quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Fabio Graner - Auxílio emergencial, Bolsa Família e retomada

- Valor Econômico

Governo tem desafio de ampliar recursos para o Bolsa Família

Apesar de continuarem as pressões pela renovação do auxílio emergencial em janeiro, esse cenário parece ter ficado mais distante nos últimos dias. Ainda que não se deva descartar a hipótese de uma prorrogação de última hora, diante da piora recente no número de casos e mortes, o governo tem dado sinais de que a posição da equipe econômica deve prevalecer, como mostram as mais novas declarações do presidente Jair Bolsonaro.

A área técnica está convicta de que a economia vai continuar seu processo de retomada, agora com uma contribuição maior do setor de serviços, mesmo com os recentes anúncios de medidas de ampliação de restrição em alguns Estados, como São Paulo. E, por isso, o entendimento é de que não haveria necessidade de renovação do auxílio.

Nesse ambiente, ganha importância o trabalho em curso de mudanças no Bolsa Família, o atual programa social que já tem previsto um reforço de caixa no projeto orçamentário de 2021.

Como mostrou o Valor em outubro, a nova versão do programa criado no primeiro governo Lula deve incluir bônus de R$ 1 mil para mérito esportivo e em ciência e tecnologia (olimpíada de matemática e física). Também há previsão de recursos para mérito escolar de forma mais geral, mas o volume original de R$ 413 milhões previstos para esse fim foi reduzido para R$ 80 milhões. Assim, o restante, pouco mais de R$ 300 milhões, deve ir para um programa de creches atrelado ao bolsa, que entrou recentemente na discussão e ainda está sendo formatado.

Por sua própria conta, o governo se enredou em um problema do qual está tendo dificuldade de sair ao misturar as discussões sobre as mudanças “evolucionárias” no atual programa social, o tal Renda Brasil, com a necessidade ou não de prorrogar o auxílio emergencial. Isso acabou contribuindo para o aumento da incerteza fiscal e das dificuldades em rolar a dívida pública no mercado financeiro.

Essas dúvidas parecem ter sido atenuadas nos últimos dias, como mostram os preços dos ativos - ainda que em grande medida reflitam a maior disposição dos estrangeiros por riscos, após as boas notícias em torno da vacina para a covid-19.

O foco no bem-sucedido Bolsa Família faz muito mais sentido. E mesmo que ele venha a mudar de nome futuramente, de fato ficará mais fácil para o governo tentar circunscrever as despesas do próximo ano ao teto de gastos, como quer a equipe econômica. Se a classe política decidir ampliar os beneficiários, em tese precisará remanejar despesas. Essa discussão já está ocorrendo. Uma das ideias na mesa é o redirecionamento de emendas parlamentares de bancada para reforçá-lo.

Com R$ 7 bilhões a mais que poderiam vir dessas emendas, cerca de 3 milhões de famílias seriam incluídas, mantido o benefício médio em R$ 191. Se esse valor continuar, aliás, será possível levar a previsão de público-alvo dos 14,5 para 15,1 milhões de famílias, com o atual volume previsto (R$ 14,8 bilhões) no Orçamento de 2021, que trabalha com a alta do benefício médio para R$ 202.

A equipe econômica avalia que também teria condições de remanejar outras despesas e reforçar em mais R$ 5 bilhões a R$ 7 bilhões o caixa do programa - o que acrescentaria mais 2 a 3 milhões de famílias no escopo do bolsa.

Sócio da consultoria 4E, o economista Juan Jensen disse ao Valor que em 2021 deve haver um grupo de 5 milhões a 10 milhões de famílias que não estão no Bolsa hoje e ficarão desamparadas, sem auxílio emergencial e sem renda de trabalho. E essas, entende, deveriam ser alvo de ação por parte do governo.

“Por isso que é fundamental você reformular os programas sociais e conseguir inserir um conjunto entre 5 milhões e 10 milhões de pessoas que estarão em situação delicada. É para esse conjunto que o governo deve olhar. e não para os 66 milhões que estavam recebendo o auxílio”, disse, destacando que isso deveria ocorrer respeitando-se o teto de gastos.

Jensen acaba de publicar uma análise que vai na contramão de muitos analistas, apontando que o cenário para o ano que vem em termos de renda das famílias, de forma geral, é positivo. Segundo ele, já está em curso e deve seguir em 2021 uma recomposição do emprego e da renda.

Para o economista, seria um erro de análise olhar a renda habitual da Pnad Contínua, que está subindo com o auxílio. O melhor, defende, é observar a renda efetiva na Pnad Covid, que mostra queda neste ano. Esse quadro apontaria que as altas nas vendas do varejo ocorrem por mudanças de hábitos de consumo impostos pela pandemia, e não simplesmente pelo auxílio. Com renda menor e o distanciamento, as famílias consumiram menos serviços e mais bens. Agora, com a retomada das atividades, os serviços tendem a ter performance melhor.

Além disso, Jensen lembra que ainda deve entrar uma sobra do auxílio emergencial no início do próximo ano, devido ao processo de pagamento da Caixa e à poupança de uma parte dos beneficiários. “Para 2021, a continuidade da retomada do mercado de trabalho, tanto na criação de empregos como na recomposição das horas trabalhadas e da renda, juntamente com um efeito defasado das políticas de auxílio, deve levar a massa de renda a crescer 6,6% em termos reais, sustentando a retomada da economia via o consumo das famílias, com mais serviços e menos bens”, sustenta.

O raciocínio dele tem proximidade com o que se ouve na área econômica. A leitura do time de Paulo Guedes é que a retomada é forte e, ainda que se modere neste trimestre e no próximo ano, ela não vai ruir com o fim do auxílio, pois as pessoas estão voltando ao trabalho. Dessa forma, os riscos fiscais impostos seriam mais nocivos à economia do que os eventuais benefícios de uma renovação desse programa.

A despeito dessas opiniões, o cenário para 2021, em especial em seu início, ainda é nebuloso. Uma solução para os milhões de desamparados a partir de janeiro precisa ser explicitada o mais breve possível. Não ajuda o Congresso ter postergado o Orçamento por mesquinha disputa política. Também é muito ruim o governo ainda não ter apresentado seu plano para essas pessoas. O custo da incerteza tem sido caro para o país e pode ser ainda mais alto para cada uma dessas famílias.

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