quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Carlos Alberto Sardenberg - Com Covid, sem recuperação econômica

Governos com um mínimo de bom senso deveriam fazer contratos antecipados com farmacêuticas

Há uma coincidência na montagem de cenários econômicos: o ponto de partida é sempre a vacina.

O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, disse isso; a OCDE foi na mesma toada; e os mercados reagem na mesma direção. Quanto mais cedo tivermos a vacina, mais rápida será a recuperação econômica.

É o óbvio, não? Todo mundo vacinado, toda a atividade econômica pode ser retomada sem medo.

Assim, qual deveria ser o esforço dos governos com um mínimo de bom senso? Ir atrás das vacinas, fazer contratos antecipados com as farmacêuticas, montar os sistemas de vacinação, o que inclui compra de material (seringas, agulhas) e preparar os técnicos.

Saiu a primeira vacina aqui do nosso lado, a da Pfizer, já aprovada na Inglaterra e em via de aprovação nos Estados Unidos e na União Europeia. No Reino Unido, a vacinação começa nestes dias. Nos outros, entre o final de dezembro e início de janeiro.

E o governo brasileiro?

Explicou que não vai dar. Que a vacina tem que ser guardada a 70 graus negativos e que não temos equipamentos para isso.

Fomos verificar — e o que encontramos?

Ok, o SUS não tem.

Mas hospitais e laboratórios privados têm. O Fleury, por exemplo, tem, como disse à CBN o infectologista Celso Granato, diretor clínico do laboratório. Disse mais: que a instituição poderia ser utilizada pelo SUS para armazenar as vacinas.

Perguntamos: o governo fez algum contato?

Resposta: não.

Acrescentou o doutor Granato: a vacina da Pfizer vem numa embalagem que dura seis dias. Depois de aberta, ainda há mais cinco ou seis dias de validade para ser aplicada.

E ainda: há no mercado mundial fabricantes que podem entregar esses freezers que vão a 70 graus negativos.

O governo Bolsonaro fez contato nessa direção? Também não.

Falei com dirigentes de outras instituições privadas, algumas das quais estão em conversa com a Pfizer. O que disseram? Que a farmacêutica reluta em vender as vacinas para instituições privadas de um país sem vendas também para o setor público ou sem que haja um acordo com os governos.

Trata-se de uma questão de ética, responsabilidade e, claro, de receio de perder prestígio. Quer dizer que a vacina vai para os ricos que podem pagar e não para o povão?

É certo que a complexidade da operação com a vacina da Pfizer a torna limitada. Seria limitada aos grandes centros, onde existem os equipamentos, e aplicadas no pessoal da saúde e nos grupos de risco. Mas já resolveria parte do problema, não é mesmo?

Se o governo estivesse, ao mesmo tempo, empenhado na aquisição de outras vacinas, seria um bom ponto de partida. E não temos isso.

Os dirigentes de instituições privadas estão falando com a Pfizer. O governo não, nem com a farmacêutica, nem com as instituições privadas que poderiam ser parceiras no processo.

Como ocorreu, aliás, nos testes. Instituições privadas foram credenciadas para aplicá-los.

Mas agora é mais complexo. Para correr atrás das vacinas, o governo Bolsonaro precisaria entender que a vacina é a condição para a retomada econômica. Como sempre pensou errado — tratar da doença ou da economia —, o país vai ficar, neste momento, com os dois piores resultados: com a Covid e sem a recuperação.

O governo Bolsonaro tem uma aposta: a vacina da Oxford/AstraZeneca, em colaboração com a Fiocruz. Depois de muito questionado, o Ministério da Saúde apresentou um esboço de plano de vacinação e informou que espera receber 15 milhões de doses em fevereiro. E mais 85 milhões ao longo do ano, até que a Fiocruz comece a produzir.

E as seringas? Fabricantes do setor e fornecedores nacionais disseram que a última conversa com o governo federal foi em setembro. E ficou nisso: só uma conversa.

E o governo federal não fala nada da CoronaVac, a vacina da farmacêutica chinesa Sinovac, desenvolvida em colaboração com o Instituto Butantan.

Ok, a China é uma ditadura, sem imprensa livre. Mas os estudos e testes da CoronaVac são internacionais. E o Butantan é ficha limpa.

Assim, está perto de acontecer o que antecipamos: vacina chegando nos outros países, disponível no Estado de São Paulo, e os brasileiros sem o acesso.

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