quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O agronegócio: alavanca para o futuro – Opinião | O Estado de S. Paulo

O agronegócio é peça-chave para que o Brasil possa ser celeiro do mundo e guardião da maior biodiversidade do planeta

Em algumas décadas o Brasil passou de importador a um dos maiores exportadores agrícolas do mundo, em vias de se tornar o maior. Em chocante contraste com a indústria, essa história de sucesso foi calcada no empreendedorismo, boas políticas de crédito e fomento, parcerias público-privadas e pesquisa e inovação de ponta. Não à toa o agro foi o único setor com desempenho positivo na pandemia – literalmente a “salvação da lavoura” nacional.

A agropecuária se encontra em um momento crucial da história, dadas as oportunidades e desafios gerados pelo crescimento demográfico, inovações biotecnológicas, demandas de sustentabilidade e atritos comerciais entre potências como EUA, China e Europa. Em contrapartida, as políticas externa e ambiental autodestrutivas do governo, combinadas à difamação promovida por demagogos e competidores internacionais, têm provocado distúrbios que ameaçam o desenvolvimento do setor.

Assim, foi mais do que oportuno o foco do Summit Agronegócio, promovido pelo Estado, no tema Reputação do agro – erros, acertos e exigências aqui e lá fora.

Entre as constatações positivas, há um consenso de que o agro melhorou a tecnologia, elevou a eficiência e vem reduzindo fortemente a pressão por desmatamento ao recuperar áreas degradadas com processos que combinam a redução de gases de efeito estufa com mais produtividade.

Ao mesmo tempo, há uma apreensão geral com os desconcertos entre o poder público e o agro que produz e preserva. Todas as partes interessadas concordam que é imperativo implementar plenamente o Código Florestal, sobretudo no combate ao desmatamento. Além disso, é indispensável mobilizar esforços para a regularização ambiental e fundiária.

Ante esses desafios, assim como em setores como produtividade, sustentabilidade, redução de custos e crédito, há altas expectativas em relação às novas tecnologias digitais. Mas nesse ponto, a gargalos históricos – como a infraestrutura deficitária de transporte e logística – vêm se juntar novos, como a conectividade no campo. Isso demandará um esforço do poder público para otimizar seus investimentos e modernizar quadros regulatórios que facilitem a injeção de capital privado.

A pressão por boas práticas ambientais e segurança alimentar de potências geopolíticas e de megablocos de investidores só aumentará. É imperativo que o poder público e a iniciativa privada se alinhem para fortalecer a comunicação em fóruns internacionais das conquistas brasileiras, das quais o Summit apresentou um mostruário condensado, mas substancioso, como a integração lavoura-pecuária-floresta, matrizes bioenergéticas limpas, agricultura intensiva, melhoramento genético e bem-estar animal.

Em especial a pecuária, comumente vista como “o calcanhar de aquiles” da reputação ambiental do agronegócio, pode ser uma alavanca transformadora. Muitos experimentos bem-sucedidos comprovam que a pecuária pode não só ser sustentável, como contribuir fortemente para o sequestro de gases de efeito estufa. O desafio para os próximos anos é aprimorar e disseminar essas técnicas em larga escala.

A regularização ambiental e a regularização fundiária também são fundamentais. Muitos movimentos ambientalistas, ainda que bem-intencionados, vilanizam todo esforço de reinclusão de produtores com histórico de irregularidades ambientais e a regularização de propriedades rurais como um favorecimento à grilagem e ao desmatamento. Mas é preciso separar o joio do trigo. Sem prejuízo da punição aos criminosos, uma regularização fundiária bem feita, além de facilitar a fiscalização ambiental, pode reintegrar à cadeia produtiva milhões de pequenos produtores e suas famílias, que atualmente trabalham na clandestinidade e em situação de alta vulnerabilidade jurídica e social.

O agronegócio é provavelmente a peça-chave para que o Brasil possa cumprir a sua dupla vocação de celeiro do mundo e guardião da maior biodiversidade do planeta. Não se pode poupar esforços para aprimorar suas práticas imperfeitas e coibir as más – mas é preciso ao mesmo tempo, e com igual ênfase, prestigiar as boas.

Improviso na educação – Opinião | O Estado de S. Paulo

MEC não homologa resolução do CNE sobre aulas virtuais até 2021 e gera insegurança

Enquanto pais de alunos da cidade de São Paulo ameaçam – com base num manifesto já assinado por 8 mil pessoas – impetrar uma ação popular para pedir a retomada das aulas presenciais das escolas privadas e públicas ainda neste ano, o Ministério da Educação (MEC) até agora não homologou a decisão tomada há quase dois meses pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) que permite a continuidade das aulas virtuais até dezembro de 2021. Esse prazo representa um ano a mais que o período de duração do decreto federal que estabeleceu o estado de calamidade pública por causa da pandemia.

Esses dois fatos dão a medida de como a educação brasileira vem sendo gerida de modo improvisado em todos os seus níveis. Como o presidente Jair Bolsonaro é a favor do ensino presencial, apesar de não ter conhecimento técnico na área, o titular do MEC, ministro Milton Ribeiro, eximiu-se de referendar a decisão do mais importante órgão colegiado do setor educacional brasileiro. O CNE tem autonomia para definir as linhas programáticas referentes à educação. Suas decisões, contudo, precisam ser homologadas pelo ministro. O detalhe é que os dois representantes do MEC votaram em favor da prorrogação do ensino virtual por mais um ano, colidindo assim com a posição do Palácio do Planalto. 

A resolução do CNE foi aplaudida pelos secretários estaduais e municipais de Educação de todo o País, uma vez que procura dar conta das diferentes dificuldades enfrentadas pelo ensino fundamental, médio e superior em todo o País. Ela também ampliou o alcance de casos excepcionais de atendimento educacional por causa da covid-19. E ainda acolheu reivindicações feitas por instituições particulares de ensino básico e superior. No ensino básico, por exemplo, ela propõe a integração dos currículos de 2020 e 2021. E recomenda que o retorno às aulas presenciais – que estão suspensas desde março – só seja autorizado se estiver amparado em protocolos das autoridades locais, com regras de escalonamento nas escolas.

No entanto, caso a resolução não seja homologada, por causa da queda de braço entre o CNE, de um lado, e um Ministério da Educação entregue aos caprichos do presidente Jair Bolsonaro, de outro, os Estados e os municípios não poderão, como está ocorrendo excepcionalmente em 2020, computar em 2021 as atividades remotas como parte da carga horária obrigatória de aulas.

Além disso, como o impasse deixa as escolas públicas e particulares sem diretrizes oficiais, a insegurança jurídica pode levar à judicialização da resolução do CNE e da omissão do MEC, seja por iniciativa do Ministério Público, seja por meio de ações populares. Em decorrência do impasse, os conselhos estaduais e municipais de Educação também não terão como fundamentar suas resoluções locais com base numa resolução nacional, como é comum numa Federação.

Na última quinta-feira, ao lado de Bolsonaro, o ministro da Educação afirmou que a responsabilidade pelo retorno das aulas presenciais está a critério de cada rede de ensino. Mas, na ausência de diretrizes federais, quaisquer que sejam as decisões que as redes e as escolas vierem a tomar, elas poderão ser questionadas nos tribunais.

Além de não homologar a resolução do CNE sem oferecer explicações técnicas, o ministro da Educação, que está no cargo há quatro meses e meio, vem primando pela lentidão administrativa num período de grave crise de saúde pública. Só em outubro, depois de quase nove meses de fechamento das escolas, o MEC anunciou uma linha de financiamento relacionada à pandemia. 

No mundo inteiro, os impactos da covid são o maior desafio para os dirigentes educacionais já surgido nas últimas décadas, exigindo capacidade de articulação dos governos centrais com os governos regionais e locais. Pela inépcia do MEC e por tudo o mais que o governo Bolsonaro vem mostrando no setor, o Brasil está infelizmente sendo derrotado nessa empreitada, prejudicando com isso, de modo irrecuperável, a formação das novas gerações.

Fuga da realidade – Opinião | O Estado de S. Paulo

Dados do Inpe mostram que a Amazônia tem o maior desmatamento em 12 anos

A devastação ambiental está cada dia mais fora de controle. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgados no último dia 30 mostram que o desmatamento na Amazônia teve uma alta de 9,5% no último ano, atingindo, pelo segundo ano consecutivo, a maior taxa desde 2008. Entre agosto de 2019 e julho deste ano, a devastação alcançou 11.088 km². O avanço desde o início da gestão de Jair Bolsonaro interrompe uma sequência de dez anos em que o desmatamento ficou abaixo de 10 mil km².

Com essa taxa, o País deixou oficialmente de cumprir a principal meta da Política Nacional de Mudanças Climáticas, de 2010, que estabeleceu em lei que o desmatamento em 2020 seria de no máximo 3,9 mil km². Entre 2004 e 2012, o Brasil conseguiu reduzir em 83% a média anual de desmatamento: de 27,7 mil km² para 4,5 mil km². Desde então, a média passou a flutuar para cima, e agora está se acentuando. Em comparação com a média dos dez anos anteriores à posse de Bolsonaro (6,5 mil km²), o desmatamento cresceu 70%. Agora, o País está num nível 184% superior à meta legal.

Os dados foram apresentados num evento que contou com a presença do vice-presidente e diretor do Conselho da Amazônia, Hamilton Mourão, e, caracteristicamente, com a ausência do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Mourão ensaiou uma meia mea culpa: “Iniciamos tarde o nosso trabalho de combate neste ano” – isso com quase dois anos de mandato do governo e um ano da criação do conselho. Ademais, em 2018/19 o desmatamento já havia avançado 34%.

Com efeito, em agosto de 2019 foi decretada uma Garantia da Lei e da Ordem na região, que chegou a reduzir um pouco as queimadas, mas não o desmatamento. Em maio deste ano, as Forças Armadas voltaram à floresta, mas a devastação deu poucos sinais de arrefecimento.

“Temos de melhorar isso aí”, disse Mourão. “Não fugimos do que é a nossa realidade, do que são os números reais.” O governo insiste na tese de que a maior parte das queimadas estaria ocorrendo em áreas já desmatadas há muito tempo, o que não colocaria em risco a floresta em pé. Mas dados do Inpe e da Nasa mostram que desde agosto de 2019 quase metade das queimadas ocorreu em áreas recentemente desmatadas.

Além disso, documentos vazados do Conselho da Amazônia indicam a intenção de manter a taxa de desmatamento em cerca de 8 mil km² – 1,5 mil km² acima da média da última década e mais de 4 mil km² acima da meta da Política de Mudanças Climáticas. Estabelecida a partir de um compromisso do Brasil por ocasião da Conferência do Clima de Copenhague, em 2009, essa meta foi, de passagem, questionada por Mourão.

Mas, ao referendar os indicadores do Inpe, o vice-presidente está ao menos um passo à frente – ou menos um passo atrás – do que o presidente. Há poucos dias, na cúpula do G-20, Bolsonaro minimizou a devastação e declarou ter a “determinação de buscar o desenvolvimento sustentável em sua plenitude, de forma a integrar a conservação ambiental à prosperidade econômica e social”.

Mas seus atos desmentem flagrantemente suas palavras. Bolsonaro chegou a demitir o presidente anterior do Inpe por discordar, sabe-se lá com base em quê, dos dados registrados pelos satélites. Há mais de um ano as cobranças de multas ambientais pelo Ibama estão paralisadas – assim como os recursos do Fundo Amazônia. O órgão também produziu medidas que facilitam a exportação de madeira ilegal, e o documento vazado do Conselho da Amazônia sugere a intenção temerária de fundir o Ibama e o ICMBio. Recentemente, o superintendente do Ibama na Bahia, nomeado pelo ministro Ricardo Salles, cancelou uma multa dada por sua própria equipe para liberar construções de prédios de luxo numa área de preservação permanente.

Assim, a realidade desastrosa com a qual o vice-presidente demonstra algum desconforto segue sendo não só negada a plenos pulmões pelo presidente, como agravada pelo desmonte dos mecanismos de fiscalização e repressão que ele e seu ministro do Meio Ambiente estão promovendo a olhos vistos.

É inaceitável que Orçamento ainda não esteja pronto – Opinião | O Globo

A poucos dias de acabar o ano, ainda não se tem planejamento confiável para as contas públicas

O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre, anunciou para o próximo dia 16 a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Na aparência, levou seis meses até o governo chegar a um entendimento inicial com sua base parlamentar sobre metas e prioridades para o ano que vem.

A LDO deveria ter sido decidida até 31 de agosto. Só será aprovada a esta altura do ano em virtude do calendário corporativo dos senadores e deputados. Se não for promulgada, o Congresso não poderá entrar no recesso de fim de ano, no dia 23. A pressa, agora, apenas confirma a relação pantanosa entre o governo e os partidos que o apoiam no Congresso.

Como também não há sinal de entendimento entre líderes do governo e da oposição no Legislativo, o Brasil começará 2021 com uma lei de diretrizes, mas sem a Lei Orçamentária Anual, aquela onde se define quanto e onde será gasto o dinheiro público federal, com base no valor total arrecadado pelos impostos e no custo da máquina operada pelo Estado.

Isso mesmo: a poucos dias de acabar o ano, ainda não se tem um planejamento minimamente confiável para as contas públicas. Não há nem sequer comissão mista formada para analisar, debater e encaminhar a votação do Orçamento, como determina a lei.

O Congresso também tem passado ao largo do principal problema que cerca as contas públicas: o abismo fiscal em que o país se enfiou. Não há sombra de decisão sobre a Proposta de Emenda Constitucional que regulamenta os “gatilhos” a acionar em caso de ameaça ao teto de gastos. Dia 31 acaba o tal “orçamento de guerra”, que permitiu ao governo ampliar despesas na emergência da pandemia, escavando ainda mais um buraco orçamentário já profundo. O governo nem resolveu o que quer votar no Congresso. Age como se os problemas fiscais pudessem ser resolvidos por inércia.

É absurdo, porque o país enfrenta a mais devastadora crise sanitária e econômica da História recente, com endividamento recorde. Há uma fila de 14 milhões de desempregados. Não se tem nem mesmo traço de solução encaminhada para o tão falado programa de renda mínima que, na emergência da pandemia, alcançou 66 milhões e contribuiu para a popularidade de Jair Bolsonaro. Descontados os 14 milhões já assistidos pelo Bolsa Família, ficarão para trás cerca de 52 milhões de brasileiros.

É inaceitável que, no atual estágio da crise, ainda não se tenha perspectiva sobre o equilíbrio das contas públicas, nem sobre o impacto em tributos, juros, inflação, câmbio ou salários. É preciso lembrar que em breve estará em jogo um novo teste de confiança sobre a capacidade de solvência do Estado brasileiro: nada menos que R$ 500 bilhões da dívida pública vencem no primeiro semestre.

Leis orçamentárias são a base de todo governo. Executivo e Legislativo precisam se mover e cumprir os respectivos papéis. O país não pode continuar sem plano nem rumo.

Estratégia de vacinação do governo acerta no óbvio e omite o essencial – Opinião | O Globo

Não se sabe que vacinas serão aplicadas, como serão fabricadas e distribuídas, nem quanto custarão

A rigor, nem dá para chamar de estratégia os planos divulgados pelo governo para vacinação contra a Covid-19. Não se sabe que vacinas serão aplicadas, nem por quem. Não se sabe como serão fabricadas, armazenadas ou distribuídas. Não se sabe quantas doses estarão disponíveis, muito menos quanto custarão.

Não haveria, é verdade, como elaborar uma estratégia consistente, já que não há vacina aprovada. Diante da impossibilidade categórica, o governo divulgou apenas a meta para 2021 (vacinar metade da população, ou 110 milhões de brasileiros) e a ordem de prioridade. Acertou no óbvio e consensual: aplicar a vacina primeiro nos profissionais de saúde e grupos sob maior risco.

Também acertou ao moderar as expectativas, já que vai demorar até haver vacina disponível para todos. Acertou, por fim, ao deixar claro que não dá para contar com vacinas cuja logística depende de temperaturas muito baixas, como as da Pfizer ou da Moderna. Não faria sentido incluí-las num programa público de abrangência nacional.

O objetivo da campanha de vacinação não deve ser erradicar a doença, nem há meios de fazer isso. O importante é imunizar brasileiros em quantidade suficiente para conter o contágio e reduzir o impacto do vírus no sistema de saúde. É tornar à Covid-19 tão próxima quanto possível de uma doença endêmica. O Brasil leva enorme vantagem por dispor de programa nacional testado há décadas contra gripe, meningite, pólio ou sarampo.

A principal lacuna no plano divulgado pelo Ministério da Saúde — e principal incógnita — ninguém tem como responder: quais vacinas serão usadas? Na prática, embora não diga isso, o governo federal apostou suas fichas na do laboratório AstraZeneca. Só que, depois de resultados promissores, ficou claro que, em virtude dos erros cometidos nos testes finais, ela atrasará meses.

Isso levanta uma questão de repercussão política evidente: o que acontecerá se a chinesa CoronaVac, propagandeada pelo governador paulista, João Doria, se revelar satisfatória nos resultados prometidos para daqui a duas semanas? Estará o presidente Jair Bolsonaro disposto a abrir mão de sua resistência ideológica ao que vem da China — expressa também na telefonia celular de quinta geração (5G)? Aceitará distribuir aquela que ele próprio chamou de “vacina do Doria” ?

E se, ao contrário, a CoronaVac fracassar? As demais vacinas a nosso alcance ou demorariam meses, ou estariam disponíveis em quantidade insuficiente. Desprezar a CoronaVac, portanto, é um erro imperdoável. Se ela der certo logo, contudo, o Brasil não estará imune ao conflito político, que também custará vidas. Eis o preço de politizar uma questão científica, como fizeram Doria e Bolsonaro.

A hora da vacina – Opinião | Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro apresenta seu plano de imunização; que não falhe desta vez

O Reino Unido tornou-se, nesta quarta (2), a primeira nação do mundo a aprovar uma vacina contra a Covid-19 seguindo os protocolos consagrados da pesquisa médica. A primazia coube ao imunizante produzido pelas farmacêuticas Pfizer e BioNTech, que nos testes apresentou eficácia de 95%.

A notícia alvissareira encerra também um feito científico de proporções históricas. Todo o processo, da concepção à autorização, deu-se em apenas dez meses, fazendo desta a vacina mais rapidamente desenvolvida —o recorde anterior era de quatro anos, e o tempo médio de desenvolvimento chega a uma década.

Ao menos num primeiro momento, porém, o imunizante não estará disponível para os brasileiros. O país restringiu seus contratos de compra antecipada aos produtos da Universidade de Oxford-AstraZeneca e da Sinovac.

Ambos encontram-se na fase final de testes, embora o primeiro, em razão de problemas metodológicos, precise ainda passar por um ensaio clínico adicional.

Enquanto a vacina não chega, o governo federal começa a preparar sua estratégia de imunização. Na terça (1), autoridades sanitárias anunciaram as metas e prioridades iniciais da campanha.

Na primeira etapa, deverão ser contemplados profissionais de saúde, idosos a partir de 75 anos (ou a partir de 60 anos vivendo em asilos ou instituições psiquiátricas) e indígenas. Em seguida, as pessoas com idade entre 60 e 74 anos.

Num terceiro momento serão atendidos indivíduos com comorbidades e, depois, professores, agentes de segurança, do sistema prisional e a população carcerária. Se tudo correr como previsto, o país terá, ao final de 2021, vacinado cerca de 50% da população.

O plano parece correto em suas diretrizes gerais. Ressalte-se, porém, a importância de examinar a inclusão, entre os profissionais de saúde, daqueles responsáveis pela segurança e limpeza de postos de saúde e hospitais, os quais compartilham o mesmo ambiente de médicos e enfermeiros.

Segundo o ministério, a estratégia só ficará pronta quando houver vacina registrada pela Anvisa. Embora a opção não seja de todo injustificada, a delonga para definir os detalhes tende a avultar um desafio logístico já imenso.

Fabricantes de seringas, por exemplo, já alertam que a demora do governo para realizar a encomenda do produto pode ocasionar atrasos na campanha planejada.

A administração de Jair Bolsonaro notabilizou-se até agora por erros, omissões e sabotagens na condução da pandemia. Espera-se que, ao menos na vacinação, área na qual o Brasil possui reconhecida expertise, não falhe novamente.

Facultativo, na prática – Opinião | Folha de S. Paulo

Norma obsoleta do voto obrigatório é esvaziada com aprendizado dos eleitores

O processo é paulatino, mas os brasileiros parecem se dar conta de que, embora o voto seja formalmente obrigatório para a maioria dos cidadãos, a possibilidade de abstenção sem maiores consequências o torna facultativo na prática.

Assim o indica a série histórica. Nas eleições municipais de 2000, 16,2% dos eleitores não foram votar. Essa proporção seguiu tendência de alta gradual, pleito a pleito, e atingiu, agora, a marca de 29,6%. Ainda que se considere este 2020 um ano atípico, em razão da pandemia de Covid-19, já em 2016 a taxa chegava a expressivos 21,6%.

Dito de outra maneira, os percentuais de comparecimento não ficam muito acima dos observados em países onde o voto é facultativo.

No papel, as sanções para quem não comparece à urna nem justificar a ausência são duras. Incluem não poder participar de licitações e concursos públicos, matricular-se em estabelecimentos de ensino oficiais e tirar passaporte. Caso o abstinente seja servidor público, fica sem receber seus vencimentos.

Na vida real, entretanto, é raro que se chegue a tais extremos. O eleitor tem prazo de 60 dias para justificar a ausência; na falta de um motivo convincente, precisa pagar uma multa —mas seu valor é irrisório, não excedendo R$ 4.

Até alguns anos atrás, o incômodo de enfrentar a burocracia entre cartórios e bancos ainda funcionava como bom incentivo ao voto. Mas, com a informatização, a tarefa se torna cada vez mais simples.

A depender da distância que o cidadão precisa percorrer para votar e do meio de transporte que utiliza, pode ser mais fácil e barato pagar a multa do que visitar a urna.

Deixar que cada eleitor decida se exercerá ou não o direito ao voto não é um problema. Esta Folha defende há tempos que o voto deixe de ser obrigatório, como ocorre na esmagadora maioria das democracias. O esvaziamento da norma brasileira reflete sua obsolescência.

Para políticos e partidos, já não basta conquistar a preferência dos eleitores —é preciso também motivá-los a sair de casa e ir à urna. O trabalho dos institutos de pesquisa também fica mais difícil.

O fato é que não devemos mais esperar comparecimento elevado em todos os pleitos, em especial nos municipais. Os índices tendem a subir ou cair conforme as disputas sejam percebidas como mais ou menos decisivas pelo público. Essas variações fazem parte da democracia e em nada diminuem a legitimidade dos eleitos.

FMI pede cautela ao Brasil em retirar estímulos fiscais – Opinião | Valor Econômico

Eliminar o apoio fiscal será um grande desafio

A pandemia piorou o que já era muito ruim na economia brasileira - baixo crescimento potencial, enorme desigualdade de renda e fraca posição fiscal - e começar a sair dessa armadilha que condena o país a um futuro medíocre exigirá, como sempre, reformas - enunciadas, mas não feitas. O diagnóstico feito pelo Fundo Monetário Internacional, divulgado ontem, é resultado de visita de missão ao Brasil de 21 de setembro a 2 de outubro. Em vários pontos do relatório, há a sugestão condicional de que o país não volte já ao ponto fiscal que se encontrava antes da covid-19. Ao FMI, a equipe econômica disse que a recuperação será forte o suficiente e que não vê “necessidade de mais estímulos”.

Política, como é praxe, a direção do Fundo elogia a determinação de se manter o teto de gastos e de que o governo concorde, caso as condições econômicas piorem, em lançar mais uma rodada de apoio fiscal. Mas alguns diretores pediram cautela na retirada abrupta do suporte fiscal. O documento sugere, por exemplo, que o governo “realoque recursos sob o teto de gastos para fortalecer em bases permanentes a rede de segurança social”.

O FMI encara o dilema que envolve a economia a curto prazo: a retirada dos estímulos fiscais prematuramente enfraqueceria a recuperação, mas seu prolongamento por um bom tempo aumentaria a desconfiança na sustentabilidade da dívida pública. Dado o elevado nível da dívida brasileira antes da covid-19 e o baixo nível de crescimento, o viés do FMI é por reacomodação dentro do teto. Uma consolidação de programa sociais, como abono, BPC e outros não bem focados daria dinheiro para reforçar a rede de proteção social, mas o presidente Jair Bolsonaro já disse que rejeita a ideia.

Eliminar o apoio fiscal será um grande desafio. Significará, segundo os técnicos do Fundo, uma contração das despesas primárias de 8,4% do PIB, o dobro dos 4% de aperto médio planejado pelos países do G-20. O relatório chega a sugerir um gasto de 2% do PIB apenas uma vez, que poderia elevar o PIB em até 3 pontos no período 2021-2025 e, em determinadas condições, aumentar apenas 0,5 ponto percentual a dívida bruta em 2025, projetada em 102,3% do PIB.

Este gasto público poderia dobrar o multiplicador fiscal de 0,6 para 1,2, com efeitos benéficos dentro de certas condições - e esse é o problema. Essas despesas extras propiciariam mais crescimento sem quase mexer na trajetória fiscal desde que haja acomodação monetária, ou seja, sem que os juros subam. Mas se houver desconfiança de leniência fiscal, outra seria reação: o BC subiria os juros no período em 2 pontos percentuais, o prêmio de risco iria a mais de 370 pontos, o PIB cairia 4 pontos percentuais ao longo destes anos e a dívida bruta aumentaria 7 pontos percentuais em 2025, e continuaria crescendo. A relação dívida-PIB aumentaria 10 pontos percentuais.

Os técnicos do FMI vêm vantagens óbvias na alternativa, que tem grandes riscos. Há um enorme hiato do produto (4,5% hoje) e encerrar as transferências de renda quando as famílias se deparam com enorme desemprego ampliaria as desigualdades. Mais: o cenário base do FMI prevê crescimento de 2,8% em 2021, e de 2,2% nos próximos anos. Nesse passo, o PIB brasileiro só voltaria ao nível pré-pandemia no segundo trimestre de 2023 - se tudo der certo. Seria manter trajetória medíocre, pouco melhor que a de 2017-2019, que o FMI qualifica como “a recuperação mais lenta do Brasil em sua história”, que figura entre “as 10% mais fracas retomadas no mundo nos últimos 50 anos”.

A condição para prosseguir com auxílio emergencial extra e melhor calibrado e um adequado programa de proteção de emprego é o avanço das reformas estruturais: reduzir a rigidez orçamentária e a vinculação de gastos, racionalizar programas sociais, reformar o arcabouço econômico de Estados e municípios e remodelar o sistema tributário. Ser bem-sucedido nesta tarefa permitiria ao Estado poupar 3,5% do PIB.

O relatório mostra, com ensaios com a curva de Taylor, que o Banco Central pode até “continuar a cortar os juros e usar seu forward guidance até quando as expectativas inflacionárias permaneçam abaixo da meta”. O BC disse aos técnicos do FMI que o ‘forward guidance’ só será mantido se não houver guinada na política fiscal. O Fundo reconhece que há o risco para a estabilidade financeira, prefigurado na abrupta inclinação da curva de juros, um sinal de alerta que tem de ser considerado. Como a inflação subiu nos últimos meses, a hipótese do Fundo sobre a questão tende a ser arquivada.

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