Prerrogativas
presidenciais no centro do debate
A
reacomodação das relações do Palácio do Planalto com os demais Poderes, depois
de fricções institucionais que o fizeram perder tempo e energia nos últimos
dois anos, deu mais conforto para o presidente Jair Bolsonaro comprar novas
brigas. A missão atual é enfrentar a parte do mercado que vez ou outra decide
questionar o que deve e o que não deve fazer um presidente da República ao
exercer as suas prerrogativas exclusivas de chefe do Executivo.
Está
incluído nesse rol de atividades, na visão governista, as gestões necessárias
para que empresas ou órgãos estatais calibrem tarifas e deem mais transparência
na formação de preços, a fim de reduzir a insatisfação popular com o aumento
dos custos de vida.
Não
é pequena a apreensão com a queda da aprovação do governo, a despeito do
posicionamento oficial que teima em tentar desqualificar os institutos de
pesquisa. A maior preocupação no Planalto e na Esplanada dos Ministérios,
contudo, é com o insistente risco de uma nova greve dos caminhoneiros. Uma
reedição do movimento que parou o Brasil durante o governo Temer poderia ser o
estopim dos temidos distúrbios sociais, que não ocorreram em momento algum
durante a pandemia.
Para
aliados do presidente, está controlado, neste momento, o risco de abertura de
um processo de impeachment ou de instalação de comissões parlamentares de
inquérito (CPIs). Esse é o saldo da bem-sucedida articulação do governo com a
base aliada durante as eleições para as mesas diretoras da Câmara dos Deputados
e do Senado.
Por outro lado, a despeito do efeito negativo que iniciativas intervencionistas possam gerar para a imagem da equipe econômica, outros setores do governo acreditam que o ministro Paulo Guedes e seus auxiliares podem ostentar perante a iniciativa privada a aprovação do projeto de autonomia do Banco Central, dispositivos da PEC Emergencial e o mais recente impulso à privatização da Eletrobras. Este último contou, inclusive, com a presença do próprio Bolsonaro no gesto de entrega da medida provisória ao Congresso, num ato simbólico do respaldo presidencial à agenda de privatizações.
Na
ótica de alguns aliados do presidente, obviamente não da ala liberal, “o tal
mercado” é uma entidade amorfa e em grande parte formado por pessoas que não
têm compromisso com o Brasil, aproveitam-se do endividamento do setor público
em um momento de calamidade e buscam ganhos com a desvalorização dos ativos
estatais. Para uma ala do governo, há que se ter cuidado com as pressões pelas
privatizações, sobretudo numa conjuntura em que a depreciação dos preços das
ações de empresas estatais interessa mais aos potenciais compradores do que ao
Estado.
O
discurso, claro, contradiz falas anteriores do próprio Bolsonaro e daqueles que
habitam o núcleo decisório do governo. Vai contra a necessidade de o Brasil
atrair investimentos privados e mostrar-se amigável ao capital estrangeiro.
Destoa,
também, de iniciativas que contam justamente com o setor privado para destravar
obras de infraestrutura, tão conhecidas por sua capacidade de gerar empregos e
dar tração à atividade econômica. Mudanças nos rumos do Programa de Parcerias
de Investimentos (PPI) não ajudariam a dar previsibilidade à iniciativa
privada.
O
inimigo oculto do momento está escolhido. E este teria braços na máquina
federal, em órgãos de Estado e agências reguladoras. O rival buscaria boicotar
o poder central por dentro do sistema, com sua insensibilidade em relação aos
riscos de uma greve dos caminhoneiros ou ao aumento do custo de vida da classe média.
Acusação semelhante foi feita no passado em relação aos servidores que atuaram
em gestões anteriores, inclusive os de carreira.
O
roteiro adotado pelo presidente também tem outros trechos conhecidos. Ao partir
para cima do setor de energia, usou uma de suas frases prediletas: “Pior do que
uma decisão mal tomada é uma indecisão”.
Bolsonaro
empregou a assertiva nos mais variados contextos e com diversos objetivos. Já a
utilizou, por exemplo, quando decidiu trocar o ministro da Saúde para mudar a
condução do combate à covid-19 ou, em outro momento, insistir nas críticas ao
isolamento social. Serviu-se dela quando tentou acelerar as discussões para
manter o auxílio emergencial antes da virada de ano. Incluiu-a num discurso
dentro do Congresso Nacional, ao citar indiretamente a necessidade de se
avançar na reforma da Previdência.
Agora,
foi a vez de a frase, sempre apresentada pelo presidente como uma máxima
militar, ser aplicada para justificar nova leva de iniciativas que contrariam a
ala liberal de sua administração e o mercado financeiro. Isso mostra que,
embora antes pudesse estar algo titubeante, uma nova cruzada pode ter sido
iniciada pelo Palácio do Planalto.
Essa
mudança de Norte pode lhe custar a renovação de apoios importantes na campanha
de 2022, mas, para o presidente, isso parece algo de menor peso. Até porque o
mercado pode ter alternativas e deixar o barco da reeleição quando candidaturas
adversárias forem confirmadas.
Neste
episódio recente, Bolsonaro deu seguidas provas de que visa, sobretudo, a
recuperação de sua imagem entre os caminhoneiros, categoria que historicamente
o tem como aliado, e a classe média. Com o novo auxílio emergencial, tenta
evitar maiores desgastes entre os mais pobres.
Nem mesmo os menos pragmáticos integrantes da oposição menosprezam a capacidade de Bolsonaro se adaptar e fazer movimentos táticos para alcançar seus objetivos. Sua eleição para a presidência, depois de uma campanha em que conseguiu personificar o antipetismo (inclusive por falta de adversários que fossem capazes de fazê-lo), é prova disso. Outra evidência dessa sua característica foi a recente reconstrução de pontes com o Supremo e os partidos tradicionais, depois de graves atritos. As consequências de sua mais recente empreitada, contudo, ainda serão conhecidas.
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