Difícil
crer na habilidade do governo quando não se sabe a posição do presidente sobre
uma variedade de temas
A
curva de juros embutia na última segunda-feira uma alta da taxa Selic de 345
pontos base (pb) em 2021, 250 pb em 2022 e 55 pb em 2023, bem acima do que os
modelos econométricos estimam como necessário para manter a inflação próxima ao
centro da meta de 3,75% em 2021, 3,50% em 2022 e 3,25% em 2023. A estrutura a
termo, portanto, embute um prêmio de risco referente à aceleração inflacionária
causada, por exemplo, por uma depreciação cambial advinda da perda de confiança
na responsabilidade fiscal.
Até
recentemente, membros do Ministério da Economia defendiam que a extensão do
Auxílio Emergencial (AE) seria desnecessária, pois a utilização da poupança
formada em 2020 e o aumento do número de postos de trabalho seriam suficientes
para atenuar a perda de renda com o fim do programa. Segundo essa visão, a
extensão representaria um desvio no respeito ao equilíbrio fiscal. A única
alternativa seria o corte de gastos ou o aumento de impostos para custear a
extensão do programa.
Agora, representantes do governo e congressistas afirmam que uma extensão do AE da ordem de R$ 40 bilhões já era prevista desde o ano passado e, portanto, não seriam necessárias contrapartidas adicionais. Esse argumento é acompanhado pela tese de que a expansão da dívida pública inferior à prevista em meados do ano passado permite a extensão do programa sem maiores problemas.
A
alegação é suportada por uma trajetória inflacionária benigna, apesar da
expressiva deterioração fiscal dos últimos anos. Em 2014, ninguém imaginaria
que o país teria déficits primários enormes por mais de 10 anos, dívida pública
de 90% do PIB e, mesmo assim, a taxa Selic alcançasse 2% e a variação anual de
preços permanecesse próxima à meta de inflação. Apesar dessa dinâmica ser
função da forte recessão e da enorme liquidez provida por extraordinários
estímulos fiscais e monetários, a incerteza sobre a evolução das reformas
estruturais e a errática atuação do governo dificultarão a manutenção de juros
baixos por um período mais longo.
A
esperança nesses últimos dois anos tem sido sempre a mesma: a articulação do
governo melhorará sensivelmente e os seus projetos serão aprovados nos meses
seguintes. Apesar das reiteradas promessas, os ajustes têm sido recorrentemente
postergados.
Essa
frustração tem tudo para ser aprofundada neste ano. Considerada anteriormente
como um pré-requisito para a extensão do AE, a desidratada PEC Emergencial
dificilmente terá uma versão final com cortes imediatos de despesas além da
contenção dos gastos com o funcionalismo público. Do mesmo modo, apesar da sua
possível aprovação neste ano, a Reforma Administrativa terá pouco impacto
fiscal no médio prazo, pois não incidirá sobre os servidores públicos da ativa.
A Reforma Tributária enfrentará ainda mais obstáculos, pois, além de não haver
consenso sobre a versão a ser utilizada como ponto de partida, a aproximação
das eleições e a baixa aprovação do governo dificultarão a tramitação da proposta.
A
contínua mudança de narrativa por parte dos membros do Executivo é extenuante.
Difícil crer na habilidade do governo de coordenar as expectativas em um
ambiente em que não se sabe ao certo a posição do presidente sobre uma
variedade de temas. As suas ações desde o último dia 18 sobre os preços dos
derivados do petróleo são elucidativos dessa dificuldade. Por um lado,
substitui o presidente da Petrobras em resposta à elevação dos preços dos
combustíveis baseada na variação da cotação do petróleo no mercado
internacional. Por outro lado, mantém o discurso surrado de que não interfere
nas decisões das estatais.
As
contradições se alastram para o campo fiscal. O Executivo anunciou que
eliminaria por dois meses todos os impostos federais incidentes sobre o diesel
e o gás de botijão, de forma a atenuar a alta dos preços desses derivados. Em
um momento em que o país necessita de contrapartidas para arcar com a extensão
do AE, a redução da arrecadação federal em R$ 3,5 bilhões com essa decisão -
10% do valor anual do Bolsa Família - é um contrassenso e comprova a ausência
de planejamento por parte do governo, sempre a reboque de decisões
intempestivas.
Nesse
contexto, a comunicação do presidente tenta equilibrar o atendimento a grupos
díspares. De um lado, quer agradar os participantes de mercado e partidários da
agenda liberal, ao defender as propostas do Ministério da Economia. Por outro
lado, pretende atender os caminhoneiros - uma classe que o apoia, bem como
reduzir as despesas dos que usam gás de botijão. Em outra frente, ao substituir
o executivo da Petrobras, a meta foi a de reforçar o apoio dos militares do seu
círculo íntimo e de um grupo radical que defende um comportamento mais
autoritário. A forte queda dos preços das ações da empresa confirmam a fragilidade
da estratégia, pois cresceu a incerteza sobre a perenidade da atual política
econômica.
Os
comentários recentes do presidente se juntam a outras manifestações
contraditórias. Bolsonaro defende a desestatização e a aprovação de reformas e
ajustes fiscais e, ao mesmo tempo, rejeita a privatização da Casa da Moeda e da
Ceagesp, além de criticar o fechamento de agências do Banco do Brasil. A
indicação para o principal cargo da Petrobras de um militar sem histórico no
setor confirma a interferência direta do Executivo na empresa, bem como denigre
a imagem de respeito às regras de mercado. Ademais, a afirmativa do presidente
de que haverá mais trocas no governo sugere uma possível intervenção em outras
estatais e contribui para tornar o ambiente econômico ainda menos previsível em
tempos de tragédia na saúde pública.
Ações como essas tornam os preços dos ativos mais sensíveis ao não cumprimento de promessas do Executivo e à falta de governança nas estatais. Chega uma hora em que até o mais otimista cansa da sua complacência. A reação do mercado no início desta semana sugere que esse momento está ficando cada vez mais próximo.
*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos
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