Por
Laura Greenhalgh - Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
Os
dias que antecederam a troca de comando na Casa Branca serão lembrados pelas
manobras antidemocráticas de Donald Trump, inconformado com a derrota nas urnas
e nos colégios eleitorais. Já o novo presidente, Joe Biden, no meio da confusão
armada pelo presidente em fim de mandato, preferiu tuitar: “Mask up, folks”.
Insistia no mantra para que os americanos ficassem de máscara, sem baixar a
guarda para o vírus. Esse estilo meio zen e meio econômico nas palavras, numa
transição de poder não só tumultuada, como sui generis, diz algo sobre o novo
presidente dos Estados Unidos.
“Mask
up” talvez não seja só uma mensagem para o público interno. Pode ser uma
sinalização para fora, um apresentar-se para o jogo no mundo impactado pela
covid-19. Biden torna-se o 46º presidente americano num cenário global repleto
de incertezas: há um ano correu a notícia de um vírus ameaçador na China, que
rapidamente se espalhou por todos os continentes, desafiando a ciência e a
medicina, destruindo economias e sistemas de saúde, escancarando desigualdades
e impondo, a toque de caixa, novas formas de vida para a população mundial.
Para certos observadores, o século XXI pode ter começado, de fato, na atual
pandemia. Assim corre o tempo histórico.
No
entanto, o estilo contido de Biden acaba deixando perguntas no ar. Entre elas:
até que ponto ele assume o enfrentamento da atual crise sanitária como um
desafio global, e não americano? Até que ponto está consciente de que falar de
pandemia não é só falar de saúde e recuperação econômica? Até que ponto deverá
recompor a política externa americana, adotando uma agenda de prioridades para
o planeta em estado de emergência? Até que ponto deve liderar a retomada do
multilateralismo?
Respostas
ainda se confundem com apostas. Para Joseph Stiglitz, Nobel de Economia e autor
de “Povo, Poder e Lucros: Capitalismo Progressista para uma Era de
Descontentamento” (Record), livro de 2019 que trata justamente da importância
dos governos, Biden terá de assumir compromissos tão decisivos e demarcatórios
quanto os do final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945): “Ele deveria ir na
direção do verdadeiro multilateralismo, no qual o excepcionalismo americano se
subordina, genuinamente, aos interesses comuns, a valores compartilhados e ao
respeito às instituições internacionais”.
Dois
experientes diplomatas brasileiros foram ouvidos pelo Valor sobre as mesmas
questões. Para o ex-ministro e ex-embaixador Rubens Ricupero, Biden, quando
vice-presidente, sentiu de perto as tensões e os riscos trazidos pela epidemia
por ebola. Corria o ano de 2014, e a Organização Mundial de Saúde (OMS),
aturdida com a gravidade do vírus, precisou se valer da experiência de campo
dos Médicos Sem Fronteiras para começar a entender o que se passava em regiões
africanas.
Naquele momento, Biden acompanhou os esforços da Casa Branca para ativar, rapidamente, uma estrutura governamental de biossegurança que respondesse ao novo patógeno - aliás, estrutura herdada de George W. Bush, reforçada por Obama e, mais tarde, destruída por Trump. “Biden sabe que, se o ebola não se espalhou pelo mundo, isso se deve a Barack Obama”, afirma Ricupero. “Portanto, agora ele terá de ser ainda mais audacioso. Se há uma lição a tirar da atual pandemia, é a de que precisamos nos preparar para a próxima. Que virá.”
“O presidente Biden deverá atuar no plano
multilateral fortemente, inclusive porque, em algum momento, será necessário
globalizar o enfrentamento da covid-19”, calcula o ex-embaixador Gelson Fonseca
Junior, hoje diretor do Centro de História e Documentação Diplomática da
Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), vinculada ao Ministério das Relações
Exteriores.
“Sabemos
que a polarização crescente entre Estados Unidos e China complica o cenário
todo, mas o que não sabemos é se Biden vai apresentar muitos condicionantes na
sua relação com os chineses. Por outro lado, continuamos a ouvir que o
multilateralismo vive uma crise que agora se aprofunda. Ora, o multilateralismo
nasceu de crises e continuará existindo assim. Isso faz parte do jogo, e não há
saída fora dele.”
Para
o escritor e cientista político Joseph Nye, importaria calcular quão
intervencionista será Biden, no atual contexto. “George W. Bush foi
intervencionista. Obama, menos do que ele. Trump, menos do que os dois. E
Biden?”, diz Nye. Toma como definição de intervenção “ações com influência em
assuntos domésticos de outro país soberano”, incluindo de ajudas financeiras a
ciberataques ou invasões militares. “Poderia Biden ancorar o seu
intervencionismo na defesa da segurança, dos direitos humanos e da democracia?
Para mim, isso não ficou claro na campanha.”
Falhas
do multilateralismo têm sido apontadas não é de hoje. Na quebradeira financeira
de 2008, pensou-se que, uma vez superada a fase aguda, o sistema multilateral e
suas instituições conseguiriam redirecionar setores essenciais, como comércio,
energia, agricultura e habitação, para alavancar economias sustentáveis. Não
foi o que se viu: passado o pior, tudo voltou como antes, porém, com mais
competição, mais protecionismo e mais degradação ambiental.
Agora
mesmo, ao surgirem na praça os primeiros imunizantes contra o SARS-CoV-2, logo
se esfumaçou a expectativa de se abrir mão da propriedade intelectual, em favor
de medicamentos franqueados à humanidade. Em vez disso, o que se vê é uma
corrida liderada por países ricos para adquirir dos laboratórios a quantidade
máxima de doses e assim proteger as suas populações.
“Multilateralismo
passa por quase todos os setores, mas os seus maiores desafios, hoje, dizem
respeito a saúde e ao meio ambiente”, diz Ricupero, ex-secretário-geral da
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), entre
1995 e 2004. É nesses dois campos, afirma, que as batalhas mais decisivas para
o futuro da humanidade serão travadas.
Visão
que explicaria duas medidas de Biden em início de governo, revertendo decisões
do antecessor: o novo presidente determinou a volta dos EUA para o Acordo de
Paris, firmado em 2015 e hoje a caminho da aprovação final; e a suspensão do
processo de saída dos americanos da OMS, anunciada por Trump no meio da
pandemia, sob a alegação de que a organização cede aos interesses chineses.
Um
aspecto emergirá nas tratativas intergovernamentais, multi e plurilaterais, de
2021: o mundo sai mais pobre e mais desigual da pandemia. Um dos documentos que
melhor expressa essa perspectiva foi produzido pelas Nações Unidas, a partir do
seu escritório para assuntos humanitários e ajuda emergencial. Na apresentação
do documento, que faz uma revisão de cenários globais anteriores à pandemia,
Mark Lowcock, subsecretário-geral da ONU, sintetiza: “O ano de 2020 nos mostrou
que a marcha do progresso não é uma força ininterrupta: no espaço de meses,
décadas de desenvolvimento humano foram derrubadas por um vírus. Agora teremos
que empreender ações conscientes e esforços coletivos para tentar reverter
isso”.
O
relatório de Lowcock mostra que, pela primeira vez desde os anos 1990, a
extrema pobreza volta a crescer no planeta em 2021, ao passo que a expectativa
de vida média deve recuar. A fome alcançará 77 milhões de indivíduos em 22
países. Cerca de 5 milhões das crianças abaixo de cinco anos morrerão de
doenças que recrudesceram, como a cólera, a diarreia e a malária. Vinte e
quatro milhões de jovens não conseguirão mais voltar a estudar. Em termos
globais, 235 milhões de pessoas precisarão de ajuda de caráter humanitário, ou
seja, para sobreviver.
Na
visão de Trump, que passou 2020 questionando a gravidade da pandemia - seguido
pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro -, esse seria mais um dos relatórios
sem importância da organização que ele menospreza, mas que, de fato, sustenta a
teia das relações multilaterais no mundo. Essa não deverá ser a postura de Joe
Biden, a julgar por um dos primeiros nomes confirmados de seu gabinete,
justamente o da embaixadora americana para a ONU. Biden escolheu Linda
Thomas-Greenfield, uma mulher negra, diplomata e ex-embaixadora americana na
Libéria, além de ex-secretária-assistente de Estado no governo Obama.
Outra
escolha de primeira hora, afinada ao multilateral, é a de John Kerry,
ex-secretário de Estado de Obama e signatário americano do Acordo de Paris.
Agora assume como enviado presidencial especial para Clima. Kerry, por sua vez,
poderá contar com uma aliada interna, a deputada do Novo México Deb Haaland,
agora no primeiro escalão do novo governo, como secretária do Interior: líder
indígena, Deb é internacionalmente reconhecida pela defesa dos povos nativos e
do meio ambiente. Também tem sido uma crítica do governo brasileiro no Congresso
americano.
“Continuaremos
colocando Bolsonaro na fogueira enquanto ele cometer violações aos direitos
humanos, seguir no esforço para destruir a floresta amazônica e colocar nosso
planeta em risco de um desastre climático ainda maior”, anunciou, quando ainda
deputada.
Essas
e outras personalidades recrutadas por Biden, gente comprometida com pautas de
direitos humanos, igualdade de gênero, diversidade e preservação ambiental,
podem estimular a cooperação internacional tão contestada por Trump e os
seguidores do slogan “America First”.
“Embora atravessemos um tempo já longo de
críticas ao sistema multilateral, tenho dito que, se a ONU não existisse,
precisaria ser inventada”, diz Ricupero. E relembra alguns marcos das sete
décadas de vida da organização: formada com 51 membros e hoje com 193, a ONU
possibilitou um período de 75 anos sem guerra mundial e sem que a arma atômica
fosse utilizada contra populações civis; fez a integração de ex-colônias ao fim
de processos de independência na Ásia, África, no Oriente Médio e Caribe;
garantiu o fim do apartheid na África do Sul, sem banho de sangue, assim como a
queda do Muro de Berlim; foi flexível ao acomodar a China em sua ascensão
vertiginosa. “Somente a cegueira ideológica pode imaginar que os desafios
mundiais de hoje, como a mudança do clima, serão enfrentados fora dos grandes
consensos.”
Richard
Horton, há 25 anos editor-chefe da “The Lancet”, a renomada revista de
divulgação médica, trouxe à baila uma definição para a covid-19 que reforça a
necessidade de os países agirem de forma cooperada no enfrentamento de
problemas que são, de fato, comuns. “Trata-se de uma sindemia”, disse o
britânico, usando uma palavra que agrega o conceito de sinergia ao de pandemia.
Refere-se àquela situação em que duas ou mais doenças interagem de forma a causar
danos aumentados, em correlação com as condições socioambientais existentes.
Entender
esse tipo de situação pode ser crucial, considerando as 7,8 bilhões de pessoas
vivendo em um planeta com ecossistemas interdependentes, recursos naturais
finitos e deslocamentos humanos incessantes. Ou seja, para o vírus, o planeta
não tem fronteiras e, além disso, micro-organismos não respeitam cartografia
que não seja a deles.
Foi
na visão sindêmica que um grupo de pesquisadores do Centro de Relações
Internacionais da Fiocruz construiu uma obra de grande significado para o
momento. Trata-se de “Diplomacia da Saúde e Covid: Reflexões a Meio do
Caminho”, um “instant book” (por isso, a meio do caminho) sobre as respostas do
multilateralismo a uma pandemia que, decretada oficialmente no início do março
de 2020, paralisou o planeta.
Idealizado
pelo diretor do centro, o médico Paulo Marchiori Buss, também consultor da OMS,
da Organização Pan-Americana de Saúde e ex-presidente da Fiocruz, o livro está
disponível em formato virtual e reúne mais de 400 referências englobando
declarações, resoluções, artigos científicos e jornalísticos, acordos e
propostas de combate à covid-19. E assim o multilateralismo, seja no sistema
ONU, seja no mundo financeiro, é esquadrinhado por diferentes especialistas nos
capítulos que compõem a obra.
“Quando
a pandemia chegou, começamos a seguir as respostas multi e plurilaterais,
enfim, os arranjos que foram feitos diante das dificuldades, olhando não só
para o Brasil, mas para os outros países. Inicialmente fazíamos relatórios
semanais para a Fiocruz, depois, a partir de setembro, decidimos organizar o
livro, de forma que ele possa ser um bom roteiro de leitura para os
interessados no tema”, explica Buss, que dividiu a edição do livro com o
pesquisador Luiz Eduardo Fonseca, também da Fiocruz.
“Diplomacia
da Saúde” mostra como o multilateralismo respondeu à pandemia desde o seu
início, com erros e acertos, mas no entendimento geral de que havia algo muito
grave ameaçando a humanidade. Ou seja, ponto de partida oposto ao negacionismo
que também emergiu no período. Pelo livro, vê-se como a ONU, com seus vários
tentáculos, tratou de reagir à situação.
Revendo-se
o rol de iniciativas multilaterais ao longo de 2020, nota-se a preocupação de
salvar da ruína o que fora firmado em 2015 pelos 193 Estados-membros, em torno
da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Trata-se de uma agenda com
17 objetivos esmiuçados em 169 metas - como erradicação da pobreza e da fome,
adoção da agricultura sustentável, saúde para todos e educação de qualidade,
igualdade de gênero, trabalho decente, água potável, saneamento. São objetivos
que os países se comprometeram a atingir em um intervalo de 15 anos, envolvendo
governos, setor privado e sociedade civil num grande pacto global. E, desde
então, cada país vem sendo monitorado nesse esforço.
As
respostas do multilateralismo à pandemia poderiam ter sido mais ousadas,
particularmente quanto ao acesso universal às vacinas contra a covid-19. Um
exemplo apontado no livro: resolução de 2010 da Assembléia-Geral da ONU,
baseando-se em princípio da Declaração de Oslo, de anos antes, já estabelecia
que situações de emergência em saúde constituem fatores de risco para a
segurança e a estabilidade dos países. Hoje, de acordo com esse princípio, a
imunização da população do planeta escaparia do campo competitivo entre
indústria farmacêutica e interesses políticos.
“Para
nossa decepção, constatamos na pesquisa que as piores respostas à covid-19
vieram da América Latina”, diz Paulo Buss. “Estruturas plurilaterais
simplesmente não funcionaram, caso da Comunidade dos Estados Latino-Americanos
e Caribenhos, a Celac, e da União de Nações Sul-Americanas, a Unasul.” Essas
organizações foram alvo dos governos de direita que se instalaram na região nos
últimos anos. Em abril de 2020, o chanceler Ernesto Araújo anunciou a saída do
Brasil da Celac, no contexto de confrontação do governo brasileiro com a
Bolívia de Evo Morales, a Venezuela de Maduro e Cuba. Antes disso, em reunião
no Chile, recepcionada pelo presidente Sebastián Piñera e com a presença de
Bolsonaro, jogou-se a pá de cal sobre a Unasul.
Prever
como será a política de Biden para a América Latina não tem sido tarefa
simples, até pelas poucas manifestações do presidente americano sobre o assunto.
É certo que ele tratou de colocar latinos no primeiro escalão do seu governo e,
no mês de abril, se o vírus permitir, deverá participar da Cúpula das Américas
em Miami, no seu primeiro encontro com presidentes da região, entre eles
Bolsonaro, que caprichou na descortesia de ser o último líder mundial a
parabenizar Biden pela vitória, dias antes do assalto ao Capitólio por grupos
supremacistas e trumpistas radicais.
Parece
haver consenso de que o retorno ao multilateralismo é promessa que Biden vai
cumprir. De forma ousada ou tímida, integrada ou predominante, só o tempo dirá.
“Ele terá de lidar com um jogo diplomático inteligente da parte dos chineses.
Ao longo da presidência Trump, que isolou os Estados Unidos no mundo, a China
tratou de ocupar espaços nos vários organismos internacionais, entre eles a
OMS”, avalia Ricupero.
No
entanto, Paulo Buss ressalva que esse retorno ao multilateralismo deve ser
visto em relação ao contexto interno americano, uma vez que Biden assume
precisando acenar aos compatriotas logo no início do mandato, respondendo à
grave situação econômica do país: “Penso que, em alguma medida, ele continuará
‘America First’”.
Há
expectativas de que o momento crucial para o multilateralismo em 2021
acontecerá - de novo, se o vírus permitir - na Conferência das Partes sobre
Mudança Climática, a COP 26, sediada em Glasgow, Escócia, no início de
novembro. Antes do adiamento do encontro agendado para 2020, estimava-se a
presença de 200 líderes mundiais e 30 mil participantes em dez dias de trabalho,
na consolidação do acordo climático. Esses números hoje tendem a aumentar,
assim como a urgência na adoção das metas do acordo - entre elas, o corte de
45% das emissões de CO2 e o limite de crescimento da temperatura média do
planeta a no máximo 1,5o C até 2030. Com uma diferença: na COP pós-covid, a
relação entre meio ambiente e saúde ocupará o centro dos debates. Como alerta
Michael Osterholm, professor de saúde ambiental e Ph.D. pela Universidade de
Minnesota, “a covid-19 é só um ensaio do que virá. Outros desastres nos
esperam, resultantes da mudança climática. Pagaremos custos altos por nossa
inação”.
“Essa
relação entre meio ambiente e os novos patógenos precisa ser bem entendida. Se
tomarmos o mapa das florestas tropicais e subtropicais no planeta, veremos que
os vírus que hoje nos ameaçam costumam aparecer nessa faixa, em distintos
países. Todos os morcegos têm coronavírus, não é só o chinês. Mas, quando se
rompe o equilíbrio dos ecossistemas, os riscos aparecem. O sujeito que chega
com a sua motosserra para derrubar a floresta é um organismo virgem para o
vírus. O problema é que os morcegos não adoecem. Nós, humanos, morremos disso”,
explica Buss.
Afetadas
pela pandemia que já matou 2 milhões de pessoas no mundo, instituições
financeiras multilaterais também tentam reagir à perspectiva de mais um “ano
perdido” em 2021 - entre elas, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que têm trabalhado em
colaboração com a OMS, seja liberando novas linhas de crédito, seja suspendendo
o pagamento do serviço da dívida dos países pobres -, e aqui, não por puro
altruísmo, mas certamente pela preocupação com os motores da economia global.
Há
críticas de que faltou criatividade para essas instituições em momento tão
duro. Ou seja, propostas que possam ir além do socorro financeiro, seguindo na
direção de coconstruir um planeta mais inclusivo e sustentável. Por exemplo,
compromissos mais concretos com a transição para a economia verde, assunto com
bom trânsito na União Europeia, mas de passos tímidos nos Estados Unidos, onde,
até recentemente, ouvia-se a exortação de Trump pela economia a carvão.
“Os
sistemas convencionais não estão respondendo; as ambições sociais e emocionais
sobem; em muitos países a pandemia deixará marcas profundas, entre eles, o
Brasil, por ter lidado tão mal com o problema, e fica mais evidente que a
humanidade não pode explorar o planeta de forma tão insustentável”, diz a
bióloga Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente de Dilma Rousseff e uma
das mais hábeis negociadoras para mudança climática no plano internacional -
tanto que é reconhecida como figura de proa na formulação do Acordo de Paris.
“Os desafios atuais, todos, passam pelo ambiental. De fato, a questão climática
é que vai ditar a agenda do desenvolvimento global neste século.”
Ela
rejeita conversas sobre “retorno ao normal” ou “novo normal”. Acha que a hora é
de pensar futuros possíveis, inaugurando a década da transformação - um tempo
aberto à inovação e à adoção de novos sistemas, como a economia circular, que,
em síntese, busca fazer mais com menos. “Glasgow será um olhar para o futuro. E
os ingleses querem muito aprovar o acordo climático para deixar a sua marca
histórica. Sim, a preservação das florestas estará em foco, porque isso
interessa a todos. Hoje a Amazônia preservada confunde-se com a afirmação
positiva de que a humanidade será capaz de equacionar os seus problemas
globais. Não é pouca coisa.”
Apostas
da ex-ministra para Joe Biden, nesse contexto, incluem três cenários. Primeiro:
o presidente americano deve construir uma nova aliança com a Europa, que hoje
protagoniza e puxa o debate ambiental. Segundo: Biden terá a sensibilidade de
construir novas parcerias, recolocando a discussão sobre o New Green Deal, tão
polarizada na campanha presidencial. Terceiro: para cumprir a sua agenda de
governo, sairá em defesa da democracia, “e, daí, pode se contrapor ao regime
chinês”.
Sobre o Brasil de hoje, nesse grande palco do multilateralismo embalado pela mudança climática, Izabella resume: “Nosso país é muito maior e mais importante do que o atual governo”. E ousa uma aposta: os atores internacionais farão de tudo para que o Brasil saia bem na fotografia que marcará o início do Acordo de Paris. “Esse acordo tem as nossas digitais, e o mundo sabe disso.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário