quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Zeina Latif* - Ao vencedor, as 'batatas'

- O Estado de S. Paulo

Os dados sugerem que boas gestões foram valorizadas pelos eleitores

 “Não acho que quem ganhar ou quem perder (…) vai ganhar ou perder.” Esse trecho da curiosa frase da ex-presidente Dilma pode ser, ironicamente, uma boa descrição do resultado das eleições. Mas há luz no fim do túnel.

Essa não foi apenas mais uma eleição. O momento é particularmente difícil. Primeiro, as cidades enfrentam grave quadro fiscal, principalmente as capitais que sofrem com os gastos crescentes com aposentadorias e pensões. E as prefeituras precisarão retomar, em 2021, os aportes nos seus regimes próprios de previdência e o pagamento do serviço da dívida, suspenso este ano. 

Segundo, a perspectiva de vacinação em massa é uma miragem, devendo a pandemia ainda afetar o setor de serviços e, portanto, a arrecadação do ISS, enquanto os gastos com saúde se mantêm elevados. Além disso, será necessário o reforço na educação, depois do ano perdido.

Em muitos casos, o prefeito será administrador de restrições fiscais, enquanto enfrentará dificuldades políticas para aprovar reformas nos Legislativos tão fragmentados.

Assumir prefeituras neste momento implica arriscar a carreira política. A euforia dos vencedores agora poderá se transformar em mal-estar rapidamente. Por outro lado, os derrotados poderão se preservar do enfrentamento dos grandes problemas. Estarão no confortável papel de oposição, sem muita responsabilidade nas críticas e sem contribuir para a solução dos problemas dentro do Legislativo.

Vejamos o caso do DEM, com sucesso inquestionável na eleição. O partido recuperou a estatura de 2008 e perdida nas duas eleições subsequentes. No entanto, a prefeitura do Rio de Janeiro, sua maior conquista, terá enorme abacaxi para descascar, pois a cidade está no grupo daquelas com piores indicadores fiscais.

O quadro das finanças nas capitais não é homogêneo, o que é natural em algumas métricas. Cidades mais ricas têm maior capacidade de arrecadação e, portanto, endividamento. A dívida média das capitais estava em 26,4% da receita corrente líquida em 2019, mas em um intervalo que vai de 6,1% (Boa Vista) a 80,3% (São Paulo).

Já a rigidez orçamentária é problema na grande maioria, por conta dos gastos com pessoal. A discussão está muito mais para quem está menos pior. No Índice Firjan de Gestão Fiscal, 70% dos municípios têm situação crítica ou difícil nesse quesito. Destoa bastante o Rio de Janeiro, com 79% da receita líquida comprometida com o gasto bruto com pessoal. São Paulo, no outro extremo, mas não isolado, tem 46,3%.

Outro indicador calculado pelo Tesouro Nacional é a proporção do orçamento comprometida com gastos de custeio, que visa a medir o grau de rigidez orçamentária. Patamar mais baixo pode significar maior capacidade de investir. Mais uma vez, dentre as capitais, o Rio de Janeiro é a pior delas, com 66,3%. Merece aplausos Salvador, com 44,9%. Talvez isso ajude a explicar o feito de ACM Neto de eleger seu sucessor, Bruno Reis, depois de dois mandatos.

Com base em um exercício simples, avalio que dois fatores podem ter contribuído para explicar a capacidade dos atuais prefeitos de se reelegerem (no primeiro ou segundo turno) ou elegerem seu sucessor: a competência em lidar com a pandemia, medida pela quantidade de mortes em relação à população, e a situação fiscal, medida pela razão entre o gasto com custeio e o gasto total – em que pese o fato de poder haver relação entre eles. 

Um exemplo de sucesso foi a eleição em primeiro turno de Alexandre Kalil em Belo Horizonte, cidade que se destaca favoravelmente nos dois quesitos acima.

O tema merece investigação mais profunda. De qualquer forma, os dados sugerem que boas gestões foram valorizadas pelos eleitores, mesmo que em meio à polarização. Uma boa notícia.

Uma palavra final: vale a pena os governadores não repetirem os erros do presidente e coordenarem esforços dos municípios, estimulando as boas gestões e replicando políticas públicas bem-sucedidas. O benefício será de todos.

*Consultora e doutora em economia pela USP

 

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