Foi
semana de benditas obviedades. Só falta o Brasil ajustar sua rotação com a do
planeta
Stefani
Germanotta,
a Lady Gaga, cantou o hino dos Estados Unidos; Jennifer Lopez deu um twist
latino à sua interpretação de God Bless America; e, no encerramento, a
poeta Amanda Gorman,
de 22 anos, declamou versos que resumem o sentimento da nova geração. Na posse
do presidente Joe Biden,
as três mulheres nos lembraram que os Estados Unidos são um país
ítalo-americano, hispano-americano, afro-americano – sem contar outras etnias e
misturas. Muito de sua força e riqueza se deve à bênção de ser uma nação de
imigrantes.
Parece
óbvio. É como dizer que a Terra é redonda.
No momento-chave de seu discurso, Biden disse: “Nós devemos tratar os outros com dignidade e respeito. Juntar forças, parar o tiroteio e baixar a temperatura. Sem unidade não há paz – só amargor e fúria. Não há progresso – só ultraje exasperante. Não há nação – só um estado de caos”.
Dignidade
e respeito. Condições óbvias para o debate inteligente nas democracias. A Terra
é redonda.
No
mesmo dia da posse de Biden, Portugal assumiu a presidência rotativa do
Conselho da União Europeia. Em Bruxelas, o primeiro-ministro António Costa
traçou as linhas gerais dos próximos seis meses: foco no social, na economia
digital e no combate às alterações no clima. “Temos um planeta para proteger, e
não podemos perder mais tempo,” disse Costa em seu discurso.
A Terra é redonda, e temos que cuidar dela.
Aqui
em Portugal vivemos o momento mais dramático da pandemia. O governo decretou
confinamento total. A trajetória da covid no país confirma o mantra dos
cientistas: as duas únicas formas de controlar uma pandemia são vacina e
distanciamento social. Portugal achatou a curva quando optou pelo confinamento,
em março passado e no início de dezembro. Quando abriu mão dele, no “alívio” de
Natal e ano-novo, deu-se o inverso. Turbinados pela variante inglesa, os casos
explodiram.
Seguir
o que diz a ciência: outra obviedade.
Enquanto
isso, no Brasil, as obviedades são colocadas em dúvida todos os dias. O
distanciamento social é minimizado, a floresta que ajudaria a deter a mudança
climática enfrenta recordes de desmatamento e o “tiroteio” e o “ultraje” se
tornam a regra em Brasília. Em ensaio publicado recentemente, o cientista
político José Álvaro Moisés –
personagem do minipodcast da semana – examina as razões de vivermos em
permanente crise política. Uma delas pode ser o sistema de governo. Segundo
Moisés, o semipresidencialismo – que vigora em Portugal e na França – distribui
melhor o poder e facilita a negociação.
Portugal vai às urnas neste
domingo para escolher o presidente. O atual ocupante do cargo, Marcelo Rebelo de
Sousa, é o favorito à reeleição. Marcelo, que os
portugueses chamam pelo primeiro nome, é de centro-direita, e divide o poder
com o primeiro-ministro Costa, de centro-esquerda. Eles conversam “com
dignidade e respeito” – e, pela saúde dos cidadãos, foram capazes de unificar o
discurso durante a pandemia, em pleno tiroteio eleitoral.
Respeito
aos que pensam diferente e aos que vêm de países diferentes. Respeito à
ciência. Foco no social num momento em que muitos ficam sem empregos. Foco no
combate à mudança climática – se ela ocorrer, nada restará para nossos filhos e
netos.
Foi
uma semana de benditas obviedades. Como se a Terra, depois de um momento de
loucura, tivesse voltado a ser redonda.
Só falta o Brasil ajustar sua rotação com a do planeta.
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