EDITORIAIS
A asfixia da política
O Estado de S. Paulo
Um Estado Democrático de Direito deve ser
capaz de prevenir, investigar, perseguir e punir ações criminosas. Não há
civilidade, tampouco paz, onde reina a transigência com condutas que agridem
bens jurídicos essenciais de uma sociedade. Esta é a razão da legislação penal:
proteger elementos fundamentais da vida em sociedade.
Ao mesmo tempo, o Estado é muito mais amplo
do que seu sistema penal, cuja atuação é sempre subsidiária. A imensa maioria
das questões de uma sociedade não está na esfera penal. Há uma vastíssima gama
de assuntos, desafios e problemas que não são resolvidos por mera proibição e
punição de condutas. O encaminhamento desses temas deve ser dado pela política.
Na seara política, as soluções não são
binárias: proibir ou permitir, punir ou não punir. Os temas possuem
variadíssimas possibilidades, e a definição do caminho a ser trilhado não é
dada por uma regra prévia. As soluções devem ser fruto de estudo, diálogo,
debate, negociação e também concessões, muitas concessões.
Na política, não existem fórmulas
perfeitas. O que se tem são caminhos possíveis, necessariamente imperfeitos,
que, ao longo do tempo, podem e devem ser testados, corrigidos e aperfeiçoados.
Por isso, num Estado Democrático de Direito, é fundamental o funcionamento dos
Poderes Legislativo e Executivo. Sempre há questões políticas a serem decididas
e essas decisões devem ser adotadas por representantes escolhidos pelo voto
popular.
O Judiciário é imprescindível para fazer com que a lei seja aplicada, mas ele sozinho não é suficiente. Num regime de liberdade, o encaminhamento das questões, desafios e problemas enfrentados pela sociedade não é dado – repita-se – por simples aplicação de regras prévias, mas por um contínuo trabalho político.
No entanto, observa-se atualmente um
paulatino estreitamento do campo da política, junto com o avanço – muitas
vezes, verdadeiro predomínio – das questões criminais na seara pública. Tal
fenômeno ficou em evidência na Operação Lava Jato. Foram muitas e insistentes
as tentativas para que o trabalho investigativo-judicial proporcionasse
soluções políticas ou mesmo que substituísse o labor político.
Agora, o que resta da Lava Jato já não está
em destaque, e seu objetivo de refundar a política nacional é não apenas
distante, como rigorosamente fantasioso. No entanto, o fenômeno de asfixia da
política por questões penais permanece. Na seara pública, não existe debate
sobre questões políticas. Não se vê uma proposta para o futuro, ou mesmo para o
presente. O que se tem é o aparato estatal submerso em questões e investigações
criminais.
A lei penal precisa ser aplicada, e quem
praticou crime deve ser contido e punido. No entanto, a aplicação da lei penal,
por mais rigorosa que seja, não dará solução aos problemas nacionais. É preciso
cuidar da saúde e da educação da população, com propostas adequadas às
circunstâncias atuais. É preciso restabelecer as condições para o crescimento
econômico e a retomada do emprego. É preciso oferecer respostas urgentes para a
fome e a pobreza, bem como buscar caminhos efetivos para a redução das
desigualdades sociais.
Tudo isso, que é absolutamente necessário e
urgente, não será alcançado por meio de operações da Polícia Federal,
inquéritos supervisionados pelo Ministério Público ou ações penais. A política
é o único caminho capaz de oferecer respostas a essas questões.
Nos tempos da Lava Jato, ganhou notoriedade
a atuação voluntarista de alguns procuradores. É preciso reconhecer, no
entanto, que a asfixia da política nunca foi um fenômeno causado apenas pelo
Ministério Público. As administrações petistas levaram a política para o crime,
como se viu no mensalão e no petrolão. Agora, Jair Bolsonaro impõe ao País
trajetória semelhante. Em vez de oferecer propostas políticas, seu governo
suscita a cada dia novos conflitos e novas investigações criminais.
É preciso investigar e punir o crime, mas
preservando a política – o que significa, entre outras coisas, afastar da
política quem é mais afeito ao crime do que à política.
A lei de defesa do Estado
O Estado de S. Paulo
O Senado aprovou o Projeto de Lei (PL)
2.108/2021, que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/83) e cria
um novo título no Código Penal, relativo aos crimes contra o Estado Democrático
de Direito. É um passo importante do Congresso na defesa do funcionamento do
Estado e das instituições democráticas, dentro de um marco jurídico que
respeite as liberdades e garantias fundamentais.
A LSN não era, como às vezes foi
equivocadamente qualificada, mero entulho autoritário. Tanto é assim que o
Supremo Tribunal Federal (STF), nas vezes em que foi instado a se pronunciar
sobre a compatibilidade da Lei 7.170/83 com o regime constitucional de 1988,
sempre se manifestou pela validade da lei.
No entanto, é preciso reconhecer que, mesmo
sem conter inconstitucionalidades explícitas, a LSN apresentava uma estrutura
voltada para a proteção ideológica do Estado. Com isso, havia o risco de que
seus dispositivos fossem interpretados como uma defesa da honra de seus
integrantes ou de determinada corrente de pensamento.
Esse eventual risco se tornou um perigo
efetivo com o governo de Jair Bolsonaro. Com o objetivo de calar e intimidar
opositores, tentou-se enquadrar críticas ao presidente Jair Bolsonaro no art.
26 da LSN, que tipifica os crimes de calúnia e difamação contra os presidentes
da República, do Senado, da Câmara e do STF. Por exemplo, a instalação de dois
outdoors em Palmas (TO) pedindo o impeachment de Jair Bolsonaro foi motivo para
que o Ministério da Justiça pedisse a abertura de investigação com base na Lei
7.170/83.
Logicamente, essa atividade estatal de
perseguição política é incompatível com a Constituição. Num Estado Democrático
de Direito, não existe o crime de maldizer o rei. O direito à crítica é
essencial num regime de liberdade.
Mas não bastava revogar a LSN. Ainda que
imperfeitamente, a lei protegia bens jurídicos importantes, especialmente em
relação ao funcionamento das instituições democráticas. Daí a importância do
trabalho do Congresso com o PL 2.108/2021, definindo crimes que ameaçam ou
impedem o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito.
Inspirado em uma proposta de 2002 do então
ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, o PL 2.108/2021 não cria nenhuma
legislação especial. Os crimes contra o Estado Democrático de Direito passarão
a integrar o próprio Código Penal, o que reforça um ponto fundamental da nova
lei. O seu objetivo é preservar o regime democrático e o livre funcionamento de
suas instituições, e não uma defesa genérica da honorabilidade de instituições
– o que poderia conduzir a interpretações impróprias, restringindo liberdades.
Entre os crimes agora capitulados estão o
atentado à soberania, a espionagem e o golpe de Estado. Este, com pena de 4 a
12 anos de prisão, é assim definido: “Tentar depor, por meio de violência ou
grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.
Há um capítulo específico a respeito dos
crimes contra o processo eleitoral. Por exemplo, “promover (...) campanha ou
iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de
comprometer a higidez do processo eleitoral” será punido com até cinco anos de
prisão.
Também será crime, punido com até seis anos
de prisão, “impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado,
mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de
votação estabelecido pela Justiça Eleitoral”.
Outra mudança se refere ao crime do art.
286 do Código Penal (incitar, publicamente, a prática de crime: detenção, de
três a seis meses, ou multa). O PL 2.108/2021 inclui um parágrafo dispondo que
“incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças
Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a
sociedade”.
Especialmente em tempos como os atuais, é
necessário dispor de instrumentos jurídicos que, preservando as liberdades, não
sejam tolerantes com ataques e ameaças ao funcionamento das instituições.
‘É o que temos para hoje’
O Estado de S. Paulo
Há três ou quatro anos, ninguém podia
imaginar que um dia o mundo seria tão duramente atingido por uma pandemia de
proporções desconhecidas por muitas gerações e que afetaria e, em geral,
prejudicaria tanto a vida de todos. Mas já então muitos brasileiros enfrentavam
muitas dificuldades que os impediam de comprar a quantidade que consideravam
adequada de comida para manter suas famílias. Compravam o que sua renda lhes
permitia. Mas queriam e precisavam de mais.
Naquela época, os chefes de família
calculavam que precisavam gastar 66,7% mais com comidas e bebidas para
alimentar adequadamente todos os moradores da casa. É o que mostra a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018 (POF), que
acaba de ser divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Ela traz o perfil mais atualizado da estrutura de gastos das famílias
brasileiras com alimentação, transporte e lazer.
Comprava-se o que dava, o que a renda
permitia. “Mas não era só isso o que ela (a família) gostaria”, diz a técnica
do IBGE Isabel Martins. Era o que se podia ter no momento. “O que tenho (em
dinheiro disponível), eu compro e como, mas não é o que gostaria de ter.”
Para muitas famílias, o que se podia
comprar para o dia era insuficiente. A POF constatou que, dos 68,9
milhões de domicílios no Brasil, 36,7% (o equivalente a 25,3 milhões) viviam
com algum grau de insegurança alimentar, isto é, sem acesso regular e
permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente. É um dado pior
do que o de 2004, quando 34,9% dos domicílios estavam nessa situação.
No pós-pandemia, a inflação, a alta dos
alimentos e a persistência de grande número de pessoas sem ocupação decerto
tornaram ainda mais precárias as condições de vida de uma parte importante da
população brasileira. Só se poderá saber com mais precisão a intensidade dessas
mudanças daqui a algum tempo, quando forem conhecidas estatísticas deste
período.
As que acabam de ser divulgadas pelo IBGE
mostram um país que se modernizou em alguns aspectos, mas não conseguiu curar
algumas de suas piores feridas sociais e pode ter ganhado outras.
Na edição mais recente, a POF avalia
também o alcance dos serviços financeiros na população e como as famílias os
utilizam. Dela, por isso, resulta um retrato amplo que mostra as contradições e
complexidades do País.
A POF constatou que 83,3%
integravam famílias em que pelo menos um de seus membros tinha acesso a algum
serviço financeiro. É, sem dúvida, um índice altíssimo de disseminação desses
serviços num país tão desigual.
O principal serviço financeiro a que um
membro dessas famílias tinha acesso era a conta corrente (66,2%), o que mostra
o grande alcance dos serviços bancários. O segundo era a caderneta de poupança
(55,9%), claro sinal da popularidade desse tipo de aplicação; 44,4% da
população vivia em família com alguma pessoa que tinha cartão de crédito.
Acesso amplo a serviços financeiros está
longe, porém, de indicar melhora da situação financeira das famílias. A POF constatou
que 72,4% dos brasileiros viviam em famílias com alguma dificuldade para pagar
suas despesas mensais. Constatou também que 46,2% da população vivia em família
que tinha pelo menos uma conta em atraso. Considerando toda a população, 14,1%
enfrentavam muita dificuldade para passar o mês com renda disponível. Das
pessoas com renda baixa, 30% disseram que viviam com menos do que o necessário.
Ainda entre os mais pobres, como constatou
a POF, um quarto da renda vinha de aposentadorias e de programas sociais.
É prova da importância do sistema previdenciário e dos programas de
transferência de renda para a sobrevivência dessas famílias. Outro dado
surpreendente é o papel do rendimento não monetário, que são os bens e serviços
que as famílias obtêm sem pagar por eles (doações, por exemplo), no orçamento
doméstico. Entre os pobres, isso representa 14,5% da renda, o que parece alto
num país tão bem coberto por serviços financeiros.
Avanço trabalhista
Folha de S. Paulo
Editada em abril, a medida provisória 1.045
tratava somente da extensão de programas de proteção ao emprego, mas teve seu
escopo em muito ampliado na Câmara dos Deputados para incluir modificações na
legislação trabalhista.
A prorrogação por 120 dias dos mecanismos
adotados durante a pandemia para preservar vagas, como redução parcial da
jornada e suspensão temporária de contratos de trabalho, é correta. O programa
se mostrou bem-sucedido, inclusive em termos de eficiência no uso de recursos
públicos.
Em 2020, os aportes federais destinados à
iniciativa chegaram a R$ 51 bilhões, com a contrapartida de 20 milhões de
acordos individuais e coletivos firmados.
Os deputados incorporaram ao texto novas
modalidades de contratação, além de mudanças de diversos dispositivos da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Em uma das inovações, voltada para jovens
em busca do primeiro emprego e para pessoas com mais de 55 anos ou que estejam
sem vínculo empregatício há um ano, são mantidos os direitos trabalhistas, mas
há redução dos encargos patronais com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS) —dos 8% que atualmente incidem sobre o salário para até 2%.
Os objetivos são meritórios, embora as
evidências internacionais apontem que, no caso de jovens, o principal obstáculo
para a contratação em países em desenvolvimento é a deficiência de
qualificação, não os encargos.
Em outro programa, que visa a requalificação
profissional, são previstos carga de trabalho limitada a 22 horas semanais e
pagamento de um bônus de até R$ 550 mensais. O contrato é vinculado a
treinamento, que pode ser oferecido pelo sistema S, pela própria empresa ou por
meio de vouchers.
Esta Folha tem defendido modificações na legislação
trabalhista que favoreçam a geração de empregos formais. Está fartamente
demonstrado que a CLT, no afã de regular em detalhe excessivo as relações entre
empregadores e funcionários, acaba por dificultar os contratos com carteira
assinada.
O tema é evidentemente delicado e sujeito a
controvérsias. No caso dessa minirreforma, o texto já enfrenta oposição aberta
do Ministério Público do Trabalho, que o considera contrário às disposições
constitucionais.
Convém que o Senado faça um exame
criterioso da MP, de modo a preservar seus objetivos acertados e a evitar que
dispositivos menos prioritários —os deputados incluíram no projeto substitutivo
até novas normas sobre a mineração em subsolo— provoquem contestações judiciais
mais à frente.
O Congresso aprovou em 2017 uma ampla
reformulação da CLT, cujos impactos no mercado e no Judiciário ainda estão por
ser devidamente dimensionados. Novos avanços nessa seara demandam debate
consistente, para que se evitem desgastes desnecessários.
Morticínio impune
Folha de S. Paulo
Em 18 de outubro de 1994, um grupo de 40 a
80 policiais civis e militares matou 13 pessoas em uma operação em Nova
Brasília, uma das 15 favelas pertencentes ao Complexo do Alemão, na zona norte
do Rio.
Conforme se noticiou, agentes invadiram
cinco casas, dispararam contra pessoas e depositaram os corpos na praça
principal da região. Segundo depoimentos, também torturaram e estupraram três
mulheres, duas delas adolescentes.
À época, a operação mortífera foi
justificada em termos de revanchismo bárbaro. “Se nos derem flores,
devolveremos flores. Se nos derem balas, devolveremos balas. É para que eles
saibam que a instituição policial tem que ser respeitada”, afirmou o diretor da
Divisão de Repressão a Entorpecentes, delegado Maurílio Moreira.
Passados 27 anos, a impunidade persiste. Na
terça-feira (17), cinco policiais acusados da matar as 13 pessoas na
operação foram
absolvidos pelo Tribunal do Júri —que reconheceu o crime, mas não a
autoria dos réus, com o aval do Ministério Público do Rio de Janeiro.
“É tempo de lembrar 13 mortos deitados em
solo, em praça pública, amontoados como resto, como que avisos claros de demonstração
de força”, disse a magistrada Simone de Faria Ferraz, antes de ler a sentença.
Investigações apenas andaram por pressão
internacional, levada a cabo por mobilização de ativistas contra a violência
policial. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos notificou o Brasil, em
2013, para desarquivar o inquérito. Em 2017, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos condenou o poder público brasileiro por violar garantias judiciais.
Nova Brasília não é um caso isolado.
Independentemente da culpabilidade dos agentes ora julgados, o caso ilustra à
perfeição como todo o sistema policial e judicial protege a violência do Estado
e nega justiça às vítimas.
Operações de represália sem nenhum ganho em
termos reais na segurança pública; mortes com tiros a curta distância;
desconsideração pela preservação das provas.
Some-se a tais práticas o pífio controle
externo das polícias por parte do Ministério Público —e temos um convite a
abusos escandalosos premiados pela impunidade.
É preciso mais que do que um orçamento para
reduzir a crise
Valor Econômico
Faltam mais clareza e firmeza nas falas
sobre o compromisso fiscal, em especial pelo Palácio do Planalto
A elaboração do orçamento de 2022 entra na
reta final nessa semana. A peça que vai definir o desenho de gastos do governo
em pleno ano eleitoral ganha ainda mais importância em um momento no qual o
mercado financeiro demonstra nervosismo, em parte por conta de medidas com
repercussões fiscais, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos
precatórios (dívidas de sentenças judiciais) e a reforma do Imposto de Renda.
O Valor informou que a equipe econômica vê uma
dissociação entre a percepção do mercado financeiro sobre risco fiscal e a
realidade das contas do governo, que estariam e devem continuar, dizem fontes
oficiais, evoluindo positivamente. Por isso, nessa visão, os investidores estao
cobrando prêmios de risco muito altos para a real situação do país.
Para o time liderado pelo ministro, Paulo
Guedes, com o envio do Orçamento de 2022, que deve ter um déficit em torno de
R$ 70 bilhões ou menos, conforme antecipou o Valor, o mercado tende a se
acalmar. A meta é de déficit de R$ 170,47 bilhões.
A se confirmarem números dessa magnitude,
de fato é um indicador de melhora fiscal do país em meio a tanto barulho.
Também é razão para que haja reflexões no mercado sobre se a situação das
contas públicas justifica taxas de dois dígitos em títulos pré-fixados mais
longos.
Ainda assim, é preciso deixar claro que o
governo e sua base no Congresso foram os principais causadores dessa fase de
exacerbada turbulência dos mercados. Ao deixar para última hora a apresentação
de uma controversa proposta para os precatórios que ainda flerta com conceitos
de “calote” e “pedaladas fiscais (afinal, está se falando de adiamento de
despesas que teriam que ser pagas em um ano), a área econômica estimulou a
incerteza. Houve muito tempo para se tratar desse assunto. Afinal, a
Advocacia-Geral da União (AGU) já alertava para os “meteoros” que estavam a
caminho nesse front, além de que o problema já vinha ganhando corpo em 2020 e
poderia ter sido tratado com calma e sem vinculação com o esforço para se
ampliar o Bolsa Família.
Para piorar, a PEC nem tinha sido enviada e
o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE) já falava em deixar os
precatórios fora do teto, solução que tira o calote e a pedalada de cena, mas
faria mais um furo na principal regra fiscal hoje.
Além disso, as discussões sobre a reforma
do Imposto de Renda perderam o controle no Congresso e, não bastassem as
inúmeras resistências setoriais ao projeto, as versões mais recentes e
propostas novas que estavam surgindo aumentavam o risco fiscal do país.
E não se pode esquecer que o governo também
enviou uma Medida Provisória que cria o Auxílio Brasil para suceder o Bolsa
Família. A MP não traz os valores que serão utilizados para fazer essa versão
turbinada da principal política social do país. Nesse caso, embora se fale em
algo na casa de R$ 50 bilhões, o que poderia elevar o benefício médio para
perto de R$ 300 e ampliar seu alcance, o resultado final depende dos desdobramentos
da discussão em torno dos precatórios.
Assim, o risco fiscal não pode ser retirado
do radar porque, para fazer o prometido para o Bolsa Família, depende-se de um
espaço no teto que está atrelado à polêmica PEC. Teme-se mais soluções
heterodoxas, que podem por exemplo tirar o novo programa social do teto de
gastos (hipótese rejeitada no Ministério da Economia, mas que tem simpatia e
apoio na área política, que cada vez mais pensa nas eleições de 2022.
É necessário ainda reconhecer que a piora
no ambiente financeiro também reflete outros fatores, como as notícias de que a
variante delta do coronavírus está se espalhando e forçando alguns países a
rever estratégias de reabertura de suas economias. Além disso, há incertezas
sobre o que o Fed, o Banco Central americano, fará com os juros por lá, além
dos movimentos recentes de queda em preços de commodities.
A situação não é fácil e o governo precisa
sair do papel de alimentador de crises para o de bombeiro, urgentemente.
Não basta enviar um orçamento com déficit
menor. Deve-se também evitar surpresas negativas no envio da peça ao Congresso.
Além disso, é preciso mais clareza e firmeza nas falas sobre o compromisso
fiscal, em especial pelo Palácio do Planalto (que não perde uma chance de
agitar o ambiente, como prova a apresentação do pedido de impeachment do
ministro do STF Alexandre de Moraes feito por Bolsonaro na última sexta-feira).
Também deve-se buscar maior cautela na elaboração e negociação de medidas
econômicas.
Caso contrário, o governo conseguirá a façanha de abortar o crescimento que está em curso e piorar o ainda frágil quadro do país.
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