Há
uma coincidência na montagem de cenários econômicos: o ponto de partida é
sempre a vacina.
O
presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, disse isso; a OCDE foi na mesma
toada; e os mercados reagem na mesma direção. Quanto mais cedo tivermos a
vacina, mais rápida será a recuperação econômica.
É
o óbvio, não? Todo mundo vacinado, toda a atividade econômica pode ser retomada
sem medo.
Assim,
qual deveria ser o esforço dos governos com um mínimo de bom senso? Ir atrás
das vacinas, fazer contratos antecipados com as farmacêuticas, montar os
sistemas de vacinação, o que inclui compra de material (seringas, agulhas) e
preparar os técnicos.
Saiu
a primeira vacina aqui do nosso lado, a da Pfizer, já aprovada na Inglaterra e
em via de aprovação nos Estados Unidos e na União Europeia. No Reino Unido, a
vacinação começa nestes dias. Nos outros, entre o final de dezembro e início de
janeiro.
E o governo brasileiro?
Explicou
que não vai dar. Que a vacina tem que ser guardada a 70 graus negativos e que
não temos equipamentos para isso.
Fomos
verificar — e o que encontramos?
Ok,
o SUS não tem.
Mas
hospitais e laboratórios privados têm. O Fleury, por exemplo, tem, como disse à
CBN o infectologista Celso Granato, diretor clínico do laboratório. Disse mais:
que a instituição poderia ser utilizada pelo SUS para armazenar as vacinas.
Perguntamos:
o governo fez algum contato?
Resposta:
não.
Acrescentou
o doutor Granato: a vacina da Pfizer vem numa embalagem que dura seis dias.
Depois de aberta, ainda há mais cinco ou seis dias de validade para ser
aplicada.
E
ainda: há no mercado mundial fabricantes que podem entregar esses freezers que
vão a 70 graus negativos.
O
governo Bolsonaro fez contato nessa direção? Também não.
Falei
com dirigentes de outras instituições privadas, algumas das quais estão em
conversa com a Pfizer. O que disseram? Que a farmacêutica reluta em vender as
vacinas para instituições privadas de um país sem vendas também para o setor
público ou sem que haja um acordo com os governos.
Trata-se
de uma questão de ética, responsabilidade e, claro, de receio de perder
prestígio. Quer dizer que a vacina vai para os ricos que podem pagar e não para
o povão?
É
certo que a complexidade da operação com a vacina da Pfizer a torna limitada.
Seria limitada aos grandes centros, onde existem os equipamentos, e aplicadas
no pessoal da saúde e nos grupos de risco. Mas já resolveria parte do problema,
não é mesmo?
Se
o governo estivesse, ao mesmo tempo, empenhado na aquisição de outras vacinas,
seria um bom ponto de partida. E não temos isso.
Os
dirigentes de instituições privadas estão falando com a Pfizer. O governo não,
nem com a farmacêutica, nem com as instituições privadas que poderiam ser
parceiras no processo.
Como
ocorreu, aliás, nos testes. Instituições privadas foram credenciadas para
aplicá-los.
Mas
agora é mais complexo. Para correr atrás das vacinas, o governo Bolsonaro
precisaria entender que a vacina é a condição para a retomada econômica. Como
sempre pensou errado — tratar da doença ou da economia —, o país vai ficar,
neste momento, com os dois piores resultados: com a Covid e sem a recuperação.
O
governo Bolsonaro tem uma aposta: a vacina da Oxford/AstraZeneca, em
colaboração com a Fiocruz. Depois de muito questionado, o Ministério da Saúde
apresentou um esboço de plano de vacinação e informou que espera receber 15
milhões de doses em fevereiro. E mais 85 milhões ao longo do ano, até que a
Fiocruz comece a produzir.
E
as seringas? Fabricantes do setor e fornecedores nacionais disseram que a
última conversa com o governo federal foi em setembro. E ficou nisso: só uma
conversa.
E
o governo federal não fala nada da CoronaVac, a vacina da farmacêutica chinesa
Sinovac, desenvolvida em colaboração com o Instituto Butantan.
Ok,
a China é uma ditadura, sem imprensa livre. Mas os estudos e testes da
CoronaVac são internacionais. E o Butantan é ficha limpa.
Assim, está perto de acontecer o que antecipamos: vacina chegando nos outros países, disponível no Estado de São Paulo, e os brasileiros sem o acesso.
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