quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Bruno Boghossian – Bolsonaro e a fila do desemprego

- Folha de S. Paulo

Sem auxílio emergencial, governo deposita uma confiança exagerada na recuperação do emprego

Jair Bolsonaro ainda não conseguiu dimensionar o choque que a economia do país deve sofrer na virada do ano. O governo já sabe que o fim do pagamento do auxílio emergencial será um problema, mas não tem ideia do que fazer com os milhões de brasileiros que ficarão com pouco ou nenhum dinheiro.

O presidente repete a ideia de que o socorro aos mais pobres não deve ser prorrogado. Na terça (1º), ele disse que “alguns querem perpetuar tais benefícios” e emendou: “Ninguém vive dessa forma. É o caminho certo para o insucesso”. Já se sabe que um novo programa social não cabe no Orçamento, mas faltou apontar a direção de uma outra estrada.

Bolsonaro falou sobre o auxílio durante um evento na fronteira com o Paraguai. O recado veio segundos depois que ele fez um aceno aos “humildes funcionários” da obra de uma ponte. O receituário para a economia saiu na forma de um clichê: “Nada dignifica mais o homem do que o trabalho. É o que nós precisamos”.

A doutrina bolsonarista costuma contrapor proteção social ao trabalho. No passado, o presidente dizia que o Bolsa Família era “um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dar a quem se acomoda”. Em maio, Paulo Guedes (Economia) torcia o nariz para a prorrogação do auxílio, porque “aí ninguém trabalha”. “O isolamento vai ser de oito anos, porque a vida está boa”, declarou.

Esticar o auxílio emergencial indefinidamente não é uma solução plausível, mas o governo parece depositar uma confiança exagerada na recuperação do mercado de trabalho. O número de pessoas procurando emprego já aumentou, e há poucos sinais de que a economia terá capacidade de absorver aqueles que ficarão desamparados daqui por diante.

Até agora, o governo não ofereceu um plano razoável para melhorar esse ambiente. Quando os brasileiros começaram a morrer de complicações provocadas pelo coronavírus, Bolsonaro lançou a infame declaração: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. Na fila do desemprego, esse slogan também não vai colar.

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