bem menos rapidamente no varejo que no atacado.
A diferença é mostrada no próprio Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M) da
FGV. Em outubro, a inflação para o consumidor ficou em 0,65%, abaixo da
registrada em setembro (0,82%). Esses números confirmaram, mais uma vez, um
forte represamento. As empresas continuam com dificuldade para repassar os
aumentos ao varejo, mas, ainda assim, as pressões têm chegado ao comprador
final. Chegarão mais facilmente se as famílias tiverem algum reforço financeiro
e puderem ir às compras com um pouco menos de restrições.
A
inflação do atacado aparece também no Índice de Preços ao Produtor calculado
pelo IBGE. Em outubro os preços da indústria, sem impostos e sem frete, subiram
3,40%, na maior alta da série iniciada em janeiro de 2014. Haviam subido em
setembro 2,34%. No ano a alta chegou a 17,29%. Em 12 meses alcançou 19,08%. Os
produtos das indústrias extrativas encareceram 9,71% em outubro e 50,31% em dez
meses. Nas indústrias de transformação os preços aumentaram 3,04% no mês e
15,73% em 2020.
A
inflação do atacado é mais grave no Brasil que na maior parte dos outros
países, segundo estudo de Andrea Damico, economista-chefe da gestora de
investimentos Armor Capital. Um exame baseado em preços ao produtor de 82
países, com dados até setembro, mostrou o Brasil em segundo lugar, só atrás da
Argentina, entre os países com maiores altas. No Brasil, em 12 meses, a
variação chegou a 31,05%, de acordo com o índice da FGV. Na Argentina a alta
foi de 39,20%. Apenas cinco países aparecem com altas superiores a 10% nesse
período.
A
economista ressalta, no exame da situação brasileira, três fatores: a alta do
dólar, a valorização global das commodities e o aumento da demanda interna
propiciado pelo auxílio emergencial. A insegurança quanto às contas públicas é
parte desse quadro. Vários analistas têm apontado a incerteza fiscal como um
dos fatores de pressão cambial, além, é claro, da reação de investidores à
devastadora política antiambiental do presidente Jair Bolsonaro.
Vez dos profissionais – Opinião | Folha de S. Paulo
Covas
e Boulos são exemplo da vitória da política; restam desafios de governo
Neste
domingo (29), mais de 38 milhões de eleitores de 57 cidades, entre elas 18
capitais, vão às urnas escolher seu prefeito em segundo turno. Destas, São
Paulo é a maior e talvez a mais simbólica.
Na
capital paulista, Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL) se enfrentam
pelo cargo. Segundo a pesquisa Datafolha mais recente, o
tucano tem 55% dos votos válidos, ante 45% do oposicionista.
Com
respectivamente 40 e 38 anos, são os mais jovens a disputar o posto em segundo
turno na cidade desde a redemocratização. Ao mesmo tempo, são representantes
legítimos do que se convencionou chamar de política profissional.
Covas
foi deputado estadual e federal, secretário, vice-prefeito; vem de linhagem
tucana que teve em seu avô, Mário (1930-2001), o representante mais importante.
Boulos tem anos de experiência em liderança de movimentos populares. Sua
agremiação, o PSOL, é dissidência do PT, criado em 1980.
O
bom nível que ambos mantiveram na campanha e a participação em debates,
sabatinas e entrevistas são sinais auspiciosos.
Igualmente
auspicioso é o refluxo na onda antipolítica que começou nas jornadas de 2013,
passou pelos excessos da Lava Jato (que de resto prestou serviço inestimável no
combate à corrupção) e culminou na eleição de um suposto outsider à Presidência
em 2018.
A
bem-vinda vitória da política, porém, não pode servir de pretexto para a
acomodação a velhos vícios da vida pública nacional.
Será
grave erro descontinuar o processo de aperfeiçoamento do presidencialismo
brasileiro. Não menos importante, a credibilidade dos eleitos dependerá de
respostas concretas aos desafios da governança em todos os níveis.
No
que diz respeito às administrações municipais, trata-se de atender às demandas
mais básicas da população, dos serviços de educação e saúde à zeladoria das
ruas, da mobilidade às condições de moradia e saneamento.
A
maior metrópole do país é uma amostra hiperbólica de tais problemas, agora
agravados pela pandemia de Covid-19. A prefeitura desde já, e por considerável
tempo ainda, terá de tomar decisões difíceis entre a urgência de reabrir
atividades como o ensino público e a eventual necessidade de retomar restrições
à circulação de pessoas.
Espera-se,
aliás, que conveniências politiqueiras não afetem tais iniciativas, agora ou
depois.
O
caos da paisagem urbana demanda um conjunto multidisciplinar de medidas,
incluindo a rediscussão dos subsídios ao transporte público, corredores de
ônibus, limites à expansão imobiliária, acolhimento de moradores de rua e
redução de danos das cracolândias. A adoção gradual de pedágios urbanos precisa
ser debatida.
Que
o vencedor da disputa paulistana prossiga no caminho da melhor política —de
diálogo, respeito à divergência e busca de soluções negociadas a partir de
estudos e da experiência acumulada. Que seus opositores façam o mesmo.
É peculato – Opinião | Folha de S. Paulo
Apesar
do diminutivo, 'rachadinha' praticada por parlamentares é um crime grave
A
profusão de diminutivos na variante brasileira da língua portuguesa chama a
atenção de estrangeiros. Entre nós, o recurso não apenas denota pequenez, mas
indica intimidade. Sair para uma “cervejinha”, por exemplo, não diz respeito à
quantidade de álcool a ser consumida, apenas realça o caráter de camaradagem do
encontro.
Não
é coincidência que a prática de parlamentares de se apropriarem de parte dos
salários de seus assessores tenha sido apelidada de “rachadinha”. O diminutivo
aqui busca insinuar algo de menor gravidade; o termo também sugere uma prática
familiar.
E
ponha-se familiaridade nisso. O relatório do Coaf de 2019 que colocou na
berlinda o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) levantou indícios de
“rachadinha” contra 21 deputados e seis ex-deputados da Assembleia Legislativa
do Rio de Janeiro. No clã Bolsonaro, o filho mais velho não é o único suspeito
de tais práticas.
Não
obstante tratar-se de vício conhecido nos Legislativos do país, o Supremo
Tribunal Federal não tem precedentes sólidos acerca do desvio de
salários em gabinetes.
A
corte começou a analisar, na sexta (27), uma ação penal em que o deputado Silas
Câmara (Republicanos-AM) responde por prática similar à de que é acusado o
filho do presidente. O julgamento foi interrompido a
pedido do ministro Kassio Nunes Marques, recém-indicado por Bolsonaro.
Numa
interpretação extremamente benevolente, a “rachadinha” poderia não configurar
crime, desde que os funcionários envolvidos de fato trabalhassem e as doações
fossem voluntárias. Ainda assim, o político precisaria declarar o dinheiro e
recolher tributos.
Em
termos mais realistas, trata-se de peculato, isto é, o crime do servidor que toma
para si bem ou recurso público sob seu controle. Essa interpretação é reforçada
pelo fato de que, em muitas ocasiões, os funcionários que devolvem os salários
são fantasmas.
A melhor descrição para a “rachadinha” é de esquema fraudulento que políticos empregam para pôr as mãos em dinheiro do contribuinte. Ao contrário do que o diminutivo sugere, é um crime grave.
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