quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

PEC Emergencial desidratada embute riscos – Opinião / O Globo

Apesar do acerto entre Executivo e a cúpula do Congresso na semana passada para a aprovação da PEC Emergencial, com uma cláusula de calamidade a fim de viabilizar o auxílio emergencial, o projeto apresentado ontem ao Senado foi desidratado e embute vários riscos. O relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), já pusera em circulação no final do ano passado uma proposta sem muita capacidade de conter gastos públicos. Foi mal recebido. Em vez de se corrigir, repetiu a dose.

O primeiro grande risco nada tem a ver com o espírito original da PEC. Trata-se da recriação do auxílio emergencial ao largo de todas as âncoras fiscais que zelam pela saúde das contas públicas. No texto de Bittar, o novo auxílio fica não apenas fora do teto de gastos, mas também à margem do cálculo da meta fiscal e da regra de ouro (segundo a qual, o Estado não pode se endividar para gastar em custeio). Pelas contas do Ministério da Economia, se o gasto não passar de R$ 40 bilhões por quatro meses, poderá ser compensado pela extensão do congelamento salarial do funcionalismo para este ano. Mas não há garantia alguma de que o Congresso não queira ser mais generoso. Abre-se uma nova brecha para a explosão fiscal.

Também em 2020, o Orçamento de Guerra liberou dos controles fiscais os recursos para o auxílio. Embora a medida fosse necessária e urgente para lidar com a emergência da pandemia, seu custo ficou além do que era preciso — e ampliou a já exorbitante dívida pública. No campo da bondade, sempre haverá no governo correntes “desenvolvimentistas” prontas a impulsionar a economia por meio de despesas públicas sem qualquer preocupação fiscal. É uma receita desastrosa.

No ano passado, a liberação da ajuda a estados e municípios acertadamente implicou o imediato congelamento dos salários do funcionalismo. Desta vez, a PEC Emergencial estipula o veto a diversas medidas geradoras de gastos, como contratações, promoções ou reajustes. É o princípio correto. Mas Bittar retirou do texto o gatilho que, numa situação de grave crise fiscal, determinava corte de 25% nos salários dos servidores com igual redução da carga horária. Embora as demais medidas de contenção de despesas sejam desejáveis, ficam aquém do necessário diante do descalabro fiscal que o país atravessa.

Finalmente, numa espécie de manobra diversionista que despertou reação virulenta nos setores afetados, Bittar incluiu na PEC a revogação dos pisos constitucionais dos gastos em Saúde e Educação, para União, estados e municípios. É preciso mesmo reduzir as despesas obrigatórias naquele que talvez seja o Orçamento mais engessado do mundo. Mas abandonar o compromisso com gasto mínimo em áreas tão estratégicas não é medida que possa ser tomada sem reflexão sobre as consequências.

No caso da Educação, o texto desfaz o que o próprio Congresso fez ano passado ao aprovar o novo Fundeb, principal fonte de recursos para o ensino público básico. Não é aceitável usar a PEC para abrigar esse enorme jabuti.

Tudo precisa voltar ao começo, com a reposição dos gatilhos, a retirada da desvinculação dos gastos com Educação e Saúde e um mínimo de disciplina na criação do auxílio emergencial. Se não for assim, além do descontrole da pandemia, o país enfrentará um aprofundamento sem limites da crise fiscal. Será uma dupla tempestade perfeita. 

Mudança fora de hora – Opinião / O Estado de S. Paulo

Em meio a uma emergência nacional, não é boa hora para discutir a eliminação das vinculações de verbas de educação e saúde

Educação e saúde são assuntos da máxima importância, decisivos para o desenvolvimento econômico e social, e só com muito cuidado se deve mexer em suas condições de financiamento. Em meio a uma emergência nacional, não é uma boa hora para discutir a eliminação das vinculações de verbas destinadas aos dois setores. O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC Emergencial, escolheu a ocasião e a forma erradas para propor essa mudança. Se a ideia for aprovada, União, Estados e municípios ficarão livres da obrigação de aplicar um mínimo da receita fiscal nas duas áreas. Até a existência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) poderá ser comprometida, como alertou o senador Flávio Arns (Podemos-PR).

Pela Constituição, União, Estados e municípios devem destinar para educação e saúde pelo menos uma determinada porcentagem de sua receita. Em educação, por exemplo, o poder central tem de aplicar no mínimo 18% do valor dos impostos. No caso de Estados, Distrito Federal e municípios, a parcela mínima é de 25%, incluída no bolo a receita de transferências. Essas vinculações engessam os orçamentos públicos e podem impedir o uso mais eficiente do dinheiro público. A discussão sobre o assunto começou nos anos 1990, até hoje sem resultado prático, e a ideia de eliminação desse dispositivo foi retomada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

O tema agora se misturou a uma questão de alcance imediato, a recriação do auxílio emergencial para algumas dezenas de milhões de famílias pobres. A mistura é oportunista, desnecessária e injustificável. Executivo e Congresso podem explorar soluções diretamente ligadas ao desafio de curto prazo: encontrar meios para destinar cerca de R$ 40 bilhões às famílias mais vulneráveis sem violar o teto de gastos ou outras normas de disciplina fiscal. Isso já foi feito em 2020. Novas possíveis soluções têm sido examinadas sem ligação com o tema das vinculações.

Convém levar em conta a observação prudente do economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado. “As vinculações têm uma razão de ser. (…) A Constituição de 1988, que colocou isso como prioritário, tinha o objetivo de garantir fatias do Orçamento para áreas essenciais. Mudar isso não é trivial”, acrescentou. “É mais um ponto que vai exigir longa discussão.”

Em nota, prudência foi recomendada também pelo movimento Todos pela Educação: “A desvinculação não pode ser aproveitada de forma aligeirada e oportunista. Os recursos da educação precisam ser protegidos das pressões de curto prazo e do populismo”. Há o risco, segundo o movimento, de uma “redução substancial” de gastos públicos com educação.

A indispensável discussão, ampla e de nenhum modo apressada, tem de envolver duas perspectivas. A crítica às vinculações vem sendo feita desde os anos 90, e o assunto foi discutido com missões técnicas do Fundo Monetário Internacional. Despesas obrigatórias reduzem a margem de manobra do Orçamento e prejudicam a eficiência da gestão das finanças públicas e da administração. Além disso, prioridades podem variar de um ano para outro e também entre União, Estados e municípios. Por fim, mas não menos importante, gastos obrigatórios podem facilitar a corrupção.

Enfim, é preciso levar em conta alguns dados importantes e irrefutáveis. Primeiro: a qualidade da educação no Brasil é muito inferior à de países onde inexiste a vinculação legal. Segundo: o País estaria em condição sanitária muito melhor, depois de um ano de pandemia, se o governo houvesse conduzido com seriedade e competência a política de saúde, mesmo sem verbas vinculadas.

Mas a mera desvinculação, especialmente neste momento, será insuficiente para produzir qualquer melhora na gestão pública. Nas condições atuais, desobrigar o poder público de realizar certo volume de gastos em educação e saúde resultará, quase certamente, na piora de um quadro já assustador. Melhor mesmo, neste momento, é evitar prejuízos maiores. A hora certa acabará chegando.

A tragédia oculta – Opinião / O Estado de S. Paulo

Vírus avança por pequenas e médias cidades e leva sistemas de saúde ao colapso

Médicos de pequenas e médias cidades do País estão tendo de tomar uma das mais dramáticas decisões no exercício da profissão: escolher quem receberá socorro nos hospitais e quem não será atendido. O aumento descontrolado dos casos de covid-19 tem levado ao colapso o sistema de saúde desses municípios. Em muitos casos, os profissionais de saúde, na verdade, devem decidir quem vive e quem morre.

Não se chega a um estado de calamidade como esse sem uma inacreditável sucessão de erros. A situação do Brasil é a pior possível. Contribuíram para este resultado o descaso e a incompetência do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a disseminação descontrolada de uma nova cepa do coronavírus identificada em Manaus, a variante P.1, potencialmente mais contagiosa, e o comportamento descuidado de muitos cidadãos que, seguindo o mau exemplo do presidente Bolsonaro, insistem em menosprezar as medidas de proteção preconizadas pelas autoridades sanitárias.

O aumento expressivo dos casos que necessitam de internação tem provocado filas de espera por vagas de UTI nos pequenos e médios municípios do interior e uma “corrida” das equipes médicas para dar alta aos pacientes muito graves, não porque estes se recuperam, mas para liberar seus leitos para que pacientes gravíssimos sejam atendidos.

A situação desesperadora foi relatada ao Estado por médicos, secretários municipais de Saúde, pacientes e familiares. Em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, pacientes de covid-19 ocupam 95% dos leitos de UTI da cidade. Em Monte Carmelo, também em Minas Gerais, há mais de um mês todos os 16 leitos de UTI da cidade são ocupados por pacientes com o novo coronavírus. O prefeito Paulo Rocha (PSD) chegou a publicar vídeos nas redes sociais pedindo doação de cilindros de oxigênio para o Hospital Alberto Nogueira, o único a tratar da covid-19.

Em Maringá, no Paraná, a ocupação dos leitos de UTI do Hospital Universitário, referência na região, está em 100% há semanas seguidas. “Antes da pandemia, tínhamos 8 leitos de UTI. Abrimos 20 novos leitos. Para um hospital do nosso porte, o aumento é absurdo. A linha entre a superlotação e o colapso é muito tênue”, disse Edvaldo Vieira de Campos, coordenador da UTI da unidade.

Cidades do interior de São Paulo, o Estado mais rico da Federação e, portanto, o mais capacitado para dar combate à pandemia, também vivem a agonia da falta de leitos. Na segunda-feira passada, o Estado atingiu o pico de internações desde o início da pandemia. Em Araraquara, que há dias consecutivos registra novos casos da variante P.1, as UTIs estão lotadas. A prefeitura decretou lockdown. Em Jaú, onde a variante brasileira também já circula sem controle, a capacidade de atendimento está bem aquém da demanda.

Esses são apenas alguns poucos exemplos que vieram a público. O Brasil tem 5.570 municípios. Não é improvável que, sem receber a mesma atenção dada às grandes cidades do País, muitos pequenos e médios municípios estejam vivendo uma tragédia oculta.

O Ministério da Saúde tem o dever de mapear a situação dos sistemas de saúde em todo o País e coordenar os esforços para que cada um deles esteja apto a prestar atendimento a todos os que a eles acorram. Deve providenciar leitos onde eles estão faltando. Garantir o suprimento de oxigênio para que não se repita o horror dos manauaras. Comprar insumos e medicamentos para que não faltem nos hospitais e postos de saúde. E, sem mais delongas, trabalhar para trazer ao Brasil vacinas em quantidade necessária para imunizar toda a população. A solução para o flagelo da covid-19 é a vacina.

Países que foram previdentes no planejamento da vacinação de seus cidadãos já observam queda no número de casos graves, internações e mortes, além de experimentar o início de uma recuperação da atividade econômica. Já os brasileiros têm de lidar com a angústia de não só não saber quando serão vacinados, como também não ter a certeza de que encontrarão uma vaga em hospital caso necessitem – situação especialmente grave em cidades que mal têm estrutura de atendimento e que padecem longe dos holofotes. 

A ascensão do comércio com a China – Opinião / O Estado de S. Paulo

É preciso diversificar a pauta de exportações e qualificar os canais diplomáticos

Na pandemia, as vendas para a China deram um salto, passando de cerca de 1/4 para 1/3 do total de exportações do Brasil. Com a reaceleração da economia chinesa essa tendência deve se acentuar, mas, para que ela seja otimizada em todo o seu potencial, o Brasil precisa se preparar para diversificar suas vendas além das commodities e requalificar as suas relações diplomáticas.

Há 20 anos a China não figurava sequer entre os dez maiores parceiros comerciais do Brasil, respondendo por 2% das exportações nacionais, enquanto os EUA, principal parceiro à época, respondiam por 24%. Já em 2004, a China saltou para a quarta posição, e em 2009, com a crise financeira global, assumiu o primeiro lugar, onde se mantém e se manterá num futuro previsível. Na última década, o Brasil acumulou mais de US$ 170 bilhões de superávit com a China – 48% do saldo positivo com todo o mundo.

Entre 2019 e 2020, enquanto o total de exportações brasileiras caiu de US$ 225,4 bilhões para US$ 209,9 bilhões e as vendas para os EUA caíram de US$ 29,7 bilhões para 21,5 bilhões (27,6%), as vendas aos chineses subiram de US$ 63,4 bilhões para US$ 67,8 bilhões (7%), respondendo por inéditos 66% do superávit comercial.

Em 2021, o apetite chinês pelas commodities brasileiras deve crescer. A economia da China, que em 2020 foi uma das poucas a crescer (2%), deve se expandir entre 8% e 9% em 2021. Sete dos dez principais produtos de exportação em 2020 foram destinados à China: além da soja, ferro e petróleo – somando 74% das vendas para os chineses –, destacaram-se açúcar, celulose e especialmente a carne, por causa da peste suína.

“Vivemos um incipiente processo de diversificação da pauta nas exportações do agronegócio para a China”, disse em artigo para o Estado a diretora do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Claudia Trevisan. “Essa tendência deve se acentuar com a esperada elevação do grau de urbanização e da renda per capita do país.”

Toda essa expansão, no entanto, se deu não em razão da diplomacia do governo de Jair Bolsonaro, mas apesar dela. “O governo brasileiro, nas suas manifestações públicas, tem apresentado algumas disfuncionalidades. São manifestações que exprimem posições pessoais”, disse o ex-embaixador em Pequim e presidente do CEBC, Luiz Augusto de Castro Neves. Segundo Roberto Abdenur, também ex-embaixador na China, “nos dois anos de Bolsonaro o Brasil não teve, a rigor, uma política externa”, mas sim “uma destruição da diplomacia”. Para o diplomata, “as coisas de que falam o chanceler Ernesto Araújo e os assessores da ala ideológica são devaneios, uma nuvem de teorias da conspiração”.

Nada disso deveria implicar aquiescência com os abusos do despotismo chinês. Mas há o momento e os fóruns adequados para se pronunciar a esse respeito. Com o governo de Joe Biden nos Estados Unidos, espera-se um revigoramento dos concertos multilaterais entre as nações democráticas para conter esses desmandos. Mas será forçoso distinguir entre interesses econômicos comuns e divergências político-ideológicas. No Itamaraty do sr. Araújo, contudo, impera o pior dos mundos: suas declarações impertinentes não contribuem nem para mitigar os abusos do regime chinês nem para fortalecer as relações econômicas com o país.

Felizmente, por parte da China tem prevalecido o pragmatismo. De resto, forçado pelas circunstâncias – notadamente o fim da presidência de Donald Trump nos Estados Unidos e o fornecimento da Coronavac, praticamente a única opção do Brasil hoje para promover a vacinação em massa –, o governo tem feito acenos positivos à China. “Mas é fato”, disse Castro Neves, “que o papel do Ministério das Relações Exteriores se tornou secundário.” A negociação para as vacinas, por exemplo, além dos esforços do governo de São Paulo, contou com a participação do ex-presidente Michel Temer e de representantes sensatos do governo federal, como a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

“Hoje, Estados e empresas privadas têm seus próprios canais de conexão com o mundo”, constatou Neves. Ante um Itamaraty contraproducente, estimular esses canais deve estar na ordem do dia das autoridades políticas e empresariais.

De certo, só o auxílio – Opinião / Folha de S. Paulo

Correta, PEC que viabiliza volta do benefício não dá segurança quanto a ajustes

Veio à luz, enfim, o texto da proposta de emenda constitucional destinada a viabilizar a renovação do auxílio emergencial durante a pandemia. A nova PEC, embora apresente dispositivos meritórios, ainda suscita mais dúvidas do que traz segurança ao processo.

O caminho correto para a necessária volta do benefício seria, como advogou esta Folha, estabelecer suas normas e valores durante a análise do projeto de Orçamento deste ano —vergonhosamente ainda não aprovado pelo Congresso.

Desse modo, a nova despesa ficaria adequada aos limites da capacidade do Tesouro Nacional, com cortes correspondentes de desembolsos em outras áreas.

Em vez disso, prevaleceram o imediatismo político e a índole acomodatícia das forças que hoje dão as cartas no Legislativo, com o beneplácito do governo Jair Bolsonaro. Dado o desinteresse em ajustes orçamentários reais e imediatos, achou-se um arranjo que os mantêm num plano um tanto abstrato.

A PEC permite que os pagamentos da nova versão do auxílio emergencial não estejam submetidos ao teto dos gastos federais nem à meta fiscal do ano —que já fixa déficit descomunal de R$ 247 bilhões, sem contar encargos com juros.

Não se sabe quanto custará o benefício, qual será sua duração, quem o receberá. Tudo isso se definirá por medida provisória. De certo, pode-se afirmar que a MP será aprovada com folga e que o programa resultará em aumento da já explosiva dívida pública.

Para o reequilíbrio futuro das finanças públicas, a providência mais palpável é a instituição de medidas automáticas de ajuste para quando as despesas obrigatórias (com Previdência e pessoal, principalmente) passarem de 95% da despesa não financeira total.

Ficou fora do texto a permissão para o corte de jornadas de trabalho e salários do funcionalismo, proposta do governo que o próprio relator da PEC havia considerado correta e constitucional. Tal providência permitiria redução efetiva e virtuosa de desembolsos.

A proposta prevê o fim dos limites mínimos para os dispêndios em saúde e educação, mas o dispositivo já se encontra sob ataque político e suas chances de aprovação parecem remotas. Tampouco convém apostar na norma que determina o corte de subsídios tributários, em plano a ser apresentado pelo presidente da República.

Com outros artigos voltados à gestão pública, a PEC não deixaria de representar um avanço se aprovada ao menos parcialmente. Está longe, porém, de assegurar um manejo prudente do Orçamento, em tempos de calamidade ou não —ainda mais diante das mostras recentes do oportunismo eleitoreiro e irracional de Bolsonaro.

Dilema equatoriano – Opinião / Folha de S. Paulo

Com nomes definidos no 2º turno, país lida com demanda social e crise fiscal

Decorridas duas semanas desde o primeiro turno das eleições presidenciais do Equador, afinal foram conhecidos os postulantes que se enfrentarão na rodada definitiva a ser realizada em 11 de abril.

No domingo (21), após uma apuração marcada por recontagens, impugnações e acusações de fraude, o órgão eleitoral do país anunciou que o candidato de centro-direita Guillermo Lasso superou, por margem minúscula, o líder indígena Yaku Pérez e, portanto, disputará o segundo turno contra o esquerdista Andrés Arauz.

Para além das diferenças ideológicas, os dois candidatos se distinguem por suas posições ante o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), que ainda exerce grande influência na política do país, mesmo vivendo na Bélgica desde 2017.

Favorecido pelo aumento dos preços de exportação de commodities, Correa colheu bons resultados na economia, que cresceu em média 3,3% durante seus anos no poder. Com as verbas extras, promoveu uma série de reformas sociais, como a ampliação das políticas de redistribuição de renda e a construção de escolas, estradas e moradias subsidiadas.

Ao mesmo tempo, escancarou a face autoritária, avançando contra a imprensa e adversários políticos, além de ver-se envolvido em escândalos de corrupção. Em 2020, foi condenado a oito anos de prisão por favorecimento a empresas, entre elas a brasileira Odebrecht, em troca de recursos para seu partido.

Depois de tentar, e não conseguir, ser vice na chapa de Arauz, Correa assumiu o papel de seu padrinho político —suficiente para alavancar um nome até então pouco conhecido do público.

Entre as promessas do candidato constam, como seria de esperar, o retorno das políticas de redistribuição de renda e alto gasto público, bem como um auxílio de US$ 1.000 aos mais de 1 milhão de equatorianos desempregados.

Já o antagonista do ex-presidente, Lasso, embora defenda políticas de austeridade, também anunciou bônus e moradias para os afligidos pela calamidade sanitária, além de comprometer-se com a criação de 1 milhão de postos de trabalho.

Desafiador será coadunar as demandas por seguridade social, agravadas pela crise, com a difícil situação fiscal do país, que acumula queda de cerca de 10% no PIB em 2020 e endividamento crescente —dilema que, em maior ou menor proporção, também se coloca para os demais latino-americanos.

PEC deixa de lado servidores e mira educação e saúde – Opinião / Valor Econômico

PEC busca se desviar da rota de colisão com os lobbies corporativos dos funcionários públicos

A PEC emergencial que chega para o voto do Senado amanhã abre o caminho para a sustentação do teto de gastos, com gatilhos para deslanchar medidas de reequilíbrio, e com a criação de um estado de calamidade nacional, com medidas para evitar o aprofundamento de crises fiscais. Não há uma mudança de qualidade clara entre o esforço que União, Estados e municípios terão de realizar em uma situação normal de aperto fiscal - que se prolonga por seis anos - e a de calamidade, exceto o grau de liberdade concedido ao Executivo para esquecer por algum tempo o teto de gastos. O relator Márcio Bittar (MDB-AC) resolveu eliminar o piso obrigatório de gastos com saúde e educação, que afetam a maioria dos brasileiros. Corte de salários proporcionais ao corte de jornada do funcionalismo foi deixado de lado, talvez por ser politicamente inviável.

No curto prazo, pouca coisa deve mudar. O auxílio passará ao largo da PEC como crédito extraordinário - ainda sem montante - e do teto de gastos e não afetará a meta de déficit fiscal, de R$ 247 bilhões, de um Orçamento ainda não votado. O espaço para mais gastos poderá ser aberto, inacreditavelmente, com a desvinculação dos recursos destinados à saúde e educação. É uma saída muito polêmica e um desvio inaceitável.

A sensibilidade social do governo se mostrou mais uma vez pelas sucessivas tentativas de arrumar dinheiro (pouco) dentro do teto para o novo auxílio. Foi proposta a desindexação das aposentadorias acima de um salário mínimo. Na versão mais recente, cogitou-se retirar a obrigatoriedade de correção do salário mínimo, assim como a do seguro-desemprego e de outros benefícios sociais. Essas ideias foram ficando, felizmente, pelo caminho.

O caminho da PEC busca se desviar da rota de colisão com os lobbies corporativos dos funcionários públicos, uma minoria bem remunerada e protegida em relação à imensa maioria dos brasileiros. A folha de pagamentos da União é sua segunda maior despesa - R$ 363,4 bilhões previstos para 2021. O governo não pretende, e o Centrão não quer, mexer nesse setor. Apesar do congelamento do salário dos servidores neste ano, os militares receberão aumentos. A possibilidade de corte de até 25% com redução de jornada é crucial, mas foi abandonada. O relator Márcio Bittar assinalou corretamente em seu parecer: “A redução de remuneração com redução da jornada constitui, dentre as medidas previstas, a única efetivamente capaz de acarretar uma diminuição da despesa com pessoal. As demais somente poderão evitar que ela continue a crescer”. A proposta foi desprezada.

A primeira fonte de despesas da União, a Previdência, já foi objeto de uma reforma que começa a dar frutos. Mesmo assim, o governo tentou atingir as aposentadorias via congelamento do salário mínimo, provando uma distribuição de renda ao reverso - a cada 0,1% adicional do INPC, são cerca de R$ 700 milhões de economia com a Previdência. Mas a “maldade” atingiria todos os trabalhadores que ganham o mínimo, quando mal há emprego.

O relator optou pela mudança nos recursos na saúde e educação, com apoio do novo presidente da Câmara, Arthur Lira. Eles consomem R$ 219,4 bilhões (Orçamento de 2021), muito menos que as despesas com funcionalismo. Não se trata só de números, porém. É inacreditável que durante uma pandemia mortal a correção de gastos de um Estado paquidérmico recaia sobre saúde. A covid-19, além disso, atrasou a instrução de todos em um ano e esse tempo perdido que precisa ser recuperado, principalmente nas escolas públicas - com menos recursos, se a PEC for aprovada. Antes, o governo sugeriu segurar o aumento de verbas ao Fundeb.

A discussão das vinculações são complexas e já deveriam ter sido enfrentadas pelo Congresso, mas não deveriam entrar de afogadilho em uma PEC Emergencial que está no Congresso desde 2019 e que foi desfigurada. Pior, para fazer a desvinculação, a PEC muda o capítulo dos direitos sociais - moradia, trabalho, saúde, educação etc - acrescentando um parágrafo: em sua promoção, “deve ser observado o equilíbrio fiscal intergeracional”. Com uma penada vai-se parte importante da Constituição de 1988. Essa discussão é crucial, as opções em país pobre como o Brasil são exíguas, mas este é outro tema importante demais para ser deixado nas mãos do governo Bolsonaro e dos arrivistas do Centrão.

Pelo desejo dos líderes do Congresso, a aprovação da PEC no Senado bastará para que uma MP deslanche o pagamento do auxílio. Pelas ambições iniciais e pelo resultado final, a montanha governista pariu um rato bem feio.

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