Por
Hugo Passarelli - Valor Econômico
SÃO
PAULO - Entidades e especialistas em educação criticaram ontem a proposta de
eliminar o piso constitucional para investimento em educação e saúde. No caso
do ensino, a medida representaria a quebra de uma vinculação criada pela
primeira vez em 1934. Desde então, o Brasil viveu dois períodos sem um patamar
mínimo de despesa para educação: de 1937 a 1945, durante o Estado Novo de Getúlio
Vargas, e na ditadura militar, de 1967 até 1985, quando foi regulamentada a
Emenda Calmon.
Os
gastos com educação só registraram queda contínua justamente nos períodos em
que não houve vinculação mínima constitucional, lembra o professor Romualdo
Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Centro de Estudos e
Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). “Os valores
aplicados em educação diminuíram nessas ocasiões. Se o desejo é garantir
condições mínimas para a população, o governo deve tentar outros meios, mas não
tirando da educação e saúde. A reforma tributária, por exemplo, seria um
caminho. É aquele argumento de ocasião e, na verdade, uma agenda que sempre
esteve na mesa e voltou agora”, afirma.
O
parecer final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, divulgado
ontem, confirmou a retirada dos pisos para educação e saúde. Desde a
Constituição de 1988, o governo federal é obrigado a destinar 18% da receita
para educação, enquanto Estados e municípios devem aplicar 25%. Já para a
saúde, o mínimo constitucional é de 12% da receita para Estados e de 15% para
os municípios.
“Esse é um filão que o ministro Paulo Guedes já tinha colocado desde o início do governo e aproveitou agora esse momento da pandemia. Ocorre que esse jogo tem um custo bastante complexo e danoso tanto para a educação como para a saúde. Nós sabemos, por exemplo, que há gestores que não entendem a educação como investimento, mas sim custo”, afirma Mozart Neves Ramos, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Para
Mozart, é equivocada a percepção de que aumentar o gasto com educação não tem
relação direta com a melhora da aprendizagem. “Sempre digo que é preciso
melhorar a gestão das despesas também, mas isso também ocorre por meio da
vinculação. Se eu coloco 37% do meu orçamento [no caso dos Estados] para
educação, há um olhar diferenciado para esse dinheiro.”
Ele
ainda cita casos de sucesso em que o valor adicional aplicado em educação
ajudou a trazer mais resultados. “Basta lembrar o impacto do Ceará quando se
passou a redistribuir parte do ICMS de acordo com o número de crianças
alfabetizadas, e não só matriculadas. Quando atrelamos dinheiro a resultados,
há outra sentido e importância para o planejamento e resultado de uma
atividade”, afirma Mozart.
Oliveira,
do Cenpec, ainda avalia que a extinção do piso acabaria por implodir o novo
Fundeb, aprovado no ano passado e que eleva gradualmente de 10% para 23% os
repasses da União para as redes de ensino com menos recursos no Brasil. “O
Fundeb é uma redistribuição de recursos vinculados, se não tem a vinculação,
não tem Fundeb”, resume.
A
Undime, entidade que representa os secretários municipais de Educação,
considera a alteração “impensável”. “É temerário repetir o discurso de que há
recursos e de que o problema é de gestão, ou de que a desvinculação daria mais
autonomia aos entes federados”, diz nota divulgada ontem. Posição semelhante
também veio do Consed, que reúne os secretários estaduais de Educação. “No que
se refere à educação, muito ainda há que se investir na manutenção e
desenvolvimento do ensino, especialmente na educação básica pública, para que
se alcancem patamares satisfatórios de qualidade”, diz nota da instituição.
O movimento Todos pela Educação lembrou que a medida vai na direção contrária às regras do novo Fundeb. “Importante lembrar que a Emenda Constitucional 108, aprovada de forma quase unânime no Congresso Nacional em 2020, tornou o Fundeb mais justo e eficiente na distribuição dos recursos educacionais”, diz nota da entidade.
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