Pandemia
não mudou viés liberal da agenda econômica
Em
novembro de 2018, definida a vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial,
Paulo Guedes, escolhido para ser o ministro da Economia do novo governo, foi a
Brasília tomar pé da real situação fiscal do país. Foi recebido no Palácio do
Planalto pelo então presidente Michel Temer, o ministro Moreira Franco
(articulação política), o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE) e o
líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR). Temer queria saber de Guedes
que plano ele tinha para a então 7 economia do planeta.
Os
encontros não se limitaram aos integrantes da cúpula do governo e do Congresso.
O atual ministro se reuniu também, na ocasião, com o presidente do Supremo
Tribunal Federal, Dias Toffoli. Com o entusiasmo típico de quem chega a
Brasília achando que, a bordo de suas (boas) ideias, a Ilha de Vera Cruz
finalmente saltará do século XIX para o XXI, Guedes disse a todos, com
sinceridade desconcertante, o que discorrera a Temer.
"Olha,
vocês têm uma vida muito difícil hoje porque 96% do orçamento está carimbado.
Vocês são eleitos, têm que tentar pegar cargos nas estatais para desviar
recursos para financiamento de campanha, que é assim que financiamento político
é feito no Brasil. Aí, vocês têm que fugir do [juiz] Sérgio Moro por dois,
três, quatro anos. Se tudo der certo, vocês são reeleitos. Quando vocês são
reeleitos, o jogo político é 'voltem para a casa 1 [do tabuleiro]'. Vocês,
então, começam tudo de novo. Mas, aí, no terceiro ou quarto mandato, serão presos",
observou Guedes, segundo depoimento de participantes daqueles convescotes.
"Por exemplo, o Aécio Neves, a Dilma Rousseff e o Lula estão acossados. Quase pegaram o senhor, presidente Temer. Os senhores acham que essa é uma forma razoável de viver?", indagou o ministro para, na sequência, expor aos interlocutores seu plano mais ambicioso. "O que nós queremos é devolver os orçamentos e a responsabilidade dos orçamentos para a classe política. Para quê? Para não ter que fazer um financiamento lateral [de campanha], tortuoso, todo equivocado. Vocês têm que ser eleitos porque fizeram boas coisas com suas decisões e não porque desviaram mais recursos [públicos] para seus financiamentos de campanha", prosseguiu Guedes, colhendo dos poucos espectadores um silêncio profundo, "ensurdecedor" para quem não acha palavras nem argumentos racionais que desembaracem o constrangimento generalizado.
Temer,
o mais eloquente dos ouvintes, disse apenas: "Ousado. Teria todo o meu
apoio se eu estivesse aqui". Quebrando um liturgia do cargo de primeiro
mandatário da República, o entãio presidente levou Paulo Guedes ao elevador e o
acompanhou até o térreo.
Três
dias depois, Guedes foi convidado para almoçar com os então presidentes do TCU,
José Múcio Monteiro, do STF, Dias Toffoli, e do STJ, João Otávio Noronha. O
ministro repetiu sua pregação pela desvinculação das receitas _ como obriga a
Constituição nos casos da saúde e da educação _ e a desindexação das despesas,
como os benefícios da previdência.
Guedes
expôs, então, a ideia de criação do Conselho Nacional da República, que
reuniria, a cada três meses, os chefes do três poderes da República para
discutir a situação fiscal do país, uma ideia, de fato, fabulosa, embora
inexequível para país dominado por uma chaga secular chamada "pa-tri-mo-ni-a-lis-mo",
a mais vil de todas as correntes da corrupção e a mais intocada, aceita e
defendida de peito aberto pelos donos do poder nesta Ilha de Vera Cruz desde a
invasão dos europeus, em 1500.
Nota
do redator: se alguém necessita de desenho para entender o que é
patrimonialismo, segue aqui humilde sugestão _ é a ideia de os usuários do
poder, em todas as suas categorias (funcionalismo público, políticos,
empregados de estatais, sindicatos patronais e de trabalhadores e empresas
privadas fornecedoras de bens e serviços para o Estado), sejam _ ou se sintam e
se comportem como _ donos da coisa pública. Sãos os donos, literalmente,
daquilo que chamamos de República.
Entusiasmadíssimo
com a explanação do futuro ministro da Economia, Toffoli reagiu da seguinte
maneira: "Nós vamos para a História se tivermos essa coragem. Vamos dormir
no Brasil e acordar nos Estados Unidos, na Alemanha, em qualquer país
desenvolvido do mundo porque é isso o que acontece”.
O
Plano Guedes, que já foi chamado de Plano Mansueto, morreu com a pandemia, mas
renasce agora com a vontade política decisiva de um presidente da Câmara,
Arthur Lira, disposto a brigar por ideias polêmicas.
Ontem,
na “Live do Valor”, Lira detalhou a agenda econômica ambiciosa que pretende
votar até o fim deste ano. Entre os temas mencionados, constam, nesta ordem de
importância, a PEC Emergencial que institui regras para o "shutdown"
da União, dos Estados e municípios, isto é, os mecanismos que os entes da
Federação poderão usar para enfrentar crises fiscais provocadas, por exemplo,
por situações de calamidade pública, como a pandemia.
O
ponto mais importante e polêmico da PEC, porém, é a proposta de desvinculação
de receitas _ como as existentes na educação e na saúde, fixadas na
Constituição _ e a desindexação de algumas despesas. Lira tem convicção de que
a desvinculação, que vem sendo debatida desde o governo Collor (1990-1992) _
tem chance de ser aprovada pelo Senado, onde tramita a emenda neste momento, e
depois pela Câmara.
O
presidente da Câmara sustentou que a rigidez orçamentária, decorrente da
vinculação de receitas, provoca ineficiência nos gastos, e a educação
comprovaria isso, uma vez que o país desembolsa hoje algo em torno de 6% do
PIB, mas a qualidade do ensino público básico e fundamental só piora.
O deputado informou que, se o Senado aprovar a PEC ainda nesta semana, a Câmara poderá usar rito sumário para votar a PEC, uma vez que as comissões da Casa ainda não foram instaladas _ o regimento permite que, neste caso, a matéria (a PEC) possa ser votada sem ter que percorrer todo o caminho tradicional (admissibilidade pela Comissão de Constituição e Justiça, apreciação por comissão especial criada para essa finalidade etc).
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