Há uma evidente contradição entre a retórica do ministro Paulo Guedes e as ideias positivistas e nacionalistas que caracterizam a mentalidade dos militares brasileiros
Onde
foi que o Brasil perdeu o rumo? Essa pergunta tem muitas respostas, que variam
de acordo com a ideologia do interlocutor. Mas, se olharmos para o passado,
veremos na morte do presidente Tancredo, eleito pelo colégio eleitoral em 1985,
depois de grandes mobilizações populares em seu apoio, o momento em que um
projeto liberal com ampla base política e social foi abortado. O 21 de abril
daquele ano, contraditoriamente, foi a morte do projeto liberal. Nunca mais
houve no país uma correlação de forças como aquela, que lhe desse sustentação
para fazer coincidir a democratização do país com a ultrapassagem do modelo nacional
desenvolvimentista, que havia se esgotado.
Vice
eleito, José Sarney, oriundo da Arena, ao assumir a Presidência, se viu
contingenciado pelo liberalismo social de Ulysses Guimarães e por forças
políticas social-democratas, trabalhistas, socialistas e comunistas, à sua
esquerda, que derrotaram o Centrão na Constituinte. A sucessão de planos
econômicos de seu governo, a começar pelo Plano Cruzado, que resultou na
hiperinflação, foi resultado direto do experimentalismo econômico
desenvolvimentista, que buscava alternativas para recidiva de um modelo econômico
que já tinha dado o que tinha que dar. Em que pese suas críticas ao caráter
social da Constituição de 1988, o máximo de liberalismo a que o governo Sarney
chegou foi a política “feijão com arroz” do seu último ministro da Fazenda,
Maílson da Nobrega.
Outra
oportunidade para a agenda liberal foi a eleição de Fernando Collor de Mello,
que fez campanha com um programa dessa natureza, mas, tão logo assumiu a
Presidência, deu um cavalo de pau e lançou um plano que também naufragou, no
qual o confisco da poupança lhe surrupiou o apoio da classe média. Seu legado
foi a abertura comercial da economia, que não é pouca coisa, se levarmos em
conta a política de reserva de mercado adotada pelo regime militar, desde o
chamado “milagre econômico”, na década de 70, do qual herdamos o atual modelo
de transporte rodoviário, o atraso tecnológico na área de informática e um
sistema de saneamento que não trata o esgoto e multiplica as caixas d’água.
Talvez, a mais engenhosa política econômica de nossa história republicana, desde o Acordo de Taubaté, tenha sido o Plano Real, lançado no governo Itamar Franco, pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que viria a governar o país por dois mandatos. É falsa a ideia de que era um plano neoliberal, disseminada pelo PT até hoje. A própria existência de uma disputa entre social-liberais e desenvolvimentistas no governo tucano é a prova disso. Houve, sim, uma reforma bancária que consolidou nosso sistema financeiro e uma reforma patrimonial que privatizou a maior parte do setor produtivo estatal, em áreas que estavam em obsolescência industrial, como mineração e siderurgia, e de serviços, sobretudo a telefonia, que era um entrave à produtividade da economia. Mesmo se quisesse, não havia como financiar a modernização desses setores.
O
vice Michel Temer, ao assumir o governo, foi o último presidente da República a
apresentar um projeto liberal com começo, meio e fim, a chamada “Ponte para o futuro”.
Entretanto, não tinha tempo para implementá-lo, diante da recessão e da
necessidade de domar a inflação, além da falta de perspectiva política
provocada pelas denúncias do procurador-geral Rodrigo Janot, com base na
delação premiada da JBS. Quem agarrou a bandeira da agenda liberal com as duas
mãos foi Jair Bolsonaro, eleito presidente da República em 2018, com o atual
ministro da Economia, Paulo Guedes, como garoto propaganda. Mas há uma evidente
contradição entre a retórica do ministro e as ideias positivistas e
nacionalistas que caracterizam a mentalidade dos militares brasileiros.
Essa contradição se tornou cristalina neste episódio de mudança de comando na Petrobras, com a substituição de Roberto Castelo Branco, um executivo civil, pelo general Silva e Luna, prontamente apoiada pelo ex-senador Aloizio Mercadante (PT-SP), por se tratar de um “nacionalista”. É evidente a fritura de Guedes, cada vez mais enfraquecido. Na economia, sempre houve certa convergência entre as concepções nacionalistas dos militares e as ideias anti-imperialistas da esquerda tradicional. Com Bolsonaro no poder, é possível desenhar um cenário para as eleições de 2022 no qual essas forças se confrontarão novamente, como em 2018. Ainda não surgiu um político capaz de articular a agenda liberal e galvanizar o apoio popular, como Tancredo Neves.
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