quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Vinicius Torres Freire – Guedes e o show da venda da Eletrobras

- Folha de S. Paulo

De concreto, MP apenas permite estudo da privatização, rejeitada no Congresso

Jair Bolsonaro não tinha ideia do tamanho da bobagem que fazia com seu chilique da Petrobras. Depois do grande sururu nos mercados financeiros e da desmoralização adicional de Paulo Guedes, resolveu passar um leite condensado no seu faniquito estatista e no ministro amargo e amargurado. Juntou uma corte de ministros e foi no início da noite desta terça-feira ao Congresso entregar ele mesmo uma medida provisória que prevê a privatização da Eletrobrás.

Um ministro do Planalto diz que Bolsonaro “sentiu a paulada” e resolveu dar “um passo atrás” no caso da Petrobras. O presidente ainda quer que inventem algum modo de dar previsibilidade aos reajustes de preços —disso não abriria mão, pois seria desautorizado. “Não dá para ter um anúncio por semana de reajuste de combustível”, teria dito Bolsonaro. Quer também que a venda da Eletrobras permita a redução de preços de eletricidade. Mas concordou em moderar a patada na petroleira e fazer um “gesto” para prestigiar Guedes, que de “superministro” (de nada) vinha sendo reduzido à condição de meme de redes sociais. A MP da Eletrobras serviu para fazer um show.

Do que trata a MP, entre muitos assuntos complicados de concessões do setor elétrico? Na verdade, trata-se de vender novas ações da “holding”, o suficiente para fazer com que o governo deixe de ser seu controlador, ideia que vem de 2016, de Michel Temer. Obviamente, ninguém vai vender ou comprar ação alguma antes de haver um planejamento financeiro da venda (“modelagem”). Mas a medida provisória (MP) permite que o BNDES comece a “modelar” a venda.

Até o ano passado, o Congresso não queria aprovar o projeto de lei de privatização da Eletrobrás, ignorado em um escaninho. Até a semana passada, não queria ouvir falar de MP de privatização, ideia relançada pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, no início deste mês e espancada por um monte de parlamentares desse mesmo centrão que “dá o maior apoio” ao governo. Albuquerque andava negociando a MP. Dizia que a “modelagem” da venda ficaria pronta neste ano. As ações seriam vendidas em 2022.

A Eletrobras é a cabeça de um sistema de empresas: Chesf, Eletronorte, Eletronuclear, Eletrosul, Furnas e metade de Itaipu, entre outros agregados. Eletronuclear (as usinas de Angra) e Itaipu ficariam na mão do governo. O resto, se vier privatização, fica na mão de acionistas privados, nenhum deles com mais de 10% das ações da nova empresa. A Eletrobrás é responsável por algo mais do que 35% da geração de energia elétrica no Brasil.

Parte do Congresso não quer privatizar a Eletrobras porque a empresa é uma das grandes vacas leiteiras de cargos gordos restantes no mundo das estatais, com peso grande em Minas, Nordeste, Norte e Sul do país. As empresas têm influência em várias outras políticas das regiões em que atuam. O próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse em janeiro que a privatização da Eletrobras não era prioridade do Congresso.

O movimento de “prestigiar” Guedes deve continuar. Deve-se dar um empurrão no projeto de venda dos Correios, por exemplo. Algo mais deve entrar na fila de modo a disfarçar esse grande fracasso do grande liberal, as privatizações.

Não se sabe o que vai passar desses projetos. Ainda não se entende bem o acordo ou a relação de Arthur Lira, presidente da Câmara, com o governo e com sua base centroide. As ambiciosas PECs de ajuste fiscal lançadas em 2019 foram reduzidas a arrochinho hipotético, por exemplo. A MP da Eletrobras pode ser lipoaspirada ou amputada.​

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