Governo
tem desafio de ampliar recursos para o Bolsa Família
Apesar
de continuarem as pressões pela renovação do auxílio emergencial em janeiro,
esse cenário parece ter ficado mais distante nos últimos dias. Ainda que não se
deva descartar a hipótese de uma prorrogação de última hora, diante da piora
recente no número de casos e mortes, o governo tem dado sinais de que a posição
da equipe econômica deve prevalecer, como mostram as mais novas declarações do
presidente Jair Bolsonaro.
A
área técnica está convicta de que a economia vai continuar seu processo de
retomada, agora com uma contribuição maior do setor de serviços, mesmo com os
recentes anúncios de medidas de ampliação de restrição em alguns Estados, como
São Paulo. E, por isso, o entendimento é de que não haveria necessidade de
renovação do auxílio.
Nesse
ambiente, ganha importância o trabalho em curso de mudanças no Bolsa Família, o
atual programa social que já tem previsto um reforço de caixa no projeto
orçamentário de 2021.
Como mostrou o Valor em outubro, a nova versão do programa criado no primeiro governo Lula deve incluir bônus de R$ 1 mil para mérito esportivo e em ciência e tecnologia (olimpíada de matemática e física). Também há previsão de recursos para mérito escolar de forma mais geral, mas o volume original de R$ 413 milhões previstos para esse fim foi reduzido para R$ 80 milhões. Assim, o restante, pouco mais de R$ 300 milhões, deve ir para um programa de creches atrelado ao bolsa, que entrou recentemente na discussão e ainda está sendo formatado.
Por
sua própria conta, o governo se enredou em um problema do qual está tendo
dificuldade de sair ao misturar as discussões sobre as mudanças
“evolucionárias” no atual programa social, o tal Renda Brasil, com a
necessidade ou não de prorrogar o auxílio emergencial. Isso acabou contribuindo
para o aumento da incerteza fiscal e das dificuldades em rolar a dívida pública
no mercado financeiro.
Essas
dúvidas parecem ter sido atenuadas nos últimos dias, como mostram os preços dos
ativos - ainda que em grande medida reflitam a maior disposição dos
estrangeiros por riscos, após as boas notícias em torno da vacina para a
covid-19.
O
foco no bem-sucedido Bolsa Família faz muito mais sentido. E mesmo que ele
venha a mudar de nome futuramente, de fato ficará mais fácil para o governo
tentar circunscrever as despesas do próximo ano ao teto de gastos, como quer a
equipe econômica. Se a classe política decidir ampliar os beneficiários, em
tese precisará remanejar despesas. Essa discussão já está ocorrendo. Uma das
ideias na mesa é o redirecionamento de emendas parlamentares de bancada para
reforçá-lo.
Com
R$ 7 bilhões a mais que poderiam vir dessas emendas, cerca de 3 milhões de
famílias seriam incluídas, mantido o benefício médio em R$ 191. Se esse valor
continuar, aliás, será possível levar a previsão de público-alvo dos 14,5 para
15,1 milhões de famílias, com o atual volume previsto (R$ 14,8 bilhões) no
Orçamento de 2021, que trabalha com a alta do benefício médio para R$ 202.
A
equipe econômica avalia que também teria condições de remanejar outras despesas
e reforçar em mais R$ 5 bilhões a R$ 7 bilhões o caixa do programa - o que
acrescentaria mais 2 a 3 milhões de famílias no escopo do bolsa.
Sócio
da consultoria 4E, o economista Juan Jensen disse ao Valor que em 2021 deve
haver um grupo de 5 milhões a 10 milhões de famílias que não estão no Bolsa
hoje e ficarão desamparadas, sem auxílio emergencial e sem renda de trabalho. E
essas, entende, deveriam ser alvo de ação por parte do governo.
“Por
isso que é fundamental você reformular os programas sociais e conseguir inserir
um conjunto entre 5 milhões e 10 milhões de pessoas que estarão em situação
delicada. É para esse conjunto que o governo deve olhar. e não para os 66
milhões que estavam recebendo o auxílio”, disse, destacando que isso deveria
ocorrer respeitando-se o teto de gastos.
Jensen
acaba de publicar uma análise que vai na contramão de muitos analistas,
apontando que o cenário para o ano que vem em termos de renda das famílias, de
forma geral, é positivo. Segundo ele, já está em curso e deve seguir em 2021
uma recomposição do emprego e da renda.
Para
o economista, seria um erro de análise olhar a renda habitual da Pnad Contínua,
que está subindo com o auxílio. O melhor, defende, é observar a renda efetiva
na Pnad Covid, que mostra queda neste ano. Esse quadro apontaria que as altas
nas vendas do varejo ocorrem por mudanças de hábitos de consumo impostos pela
pandemia, e não simplesmente pelo auxílio. Com renda menor e o distanciamento,
as famílias consumiram menos serviços e mais bens. Agora, com a retomada das
atividades, os serviços tendem a ter performance melhor.
Além
disso, Jensen lembra que ainda deve entrar uma sobra do auxílio emergencial no
início do próximo ano, devido ao processo de pagamento da Caixa e à poupança de
uma parte dos beneficiários. “Para 2021, a continuidade da retomada do mercado
de trabalho, tanto na criação de empregos como na recomposição das horas
trabalhadas e da renda, juntamente com um efeito defasado das políticas de auxílio,
deve levar a massa de renda a crescer 6,6% em termos reais, sustentando a
retomada da economia via o consumo das famílias, com mais serviços e menos
bens”, sustenta.
O
raciocínio dele tem proximidade com o que se ouve na área econômica. A leitura
do time de Paulo Guedes é que a retomada é forte e, ainda que se modere neste
trimestre e no próximo ano, ela não vai ruir com o fim do auxílio, pois as
pessoas estão voltando ao trabalho. Dessa forma, os riscos fiscais impostos
seriam mais nocivos à economia do que os eventuais benefícios de uma renovação
desse programa.
A despeito dessas opiniões, o cenário para 2021, em especial em seu início, ainda é nebuloso. Uma solução para os milhões de desamparados a partir de janeiro precisa ser explicitada o mais breve possível. Não ajuda o Congresso ter postergado o Orçamento por mesquinha disputa política. Também é muito ruim o governo ainda não ter apresentado seu plano para essas pessoas. O custo da incerteza tem sido caro para o país e pode ser ainda mais alto para cada uma dessas famílias.
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