O Estado de S. Paulo
Com a expectativa de derrota, a
martirização passa a ser a estratégia de Bolsonaro
Conflitos políticos entre o Executivo e o
Judiciário existem em qualquer democracia. Entretanto, eles somente evoluem
para crises institucionais quando os poderes da outra instituição são
ameaçados. Tais crises geralmente ocorrem quando existe a combinação de um
Executivo constitucionalmente forte e, ao mesmo tempo, politicamente fraco. Ou
seja, que não desfruta de maioria estável no Legislativo, no Judiciário ou em
ambos, e por isso experimenta sucessivas derrotas a despeito dos seus poderes.
Diante dessa combinação desfavorável,
presidentes podem, por exemplo, se sentir tentados a alterar a composição da
Suprema Corte, seja por meio do aumento do número de juízes ou pela exclusão de
alguns deles por iniciativas de impeachment.
No artigo “The origins of institutional
crises in Latin America”, Gretchen Helmke propõe um modelo para explicar como
crises interinstitucionais acontecem e quais as chances de uma instituição
agressora obter sucesso na fragilização da instituição agredida.
Para a autora, existem três elementos interconectados neste jogo estratégico. O primeiro seria a diferença significativa de poder entre as instituições agredida e agressora, o que Helmke chama de Stakes. Isto é, quanto maior o poder institucional do Judiciário vis-à-vis os poderes do Executivo, maior os incentivos para a agressão. O segundo elemento seria o custo de legitimidade dos ataques, medidos com base na confiança da sociedade nas instituições envolvidas no conflito. O terceiro seria a expectativa de cada parte envolvida acerca das chances de sucesso da instituição agressora.
Até que ponto as iniciativas de Bolsonaro
de pedir impeachment de dois ministros do STF, Alexandre de Moraes e Luís
Roberto Barroso, têm chances de vingar? Embora o Judiciário brasileiro seja
considerado como um dos mais independentes, especialmente no que diz respeito à
sua grande autonomia ex post para contrariar as preferências dos outros
poderes, o Executivo já tem bastante influência no processo de indicação dos
membros da Suprema Corte. Além do mais, como o Executivo brasileiro já é muito
poderoso, fica difícil imaginar se os eventuais ganhos institucionais (Stakes)
adicionais suplantariam os custos dessa empreitada.
De acordo com o relatório Icjbrasil (2021)
da FGV Direito SP, a confiança da população brasileira no Judiciário melhorou
consideravelmente em relação às últimas pesquisas, alcançando a marca de 40%.
Embora a confiança na Presidência da República também tenha melhorado no mesmo
período, encontra-se em um patamar inferior, 29%. Especificamente em relação ao
STF, 42% acreditam que se trata de uma instituição confiável ou muito
confiável. Esse porcentual era de 27% em 2017.
As reais chances de Bolsonaro ser
bem-sucedido no impeachment a ministros do Supremo também são reduzidas. É
importante ter em mente que se trata de um presidente minoritário no Congresso
e em franco declínio de sua popularidade. Adicionalmente, a grande fragmentação
partidária funciona como um obstáculo endógeno para que o presidente, mesmo
sendo poderoso, consiga passar o “rolo compressor” nas instituições de
controle.
Como a diferença de Stakes não é
significativa em relação aos custos, o apoio público do STF é maior do que o do
presidente e a expectativa de sucesso das iniciativas de Bolsonaro no
Legislativo é baixa, deve-se esperar que ele seja mais uma vez derrotado.
Mesmo diante da impossibilidade de
retrocessos institucionais, a chance de reeleição cada vez mais reduzida
continuará alimentando o confronto do presidente com o Judiciário e com outras
instituições de controle. A estratégia, porém, será a de tirar proveito
político da derrota. A próxima investida promete ser a ameaça de descumprimento
de decisão judicial. Se essa ameaça for levada adiante, certamente provocará
retaliações que farão com que o presidente seja visto pela sua base eleitoral
como mártir. Cabe ao STF ser estratégico para não dar essa chance a Bolsonaro.
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