- O Estado de S. Paulo
O
deputado Eduardo Bolsonaro ocupa
a presidência da Comissão de Relações Exteriores e de
Defesa Nacional da Câmara desde março de 2019.
Ele acaba de alcançar sua primeira realização visível no cargo: fazer os chineses perderem sua milenar paciência. É
um feito notável, em tão pouco tempo.
“Brasil apoia projeto dos EUA para o 5G e se afasta
de tecnologia da China”, tuitou o filho do
presidente na noite de segunda-feira. “O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança
Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump,
criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China.” No dia
seguinte, o deputado apagou o tuíte, após se reunir com seu pai, com o ministro
das Comunicações, Fabio Faria, e com conselheiros da Anatel.
Outros
dois tuítes que o seguiam no “fio” foram mantidos, nos quais ele inclui o
Partido Comunista da China entre “entidades agressivas e inimigas da
liberdade”, e ressalta a parceria entre Brasil e EUA para bloquear a
participação da gigante fornecedora de equipamentos Huawei na frequência 5G.
A resposta do embaixador chinês, Yang Wanming, veio
na terça-feira, numa torrente de 17 tuítes inéditos pelo tom.
Depois de lembrar que um terço das exportações brasileiras é destinado à China,
e seu país é um dos maiores investidores no Brasil, Yang advertiu que “o deputado
tem produzido declarações infames que solapam a atmosfera amistosa entre os
dois países”, que podem ter “consequências negativas”.
O Itamaraty respondeu, em nota, que a China deveria ter usado os canais oficiais para se queixar. Em diplomacia, a escolha do canal é tão importante quanto o conteúdo da mensagem. A China respondera no Twitter porque fora atacada nele. Ao responder em comunicado oficial, o Brasil elevou o patamar da crise.
O
Conselho Empresarial Brasil-China lançou na quinta-feira, com a presença do
vice-presidente Hamilton Mourão, um estudo que define o país asiático como
parceiro e fonte de oportunidades em vez de ameaça e competidor. Mourão
declarou no evento que os dois países devem caminhar juntos, as relações se
intensificaram na pandemia e Eduardo não fala em nome do governo.
Além
da Huawei no 5G, o presidente e seu entorno têm atacado a segurança e eficácia
das vacinas chinesas contra covid-19. Esses são, hoje, os principais vetores
estratégicos da projeção global chinesa. Atacar os dois é o caminho mais curto
para ser visto como adversário da China. O Brasil não é obrigado a comprar nada
dos chineses. Fazer campanha contra seus produtos é chamar para a briga.
Repare
que o 5G e a vacina são produtos de investimentos em pesquisa e
desenvolvimento. De fato, o cerne da chamada “nova Guerra Fria” é a disputa
tecnológica entre Estados Unidos e China. Em contraste, a Guerra Fria original,
entre americanos e soviéticos, girava em torno da disputa ideológica entre
capitalismo e comunismo.
Naquela
época, muitos países foram compelidos a se alinhar a um ou outro polo, por
pressões de ordem geoeconômica. As motivações externas e internas do golpe de
1964 tiveram esse contexto.
A
atual geração de generais brasileiros entende essa diferença e se incomoda,
ainda que silenciosamente, com a tendência da ala chamada “ideológica” do
governo de entrar em um embate desnecessário e prejudicial aos interesses do
Brasil. O presidente deu baixa do Exército em 1989, ano da queda do Muro de
Berlim, e no início da transição brasileira rumo à democracia.
Bolsonaro saiu com a patente de capitão, que não dá acesso às análises de cenário dos cursos dos oficiais superiores, nas promoções de major até general. O presidente e seus seguidores olham o mundo pelo retrovisor, com as referências de uma Guerra Fria encerrada há três décadas.
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