A
permanência de Jair Bolsonaro na Presidência inviabiliza a recuperação da
imagem do País e a retomada dos contatos produtivos e pacíficos com todas as
nações.
O constrangedor isolamento do Brasil entre as nações civilizadas, resultado de uma política externa amalucada e irresponsável, deveria ser motivo mais que suficiente para que o chanceler Ernesto Araújo fosse demitido sem mais delongas. A pressão para que isso ocorra, aliás, nunca esteve tão forte.
Parece
estar se constituindo um consenso, inclusive em alguns setores do próprio
governo, que a manutenção do sr. Araújo à frente do Itamaraty representa enorme
risco para a imagem do Brasil, já tão desgastada, e justamente no momento em
que o País, mergulhado numa pandemia mortal e numa crise econômica desafiadora,
mais precisa da cooperação internacional.
A
questão é que a demissão do sr. Araújo não resolveria nada, pois o problema não
é o chanceler, mas o chefe dele. É a permanência do sr. Jair Bolsonaro na
Presidência que inviabiliza a recuperação da imagem do País e a retomada dos
contatos produtivos e pacíficos com todas as nações, que sempre foi a marca da
diplomacia do Brasil.
É claro que o sr. Araújo é o responsável direto pela formulação da estapafúrdia doutrina externa bolsonarista e deve ter seu nome marcado na história, em letras maiúsculas, como o chanceler que se empenhou em destruir o legado do Barão do Rio Branco. Deve ser lembrado para sempre como aquele que conduziu a diplomacia nacional sob inspiração de um obscuro ex-astrólogo que vive nos Estados Unidos, espécie de guru de Bolsonaro et caterva.
Mas
Ernesto Araújo não age por conta própria. É apenas o sabujo encarregado de
colocar em palavras a mixórdia reacionária que resume a “visão de mundo” de
Bolsonaro, o que, convenhamos, não é para qualquer um.
Enquanto
o Barão do Rio Branco, ciente das fragilidades brasileiras, fez do Brasil um
país naturalmente voltado para o entendimento no concerto das nações, Bolsonaro
escolheu comprar brigas gratuitas com algumas das maiores potências do planeta,
para enfatizar a independência do País sob seu comando. Ao mesmo tempo,
derretia-se de amores por Donald Trump quando este ocupava a presidência dos
Estados Unidos, enquanto o resto do mundo civilizado, ciente do caráter daninho
de Trump, tratava de se afastar dele.
Em
vez de independência, a doutrina bolsonarista isolou completamente o Brasil.
Mas o sr. Araújo não se fez de rogado: anunciou que, se este era o preço a
pagar por defender a “liberdade”, ou seja, “se isso faz de nós um pária
internacional, então que sejamos esse pária”.
Perfeitamente
alinhado a seu chefe, o ainda chanceler teve o descaramento de chamar de
“cidadãos de bem” os terroristas que invadiram o Congresso dos Estados Unidos
para interromper a confirmação da eleição de Joe Biden como presidente.
Adicionando o insulto à injúria, Ernesto Araújo aproveitou para corroborar a
tese golpista promovida pelo trumpismo de que houve fraude nas eleições,
mentira que o presidente Bolsonaro repetiu vezes sem conta.
Se
o chanceler for demitido, portanto, não será por ter descumprido ordens ou por
ter sido desleal, mas sim, ao contrário, porque foi absolutamente fiel a
Bolsonaro – e, por isso, criou grandes e gravíssimos problemas para o Brasil,
hoje visto com reticências pelas duas grandes potências globais, Estados Unidos
e China, além de enfrentar má vontade na União Europeia e na Índia. É uma
façanha.
O
afastamento de Araújo pode ser o gesto que o mundo espera de Bolsonaro para
mudar um pouco a percepção negativa sobre o Brasil. Mas seria ingênuo acreditar
que seu eventual substituto terá atuação muito diferente.
Pode
haver algum pragmatismo nos próximos tempos, especialmente depois que Donald
Trump, ídolo de Bolsonaro e Araújo, deixou a Casa Branca. Um sinal disso é a
carta que o presidente brasileiro endereçou a Joe Biden, novo presidente
norte-americano, pregando uma boa relação.
Mas
todos sabem que a tal carta não vale o papel em que foi escrita: Bolsonaro
menospreza profundamente tudo o que Biden representa – democracia, diálogo e
serenidade – e nada o fará mudar de ideia. O chanceler, portanto, pode ser
qualquer um – é Bolsonaro quem deliberadamente faz do Brasil um “orgulhoso
pária”.
Os candidatos do governo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Seus
compromissos estão muito distantes de qualquer agenda reformista.
Ante o empenho do Palácio do Planalto nas eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, poderia se ter a impressão de que as candidaturas do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) e do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) representam uma benfazeja novidade para o País. Afinal, o governo foi eleito prometendo reformas, privatizações e um novo dinamismo no ambiente de negócios do País e – após dois anos iniciais bastante confusos, onde abundaram ineficácia e confusão – talvez o presidente Jair Bolsonaro tivesse finalmente entendido que a realização das propostas de campanha exige um relacionamento próximo com o Congresso.
Essa
otimista possibilidade é, no entanto, pura fantasia. Sem nenhum pudor, os dois
candidatos do Palácio do Planalto têm mostrado que seus compromissos e suas
preocupações estão muito distantes de qualquer agenda reformista.
Por
exemplo, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) já informou que tem dúvidas quanto
à necessidade da privatização da Eletrobrás, justamente uma das prioridades do
ministro da Economia, Paulo Guedes, para 2021. “Não pode ser entreguismo sem
critério num momento de muita dificuldade econômica”, disse o senador.
O
candidato do Palácio do Planalto à presidência do Senado também deixou claro
qual é o seu compromisso com o equilíbrio fiscal. “O teto (de gastos) não pode ficar intocado
em um momento de extrema necessidade em que é preciso salvar vidas. Obviamente,
essa rigidez pode ser relativizada, mas vamos trabalhar muito para que não seja
relativizada”, disse, em entrevista ao Estado. Não se poderá dizer depois que o senador
Rodrigo Pacheco não avisou.
Por
sua vez, o deputado Arthur Lira tem defendido o respeito ao teto de gastos. Ao
mesmo tempo, esclareceu que “minha pauta não é liberal econômica por natureza,
não. Eu voto as coisas que o Brasil precisa para se desenvolver”. O recado do
líder do Centrão também foi dado.
Recentemente,
o candidato do Palácio do Planalto à presidência da Câmara disse que a reforma
tributária era um tema complexo. A respeito dele, no ano passado, Arthur Lira
mostrou-se favorável à volta da CPMF, com a condicionante de que fosse aprovada
com uma alíquota menor que a proposta pelo governo federal. Há indícios, pois,
de que, sob eventual gestão sua, a aprovação da reforma tributária na Câmara
enfrentará muitos percalços.
Além
disso, no caso de Arthur Lira, também salta aos olhos sua proximidade com a
área penal. Entre outras coisas, o Ministério Público acusou-o de chefiar na
Assembleia Legislativa de Alagoas um esquema de “rachadinha”, que teria gerado
um rendimento mensal de até R$ 500 mil. O deputado nega a acusação e, em
dezembro do ano passado, o juiz da 3.ª Vara Criminal de Maceió arquivou o
processo, afirmando que as provas eram ilegais.
Desde
2009, no entanto, a Receita Federal vinha cobrando do deputado R$ 1,9 milhão
relativo a impostos não pagos sobre recursos de origem desconhecida,
precisamente no período em que o Ministério Público o acusava de operar a
“rachadinha” em Alagoas. Em 2017, ao aderir ao Programa Especial de Regularização
Tributária (Pert), Arthur Lira reconheceu perante a Receita a existência de
débito fiscal referente a valores não declarados.
Vale
lembrar ainda que Arthur Lira tomou posse em 2018 como deputado federal graças
a uma liminar do Tribunal de Justiça de Alagoas. Condenado em segunda instância
por improbidade administrativa, o deputado estava, a princípio, inelegível por
força da Lei da Ficha Limpa.
Os
dois candidatos do Palácio do Planalto às presidências da Câmara e do Senado
não propiciam, portanto, especiais esperanças à Nação. Mais parecem aportar
riscos, com transigências em assuntos com os quais não se deve transigir.
É,
no mínimo, estranho que um governo que nunca primou pela proximidade com o
Legislativo – mesmo, por exemplo, durante a tramitação da reforma da
Previdência, o Palácio do Planalto não hesitou em criar desnecessários
conflitos – agora se empenhe tanto para apoiar duas candidaturas nada
animadoras.
Rumo à normalidade sem brilho – Opinião | O Estado de S. Paulo
Crescimento
continua, mas a volta ao normal é o retorno ao padrão do baixo dinamismo.
A recuperação da economia, ainda incompleta, continuou em novembro, com expansão de 11% em relação ao volume produzido em outubro. No trimestre móvel o avanço chegou a 4,4%. Ainda abaixo do patamar pré-pandemia, a produção também continua inferior à de um ano antes, com recuo de 0,6% na comparação mensal e de 1,7% no confronto do trimestre móvel encerrado em novembro com igual período de 2019. Os dados são do Monitor do PIB-FGV. Esse trabalho, produzido mensalmente, é em geral a melhor antecipação do Produto Interno Bruto (PIB) divulgado a cada três meses pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Houve
crescimento mensal nas três grandes atividades econômicas, agropecuária,
indústria e serviços. Com isso se manteve a tendência à normalização da
atividade econômica, iniciada em maio, depois da grande queda ocorrida em março
e abril, quando os negócios foram afetados pelo choque inicial da pandemia. Os
sinais de retomada se prolongam, portanto, e a economia parece voltar “a seu
antigo normal de crescimento fraco e instável”, comentou o coordenador
responsável pelo Monitor,
Claudio Considera.
O
comentário sobre o “antigo normal” é um lembrete importante para quem se
esforça para prospectar a evolução provável da economia neste ano e nos próximos.
A atividade produtiva perdeu dinamismo nos últimos dez anos, mais claramente a
partir de 2012. Nesse período, atravessou uma recessão (2015-2016),
desviando-se da tendência mundial, e nunca voltou a avançar com dinamismo,
mesmo antes da pandemia.
Especialmente
grave, nessa fase de baixo vigor, foi o enfraquecimento da indústria. Houve
pouca inovação e pouco esforço de ampliação e de modernização do setor
manufatureiro, enquanto a agropecuária se manteve dinâmica, eficiente e com
alto poder de competição internacional. Alguns setores industriais, como o
aeronáutico, e alguns grupos empresariais de outros segmentos também se
destacaram do padrão geral.
O
crescimento foi também afetado pela ineficiência do setor público, pelo
desperdício de recursos, pelas muitas deficiências da infraestrutura e pelo
baixo nível de investimento. O setor privado foi responsável pela maior parte
do recurso investido em máquinas, equipamentos e obras e tem mantido esse
papel.
O
consumo das famílias tem sido o principal motor da recuperação, desde maio, mas
fraquejou em novembro, principalmente pela redução de gastos em serviços. Essa
queda do consumo foi compensada, pelo menos em parte, pelo aumento do valor
investido em capital produtivo (alta de 1,2% no mês). No trimestre móvel
setembro-novembro, o total aplicado na formação bruta de capital fixo foi 1%
maior que o de um ano antes. Foi o primeiro aumento, nessa comparação, depois
de sete retrações consecutivas.
Apesar
dessa melhora, o investimento produtivo permanece muito abaixo das necessidades
nacionais. Em novembro, a soma investida equivaleu a 16,8% do PIB estimado. A
relação superou a média mensal observada a partir de janeiro de 2015 (15,7%),
mas foi inferior à registrada para o período iniciado em janeiro de 2000 (17,9%).
Mesmo
a média a partir de 2000 é muito baixa, quando comparada com os padrões de
países mais dinâmicos e com as necessidades brasileiras. Há muito tempo a
economia nacional tem sido incapaz de manter um crescimento anual em torno de
4%. As taxas de médio e de longo prazos normalmente projetadas por economistas
do mercado e de instituições multilaterais ficam na faixa de 2,2% a 2,5%. São
projeções baseadas no mísero potencial de crescimento geralmente atribuído ao
Brasil.
Investimento
bem mais alto, na faixa de 24% a 25% do PIB, é o mínimo apontado como
necessário para taxas de crescimento na faixa de 4% a 5% ao ano. Mas isso se
refere apenas ao investimento em capital fixo, isto é, em máquinas,
equipamentos e obras. Crescimento mais rápido e sustentável depende também, e
cada vez mais, de capital humano, isto é, de gente bem preparada e capacitada
para aprender. Não contem com o governo Bolsonaro para cuidar desse problema.
Recriação do auxílio emergencial exige cuidados – Opinião | O Globo
Cresce
a pressão para a volta do benefício. É fundamental que haja preocupação com o
risco fiscal
Os
dois candidatos de Bolsonaro às presidências da Câmara e do Senado, Arthur Lira
(PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), falam abertamente na volta do auxílio
emergencial, como se fôssemos um país capaz de emitir moeda de reserva mundial
como os Estados Unidos. Nenhum sinal de preocupação com o risco fiscal.
Não
se trata de virar as costas aos 40 milhões de trabalhadores informais que
voltaram a ficar sem renda com o fim do auxílio. Mas a emissão de mais títulos
da dívida pública para restabelecê-lo, sem nenhuma sinalização do governo e do
Congresso de que é real o compromisso com a estabilidade fiscal, levará ao
descontrole das contas públicas e à aceleração da inflação.
Assim
como foi um erro o fim abrupto do auxílio, também será grave equívoco
restaurá-lo de uma hora para a outra. O resultado seria a aceleração da dívida
pública rumo aos 100% do PIB, piorando as expectativas sobre o futuro das
finanças do Estado. As declarações de Pacheco e Lira provocaram queda na Bolsa,
alta no dólar e mais uma elevação nos juros futuros. Era previsto, resultado
esperado da leniência do governo em tocar as reformas e dos sinais de que a
volta do auxílio pode ser feita na base da “vontade política”.
A
criação de novo auxílio precisa ser feita com recursos de programas sociais
sabidamente ineficazes, para abrir espaço no Orçamento à nova despesa. A ideia
já existe no Ministério da Economia. É preciso apenas executá-la. No ano
passado, quando o presidente queria lançar o “Renda Brasil”, seu Bolsa Família,
algumas dessas propostas lhe foram apresentadas e recusadas com uma frase de
efeito: “Não vou tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”.
Engano
do presidente. O Estado brasileiro tem uma miríade de programas sociais que
deveriam ser revistos. No abono salarial, jovens de classe média em início de
carreira também são beneficiados. O seguro-defeso é um monumento ao desvio do
dinheiro público desde que Marcelo Crivella foi ministro da Pesca. A Farmácia
Popular é um programa bem-intencionado, mas distribui medicamentos sem
parâmetro de renda. O subsídio à cesta básica embute distorção ainda maior,
pois beneficia também os ricos. Se incluirmos na cesta básica produtos de
higiene, os subsídios ultrapassam R$ 30 bilhões, tanto quanto o orçamento do
Bolsa Família (o mais eficiente dos programas sociais ).
O
que se exige do governo é apenas sensatez. Deveria ter aprendido com 2020,
quando, entre os mais de 60 milhões de beneficiados pelo auxílio, embolsaram
dinheiro do contribuinte militares, políticos e familiares, entre outras
aberrações. Os gastos com a pandemia elevaram o déficit primário a perto de R$
800 bilhões em 2020. Não é porque eram necessários que se justifica o
descontrole. Neste ano, o governo estima um buraco de quase R$ 250 bilhões.
Manejar as finanças públicas com os pés no chão é defender os mais pobres da
inflação e da persistência do desemprego.
Governos
que permitem furar fila da vacina precisam ser punidos – Opinião | O Globo
Fraudes
são um desrespeito com grupos mais vulneráveis — para os quais já não há doses
suficientes
Não
bastasse o turbilhão de erros do governo Jair Bolsonaro que marcou esses 11
meses de combate à pandemia e nos transformou em pária internacional, no
momento em que começa a vacinação contra a Covid-19, depois de um festival de
desatinos, somos surpreendidos pelos episódios lamentáveis dos fura-filas. De
uma vacina, convém lembrar, ainda insuficiente para imunizar apenas os
profissionais de saúde.
Poucos
dias depois do início da vacinação, pelo menos cinco estados já haviam
registrado casos de fura-filas. No Amazonas, que enfrenta um colapso na rede
pública de saúde, com falta até de oxigênio, a vacinação chegou a ser suspensa,
para que fossem apurados desvios na imunização dos grupos prioritários. Em
muitas cidades, políticos que até há bem pouco tempo reproduziam o discurso
negacionista de Bolsonaro, passaram a “apadrinhar” a vacinação. Gestores de
saúde que não estão na linha de frente e gente próxima a eles estenderam o
braço para a vacina antes dos mais vulneráveis. O próprio governo federal, por
razões exclusivamente político-eleitoreiras, cogita incluir caminhoneiros entre
os grupos prioritários, tão-somente um acinte.
Pode-se
dizer que é o cenário esperado no país do “você sabe com quem está
falando?"; das castas de servidores que mantêm privilégios num momento de
crise aguda, quando milhões de brasileiros perderam seus empregos; das mais
altas Cortes do país que pedem reserva de vacinas para imunizar ou seus; do
magistrado que humilha o guarda municipal que lhe cobrou a máscara, como manda
a lei.
Estão
aí as digitais da sociedade brasileira. Nem por isso devem deixar de causar
indignação e perplexidade. Especialmente num momento em que o número de
infectados e mortos dispara em todo o país, e a vacina é a maior esperança de
estancar a tragédia. O Ministério da Saúde definiu os grupos prioritários para
a primeira fase: profissionais de saúde, idosos que vivem em asilos, população
indígena etc. Diante da falta crônica de vacinas, estabeleceu-se a prioridade
dentro da prioridade: profissionais de saúde na linha de frente do combate à
Covid-19. Eles é que devem ser os primeiríssimos da fila.
São
vergonhosas as cenas postadas em redes sociais de vacinados que não estão na
lista dos vulneráveis. A campanha de vacinação — se é que se pode chamar assim
algo tão incipiente — está só começando. É preciso aumentar o controle sobre as
doses disponíveis. É fundamental que o Ministério Público e demais órgãos de
vigilância investiguem os fura-filas, para que os responsáveis possam responder
por seus atos. E que punam também os governos negligentes. Ao menos em respeito
à memória dos mais de 214 mil brasileiros que perderam a vida antes da vacina.
Vermelho com listras – Opinião | Folha de S. Paulo
Governo
Doria acerta ao endurecer as restrições, mas critérios suscitam dúvidas
O
governo paulista reagiu mais uma vez ao aumento vertiginoso dos casos de
Covid-19 e enrijeceu medidas
de distanciamento social.
A
evolução recente de infecções e mortes de fato causa alarme. Nas três primeiras
semanas do ano, comparadas com igual período em dezembro, observaram-se
incrementos de 42% e 39%, respectivamente, nesses indicadores trágicos.
Desta
feita, a administração de João Doria (PSDB) criou uma fase
vermelha intermitente. Ou, melhor dizendo, uma intermitência diferente da
que já adotara nas festividades de fim de ano, quando se aplicou o nível mais
elevado de restrições apenas nos feriados, com quatro dias de intervalo.
A
partir de terça (26), parte dos municípios paulistas terá de fechar todos os
estabelecimentos de serviços não essenciais, mas só em período noturno e fins
de semana. A lógica desse esquema temporal, segundo o Centro de Contingência,
está em diminuir aglomerações promovidas em bares.
O
critério deixa margem a algum questionamento. Cabe perguntar, de início, que
evidências sustentam essa singularização da vida noturna como foco principal de
transmissão do coronavírus.
Causam
repulsa, decerto, os ajuntamentos de frequentadores irresponsáveis. Porém não
resta evidente por que manter abertos centros de compras durante a maior parte
do dia, por exemplo, ainda que com uso obrigatório de máscaras.
Entende-se
que o trancamento generalizado do comércio seja algo traumático, do ponto de
vista social e econômico (para não dizer tributário), e que o governador hesite
em adotar medidas mais duras. Mas seja por fadiga diante do prolongamento da
epidemia, seja por imperativos de sobrevivência, o distanciamento social
permanece na casa de insuficientes 40%.
O
arranjo adotado entre Natal e Ano Novo decerto não foi capaz de evitar a
explosão da Covid-19 nas primeiras semanas do ano, e há que aprender algo com o
fracasso.
Os
governos estadual e da capital, afinal, já flertaram com a imprudência
sanitária ao adiar sem motivo claro o endurecimento de restrições para depois
do segundo turno da eleição municipal.
Doria
angariou prestígio com atuação tempestiva e decidida, em contraste com a
leniência mortal do governo Jair Bolsonaro, para possibilitar que o Instituto
Butantan desse ao Brasil os primeiros lotes de vacina contra a Covid.
Não
basta, porém, repetir que não se curva a pressões e se ampara na melhor ciência
—o governador deve se esforçar para comprová-lo a cada passo que der.
Apuração indigesta – Opinião | Folha de S. Paulo
MP
investiga contratos de alimentação para prisões de SP; suspeita é recorrente
O
sistema prisional é um exemplo ultrajante da inoperância do Estado brasileiro.
De modo geral, e desde sempre, os presídios do país são depósitos de pessoas,
sentenciadas ou não, a maioria superlotada e em condições deploráveis.
Poderosas
facções criminosas travam batalhas sangrentas pelo controle das unidades, e
programas de ressocialização ou atividades laborais no cárcere, com benefício
da redução de pena, mostram-se raros ou pouco eficientes.
O
estado de São Paulo, que detém a maior população carcerária do Brasil (cerca de
um terço do total), não foge à regra. Há, contudo, um ingrediente a mais: são
recorrentes as denúncias de malfeitos na contratação de empresas terceirizadas
para a prestação de serviços de alimentação prisional.
Conforme
a Folha noticiou
nesta semana, o Ministério
Público instaurou inquérito, ainda em fase inicial, para investigar
servidores da Secretaria da Administração Penitenciária e ao menos sete
fornecedores. São citadas licitações de 2020, ocorridas, portanto, no atual
governo João Doria (PSDB).
As
investigações atingem a coordenadoria das unidades da região metropolitana de
São Paulo e o chefe de gabinete da pasta, Amador Donizete Valero —já alvo de
escrutínio anterior, também na Promotoria, por motivo semelhante.
Suspeita-se
que dois grupos hegemônicos do ramo tenham atuado dentro da secretaria para
vencer pregões destinados ao provimento de marmitas às cadeias.
Algumas
das empresas apresentam repetições em quadros societários e até o mesmo
endereço digital para disputar os processos. Um servidor teria construído
relação pessoal com empresários.
Em
contratos que somam cerca de R$ 30 milhões, há indícios, diz o Ministério
Público, de que fornecedores tenham interferido na precificação final da
concorrência.
Não
é de hoje que possíveis impropriedades assombram a gestão carcerária paulista.
Em 2016, no governo do também tucano Geraldo Alckmin, o Tribunal de Contas do
Estado apontou falhas na quantidade, no preço e na qualidade das refeições.
Agentes penitenciários chegaram a encontrar pregos e cabeças de galinha em meio
à comida.
Diante
de uma despesa milionária, espera-se que o governo de São Paulo esclareça
rapidamente as denúncias e amplie os modelos de cozinhas próprias —já
presentes, segundo a secretaria, em 158 das 178 unidades prisionais do estado.
Além de oferecer trabalho ao encarcerado, não raro obtém-se desse forma alimentação de melhor qualidade e com custos reduzidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário