segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Sergio Lamucci - Piora o cenário para o crescimento e a inflação

Valor Econômico

As apostas para a expansão do PIB em 2022 caminham para a casa de 1,5%, uma taxa incapaz de gerar um volume expressivo de empregos

O cenário para a economia brasileira na segunda metade deste ano e no ano que vem piorou consideravelmente. A avaliação dominante hoje é de um quadro combinando menos crescimento e mais inflação, especialmente devido às incertezas fiscais e políticas produzidas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. Os juros de longo prazo superam 10% ao ano, como se vê nas taxas dos contratos futuros com vencimento em janeiro de 2031, e o câmbio está mais desvalorizado. Na semana passada, o dólar chegou a ser negociado a R$ 5,45, fechando na sexta-feira cotado a R$ 5,38. Pela solidez das contas externas, com saldos comerciais elevados, a moeda americana poderia estar abaixo de R$ 5.

Essa piora significativa de ativos como os juros e o câmbio joga para baixo as perspectivas para a atividade econômica. As apostas para o crescimento em 2022 caminham para a casa de 1,5%, uma taxa incapaz de gerar um volume expressivo de empregos. Para 2021, ainda prevalecem estimativas na casa de 5% ou um pouco mais.

O câmbio mais depreciado dificulta a já complicada tarefa do Banco Central (BC) de combater a inflação, exigindo juros mais altos por mais tempo. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pode fechar 2021 em 7,5%, muito acima da meta de 3,75% deste ano. Para o ano que vem, cresce a possibilidade de um IPCA de 4% ou mais, também superior à meta de 2022, de 3,5%. Com isso, o BC terá de elevar a Selic, hoje em 5,25% ao ano, para níveis mais elevados do que se imaginava há alguns meses - há quem veja uma taxa acima de 8% no fim do atual ciclo de alta dos juros.

O maior foco de incerteza é a piora do risco fiscal. Com a popularidade de Bolsonaro em queda, o governo quer abrir espaço para mais gastos, como a ampliação do valor e do público do Bolsa Família, criando o Auxílio Brasil, e o reajuste dos salários do funcionalismo. Para isso, não hesita em tomar medidas controversas, como propor o parcelamento dos precatórios, opção criticada por grande parte dos especialistas em contas públicas. A avaliação predominante é que está em xeque o compromisso com o teto de gastos, a âncora fiscal que limita o crescimento das despesas não financeiras da União, tornando incertas as perspectivas para as contas públicas.

As repetidas ameaças de Bolsonaro à democracia também passaram a se refletir em preços de ativos como juros e câmbio. O presidente dá sinais quase diários de que não pretende reconhecer o resultado das eleições do ano que vem, além de atacar seguidamente o Judiciário - na sexta-feira, Bolsonaro entrou no Senado com um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e deverá fazer o mesmo em relação ao ministro Luís Roberto Barroso. A crise institucional provocada pelo presidente eleva a incerteza, o que afeta as decisões de investimento do setor privado.

Há também a qualidade das reformas em tramitação no Congresso. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem procurado aprovar a toque de caixa um conjunto de mudanças que poderão ter consequências duradouras e preocupantes para o país. É o caso da reforma do Imposto de Renda (IR), um projeto que veio do Executivo coalhado de problemas e ganhou outros nas sucessivas versões do relator Celso Sabino (PSDB-PA). Em vez de reduzir, amplia as distorções, tornando a legislação mais complexa, e estimula ainda mais a pejotização, o fenômeno pelo qual prestadores de serviços abrem empresas para pagar tributos como pessoa jurídica, e não como pessoa física.

“A agenda econômica sofre com um governo fraco e com a ausência da liderança presidencial na defesa das reformas”, diz o analista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria Integrada. “A discussão da reforma tributária, mesmo em sua versão fatiada, desconfigurou-se ao ponto de gerar um movimento de desistência na sua aprovação, diante do risco fiscal decorrente das concessões aos diferentes grupos de interesse”, escreve ele, em relatório. “A fraqueza política pode gerar perda de arrecadação para a União, trazendo um elemento adicional de dificuldades para a implementação do Auxílio Brasil. Assim, os sinais negativos para a economia brasileira avolumam-se, reforçando a fraqueza política do presidente e, por consequência, aproximando o governo do status de ‘pato manco’”, completa Cortez.

As reformas no sistema eleitoral em discussão na Câmara também são de péssima qualidade. O distritão foi barrado, mas os deputados aprovaram a volta das coligações nas eleições proporcionais, o que, se confirmado pelo Senado, impedirá a saudável redução do número de partidos políticos ao longo do tempo. A esperança é que os senadores não aprovem propostas como essas.

Tentar passar reformas no Congresso com um governo fraco e refém do Centrão tem o risco de produzir resultados negativos, como ocorreu a medida provisória (MP) que permite a privatização da Eletrobras. Uma iniciativa importante como a permissão para a venda da empresa ganhou tantos penduricalhos que a versão aprovada em junho pela Câmara e pelo Senado tem problemas como a perspectiva de encarecer a energia, por aumentar o custo de distribuição, dada a obrigatoriedade de se instalar termelétricas afastadas dos centros de consumo.

Além das incertezas fiscais e políticas, dois outros fatores podem afetar o cenário para a economia: o impacto da crise hídrica, num momento em que o país atravessa a pior seca em 91 anos, e uma eventual piora do ambiente externo, com menor crescimento de países como a China, por causa do aumento de casos de covid-19, e a possibilidade de começo da retirada ainda neste ano dos estímulos monetários pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano).

Em resumo, os ruídos causados por Bolsonaro têm complicado as perspectivas para o crescimento e a inflação, prejudicando especialmente os mais pobres, num país com um desemprego ainda muito elevado. Nos três meses até maio, a taxa de desocupação ficou em 14,6%, o equivalente a 14,8 milhões de pessoas. Com tantas incertezas, muitas empresas poderão adiar projetos de investimento e a contratação de novos funcionários.

 

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