Resultado estaria definido, não fosse política e não fosse São Paulo.
A
apreensão sobre as eleições de 2020 era legítima. Desde 2014, o clima foi de
degradação política, níveis crescentes de conflito, ataques pessoais, e muitas,
muitas fake news. A expectativa quanto à extrema-direita, disposta a
desqualificar e a maldizer a democracia liberal, também estava presente – a
começar pela postura desde sempre beligerante do presidente da República.
Contudo, as eleições terminam com balanço positivo, pelo menos até aqui – infelizmente, a prudência ainda exige o reparo de precaução. Os conflitos ocorreram sob limites impostos pela civilização. À exceção do caso do Rio de Janeiro, onde Marcelo Crivella, no desespero da última hora, resolveu reviver 2018, as divergências foram discutidas em níveis aceitáveis; rusgas políticas e até familiares – caso do Recife – emergiram; denúncias foram feitas baseadas em pelo menos algum indício. De tudo um pouco, mas nada que o tempo e a aceitação dos resultados não superem.
A
extrema-direita teve crescimento apenas relativo nas Câmaras, contudo não
logrou sucesso nos Executivos. Os candidatos intensamente apoiados pelo
presidente Bolsonaro em seu horário eleitoral fake foram solenemente ignorados
pelos eleitores. Políticos experientes foram resgatados e a ideia de que a
solução dos problemas deve se dar pela via da negociação foi fortalecida.
Também
o fim das coligações proporcionais foi importante. O número de Câmaras
Municipais com até cinco partidos quase triplicou, já a quantidade de
parlamentos municipais com mais de cinco legendas foi reduzida a menos da
metade. No geral, os prefeitos terão melhores condições de negociação com as
forças políticas, a representação ficará mais nítida; em tese, a sociedade
observará sistema mais coeso. Agora, cabe não permitir que, no Congresso
Nacional, interesses contrariados anulem avanços nesse campo.
Na
maior cidade do País, São Paulo, a eleição transcorreu calmamente, em que pese
um ou outro excesso das torcidas. Como informou a jornalista Vera Magalhães,
Bruno Covas sabe que Guilherme Boulos não é radical e extremista; Guilherme
Boulos reconhece que Covas não é fascista ou bolsonarista.
Na
véspera, pesquisa Ibope/Estadão/TV Globo aponta estagnação: o prefeito
consolidado nos 48% do total de votos, e o psolista com significativos 36%;
indecisos, brancos e nulos ainda podem mudar o quadro. Mesmo assim, o resultado
estaria definido, não fosse política e não fosse São Paulo. No primeiro turno,
Boulos embolava em segundo lugar; na boca de urna, disparou.
As
urnas são soberanas e São Paulo é expressão da diversidade e autonomia da
política. Qualquer que seja o resultado, ele será democraticamente válido e
reconhecido. Deveria ser óbvio, mas isso tudo é muito positivo.
*Carlos
Melo, cientista político e professor do Insper
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