Folha de S. Paulo
Ao eleger Bolsonaro, decidimos desperdiçar
meio ano de cenário externo favorável
Ao que tudo indica, a alta das commodities
com que Bolsonaro contava para vencer a eleição do ano que vem foi
que nem o Sérgio Reis: chegou cheia de marra, mas entrou em depressão ao menor
sinal de dificuldade.
Os preços de produtos que o Brasil tem para
vender, como petróleo e aço (as commodities), caíram bastante no
mercado internacional; mesmo se não continuarem caindo, não devem voltar a
subir no ritmo em que vinham subindo, e podem ficar mais voláteis.
Quem manteve os preços altos nesses seis,
sete meses foi a recuperação mundial pós-Covid, que
corre o risco de ser menos robusta do que se pensava. Os Estados Unidos
anunciaram que podem interromper em breve os estímulos à economia que adotaram
durante a pandemia, e há dúvidas sobre a velocidade da recuperação na China.
Não foi o governo Bolsonaro que causou nem a alta nem a queda dos preços das commodities. Vale a pena, porém, investigar o que o Brasil fez durante esses seis meses de cenário externo favorável.
O mundo mais rico trouxe progresso para os
pobres, como no governo Lula? Guedes aproveitou o respiro para aprovar medidas
de custo político mais alto, como vários economistas acham que Lula deveria ter
feito?
Não, o que nós, brasileiros, fizemos
durante a alta das commodities de 2021 foi basicamente morrer.
O Watson Institute of International and
Public Affairs da Universidade de Brown, nos Estados Unidos, fez uma estimativa
do número de mortos de todos os lados durante os 20 anos da recém-encerrada
ocupação americana no Afeganistão (que incluiu operações no
Paquistão).
Entre soldados americanos (2.442), afegãos
(66 mil a 69 mil), paquistaneses (9.314) e de outros países aliados dos Estados
Unidos (1.144), morreram, em 20 anos, cerca de 80 mil pessoas, mais ou menos o
mesmo número de combatentes inimigos dos EUA (84.141) mortos nesses mesmos 20
anos e o mesmo número de brasileiros mortos por Covid-19 em abril de 2021 (82
mil).
Além disso, como
mostrou Samuel Pessôa em sua coluna de 21 de agosto, a moeda brasileira não
se valorizou como se esperava durante a onda favorável de 2021, o que causou
uma alta da inflação.
Quem não morreu em 2021 comeu menos, porque
os preços dos alimentos dispararam. Na alta de commodities do Lula, o real
valorizou, as importações ficaram mais baratas e quem trabalhava nos setores
"non-tradables", onde trabalha a maioria dos pobres, se deu bem. Na
alta das commodities do Bolsonaro, a miséria e o desemprego cresceram.
Ninguém tampouco aproveitou o cenário
favorável para aprovar reformas difíceis. Guedes fracassou, como de hábito: a
reforma tributária piora a cada reformulação. Capital político
precioso foi gasto em pautas golpistas como o voto impresso.
Não gastaram só capital político: como mostrou o jornalista Breno Pires em maio, um orçamento
paralelo de bilhões de reais foi criado para comprar a turma de sempre no Congresso.
Nada de relevante foi aprovado em troca desse dinheiro. A cooptação do centrão
tampouco moderou Bolsonaro: na última sexta-feira o presidente entrou com
pedido de impeachment de um ministro do STF.
Enfim, quando, em 2018, apertamos 17, confirma, prrriiiiii, decidimos desperdiçar meio ano de alta das commodities. Depois de tantos anos difíceis, teria sido um alívio.
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