O Globo
Virou rotina. O ministro da Educação faz uma declaração polêmica, vem a reação negativa e ele pede desculpas ou afirma ter sido mal compreendido. Foi assim quando associou gays a “famílias desajustadas” e quando disse que a universidade deveria ser para poucos. A mais recente de suas falas desastradas foi a afirmação de que a criança com deficiência incluída em classes comuns atrapalhava o aprendizado das demais. Ele ainda tentou suavizar dizendo que falava isso “entre aspas” e “com muito cuidado”, mas pouca gente se convenceu disso.
Se o problema fosse apenas uma desatenção com declarações públicas, bastaria um bom treinamento de mídia para evitar problemas. Mas não é o caso. As falas são reveladoras tanto de preconceitos quando de ações ou omissões no MEC.
Na mesma entrevista em que falou sobre as crianças com deficiência, Ribeiro usou pejorativamente o termo “inclusivismo” para criticar a política de inclusão adotada no país nos últimos 25 anos. Mais do que um modismo, a ideia de que alunos com deficiência devam conviver com os demais nas mesmas salas de aula é ancorada em pesquisas que mostram o benefício dessa prática para todos os grupos. A opção por essa política, em contraponto às práticas segregacionistas do passado, tampouco é invenção brasileira, pois consta inclusive de um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Sempre houve alguma resistência à ideia de que alunos com deficiência deveriam estar matriculados com os demais. Mesmo assim, o país conseguiu avanços significativos. Em 1998, por exemplo, o Censo Escolar do MEC registrava apenas 337 mil alunos com deficiência matriculados no sistema educacional, sendo que somente 13% desse universo convivia nas mesmas salas de aula que os demais. Em 2019, esse número mais que triplicou, chegando a 1,3 milhão, com 93% matriculados em classes comuns. E o grande motor desse processo foi a rede pública, já que nas escolas particulares a proporção de alunos com deficiência incluídos é de apenas 41%.
Foi tudo perfeito? Certamente não, e aqui é preciso reconhecer um problema ainda não completamente resolvido. No questionário respondido por diretores de escolas públicas de todo o Brasil no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), 50% afirmam que há número insuficiente de profissionais para inclusão do público-alvo da educação especial e 57% declaram que não houve treinamento nos últimos dozes meses na escola para lidar com esse grupo.
Há ainda muito a trabalhar para que toda criança com deficiência seja recebida nas escolas públicas com as melhores condições para seu desenvolvimento pleno. Mas vale aqui um exercício contrafactual: o que teria acontecido com esses 1,3 milhão de estudantes com deficiência hoje matriculados no sistema público de ensino se não fosse a pressão dos grupos que advogaram pela inclusão nas últimas décadas? Provavelmente continuariam segregados em escolas especiais ou, pior, sem acesso à educação.
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