Por
Simone Iglesias, Martha Beck e Samy Adghirni, Bloomberg | Valor Econômico
A
efervescência social que catapultou Jair
Bolsonaro à presidência em 2018, após o governo de 13 anos
do PT, dificilmente se sustentará até as próximas eleições em 2022, diz o
ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso.
“Bolsonaro
já sabemos como ele é. Difícil que ele seja uma pessoa que empolgue novamente,
como já empolgou. Empolgou muito mais contra o medo que o pessoal tinha do PT,
exagerado”, afirmou à "Bloomberg News". “Agora, chega lá, mas tem que
fazer alguma coisa. O que de concreto está sendo feito?”
Isso
não significa que o presidente de extrema direita não será um forte candidato à
reeleição. A popularidade de Bolsonaro atingiu recorde no auge da pandemia,
devido ao auxílio emergencial, que ele está sendo forçado a suspender devido às
restrições fiscais.
Sua
marca populista, no entanto, sofreu um duplo golpe nas últimas semanas:
primeiro, seu aliado Donald Trump não conseguiu se reeleger nos Estados Unidos.
Depois saiu enfraquecido das eleições municipais, já que candidatos que
receberam seu apoio não se elegeram.
O
governo também enfrenta dificuldades para avançar com as reformas. “O ministro
Paulo Guedes não conhece o Congresso. Ele é um peixe fora d’água no Congresso.
Então é difícil que o Congresso vá atrás das reformas necessárias”, afirma
Fernando Henrique.
O ex-presidente observa com preocupação a
deterioração das finanças do país, incluindo os primeiros sinais de problemas
na rolagem de títulos da dívida. Não é o tamanho da dívida pública - agora
perto de 100% do PIB - que o preocupa, mas a redução da credibilidade do
governo nos mercados financeiros.
O
próximo presidente precisará reconstruir essa credibilidade e “reinventar um
caminho” para o país, diz Fernando Henrique, ao citar quatro potenciais
candidatos: o governador de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul,
Eduardo Leite, ambos do PSDB, o apresentador Luciano Huck e Ciro Gomes (PDT).
Apesar
de uma “fumaça de populismo” nublando o cenário político do Brasil, Bolsonaro
não tem carisma nem retórica certa para se tornar um ditador populista, segundo
o ex-presidente. “A crise da democracia representativa não chegou ao ponto de
dizer que então é melhor um bom ditador.”
Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
Bolsonaro
“Neste
momento a posição do presidente Bolsonaro não é das mais favoráveis a ele. Há
muita crítica, um sentimento negativo que deriva de vários fatores. Estamos num
momento difícil da economia, tem muita gente desempregada, e por outro lado, o
presidente diz coisas de forma um pouco impensada. A palavra presidencial pesa
muito.”
Eleições
2022
“Vai
haver alguém com a capacidade de reinventar um caminho para o país? Esse é o
ponto fundamental para quem quiser ser candidato. Bolsonaro já sabemos como ele
é. Difícil que ele seja uma pessoa que empolgue novamente, como já empolgou.
Empolgou muito mais contra o medo que o pessoal tinha do PT, exagerado, mas
havia esse temor, e aproveitou e nadou nessas águas. Agora, chega lá, mas tem
que fazer alguma coisa. O que é que está fazendo, o que de concreto está sendo
feito? Vamos precisar de alguém que desperte confiança.”
Nomes
para 2022
“Os
governadores de São Paulo e do Rio Grande do Sul são pessoas que têm ação, o de
São Paulo especialmente. Isso quer dizer que ele vai ganhar? Não, isso quer
dizer que ele tem alguma credencial para falar. Agora, vai conseguir entrar no
Rio, no Nordeste? Depois tem Luciano Huck, se é vai que ser candidato. Vai
largar a Globo? Quando? E vai ser capaz de despertar mais do que a simpatia que
desperta na televisão? Mais do que isso, tem capacidade de liderar? Ciro é bom
de bico, sabe falar. Essa condição é importante no Brasil: saber expressar um
sentimento. É um pouquinho cedo, mas não é cedo para que eles comecem a se
jogar. Pode aparecer alguém? Pode, mas não é fácil, especialmente agora, você
vai ter que ter alguém que abra um caminho, que dê esperança, mostre capacidade
de liderar.”
Paulo
Guedes e as reformas
“O
ministro Paulo Guedes não conhece o Congresso. Ele é um peixe fora d’água no
Congresso. Então é difícil que o Congresso vá atrás das reformas necessárias.
Acho difícil que as reformas sejam aprovadas no tempo que se imagina que seja
possível. Pode ser que uma ou outra reforma ainda passem, mas quanto mais
próximo chega do fim do governo e quanto menos poder eleitoral tem o
presidente, mais difícil se torna a reforma.”
Bolsonaro
e as reformas
“É
mais fácil reformar no começo do governo do que no meio. Daqui para a frente
vão começar a ver um lame duck, é o pato manco. Se tiver chance de reeleição, é
uma coisa. Se não tiver chance de reeleição, o Congresso vai enrolar esse
negócio o que puder.”
Centrão
e as reformas
“Tendência
do centrão é fisiológica, muito mais do que ideológica. Aliança dá
possibilidade de aprovação de projetos. Vai custar caro, como sempre custa.
Quando você se entrega ao dá cá toma lá, você fica no poder, mas o custo é
alto. É o que tem o presidente Bolsonaro a meu ver.”
Credibilidade
da dívida
“O
problema não é o tamanho da dívida, mas a credibilidade que o governo tem para
fazer novas dívidas. Então quando você começa a ver dificuldade na rolagem da
dívida, e nós estamos começando a ter, aí preocupa porque a situação fiscal não
se resolve do dia para a noite. Começa a haver alguns sinais preocupantes, que
vêm junto com a falta de prestígio político. O governo está tomando atitudes
que são condizentes com alguém que espera que haja alguma sobra fiscal para
poder pagar a dívida ou não? Não vi nada que mostre uma disposição férrea.”
Crise
da democracia
“A
crise da democracia representativa não chegou ao ponto de dizer que então é
melhor um bom ditador. Nesse momento há um mal-estar e quando há mal-estar é
sempre perigoso porque haver um escorregão e pode ir para uma deriva
autoritária. No Brasil há fumaça de populismo. Não creio que o presidente
Bolsonaro tenha as características para isso, porque para você ser líder
populista é preciso ser capaz de ter outra retórica que não é a dele.”
Crescimento
em V
“Olhando
o que vai acontecer daqui a alguns anos não posso dizer que a economia
formalmente vai bafejar a nosso favor, não vai. Vai precisar de mais
organização, de mais capacidade nossa. Eu não estou vendo recuperação em V
rapidamente. Precisamos nos preparar, barbas de molho porque as coisas não vão
ser fáceis e, quanto mais difíceis, mais se necessita de comando.”
Inflação
Tem
um repique sim, muito pequeno, mas acho que aprendemos um pouco a lidar com a
inflação. Se perder o controle, ela volta, mas não vejo isso acontecendo de
forma iminente.
China
x EUA
“O presidente atual, a turma dele, dá a sensação de que tem lado. Opinar contra a China? É uma coisa insensata. Para quem nós exportamos? Para a China. Para quê mexer com a China? Eu acho um erro. Como presidente, tem que ter uma certa capacidade de entender o interesse seu, do seu país e não se precipitar. Se não entender que a diversidade faz parte da vida, não entendeu nada. Tem que entender e conviver. A palavra chave é conviver. Ou senão, faz guerra. Mas é melhor não fazer, ainda mais nós.”
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