Valor Econômico
Depois do “boom”, da recessão e do ajuste,
para aonde vai o Brasil?
O Brasil é um país tão acostumado ao
desassossego que difícil mesmo é ter estabilidade por muito tempo. Depois que
os militares devolveram a Presidência da República aos civis, em 1985, o
período mais estável, tanto do ponto de vista político quanto econômico, se deu
entre 1995 e 2010, durante os quatro mandatos dos presidentes Fernando Henrique
Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Observar em perspectiva como conquistamos
a estabilidade e por que ela vem sendo ameaçada há quase dez anos é um
exercício útil neste fim de 2021, véspera de um ano eleitoral cujo desenlace é
impossível antecipar neste momento.
A transição do regime militar para o democrático se deu num ambiente econômico conturbado. A inflação de 1984 chegou a 192,1% e, em 1985, primeiro ano de um governo civil depois de 21 anos de ditadura, esticou para 226%. Depois da longa e profunda recessão de 1981-1983, provocada pelos efeitos da segunda crise mundial do petróleo em sete anos, o Produto Interno Bruto (PIB) voltou a crescer de forma acelerada - no biênio 1984-1985, avançou 5,3% e 7,9%, respectivamente - mas, com inflação naquele nível, nem a turma do IBGE, responsável pelo cálculo das contas nacionais, quis saber de comemoração.
Os últimos ministros do Planejamento e da
Fazenda do período militar - Delfim Netto e Ernane Galvêas, entregaram o bastão
ao governo civil de José Sarney depois de promover esforço hercúleo para
reequilibrar as contas externas. Em 1980, o déficit em transações correntes do
Brasil bateu em 8,8% do PIB, caiu para 7% em 1981 e, em 1982, ano da chamada
“crise da dívida”, foi a 9,1% do PIB. Era uma situação insustentável para
aquele momento e modelo econômico no qual vivíamos.
Quando a soma do saldo da balança comercial
(exportações menos importações), dos serviços e das transferências unilaterais
de recursos é negativa, tem-se um déficit na conta corrente do país. Déficits,
em tese, geram dívidas e estas precisam ser pagas, do contrário, não se tem
obtém mais crédito na praça. Por causa de seu modelo econômico, países como a
Austrália - os Estados Unidos não contam porque, desde o fim do padrão-ouro
(reserva do minério usada como lastro ou limite para emissão de moeda), em
1971, o dólar se tornou “ouro” - acumulam déficits desde sempre e isso não é um
tormento porque o que uma economia precisa é de reputação e credibilidade para
financiá-los.
O II PND tinha a ambição de transformar a
economia brasileira, que em 1973 vinha de um longo e exitoso período de
crescimento ininterrupto, batizado de “milagre econômico”, numa ilha de
prosperidade em meio à derrocada de todas as economias que, naquela quadra, não
possuíam nem moeda forte nem petróleo.
A maioria das medidas visava tornar nossa economia
autossuficiente na produção de bens, de forma que não necessitássemos importar
coisa alguma. Por quê? Porque, se importássemos, acumularíamos déficits e
quebraríamos porque não teríamos, jamais, condições de financiá-los. Para
bancar a criação de um Estado “soviético” no Brasil, o país aproveitou o
“melhor” da primeira crise do petróleo - empréstimos externos a juros
baixíssimos, viabilizado por crédito gerado por excesso de liquidez
(petrodólares) na economia mundial - e o “pior” do receituário de alavancagem
por parte do setor público - o uso, sem limite ou constrangimento, do
endividamento no mercado interno.
O II Plano Nacional de Desenvolvimento
(PND), que fechou a economia e criou mais de 300 estatais - isso mesmo,
tre-zen-tas - no espaço de apenas cinco anos, fracassara no seu objetivo de
isolar o Brasil dos efeitos da primeira grande crise do petróleo (1973). Em
1979, com o início da segunda crise do petróleo, o preço do barril escalou a
alturas nunca vistas antes. Dependentes naquela época de petróleo importado, os
EUA testemunharam, assombrados, ao vertiginoso aumento da inflação. Com esta
beirando 20% em 12 meses, o banco central americano colocou os juros acima
disso e a consequência, no caso da economia brasileira e da maioria de seus pares,
foi a elevação daquelas taxas de juros “camaradas” cobradas nos empréstimos
tomados ao exterior para construir aqui, na América do Sul, a ilha que
resistiria a todos os males que viessem do mundo ao qual ela pertence.
Alguns dirão que a medida do fracasso,
nesse caso, é inexistente, porque o II PND teve inúmeros méritos; houve boas e
más decisões, e que era impossível prever o advento de uma nova crise do
petróleo em tão pouco tempo de decorrida a primeira. A impressão que fica é a
de que só teria havido fracasso se o Brasil tivesse deixado de existir.
Bem, talvez, enfrentamos crises de toda
sorte para lidar com as consequências do PND, quais sejam, a escalada brutal da
dívida externa do país; seguida da série de calotes na dívida externa que nos
puseram de castigo, sem acesso ao sistema de crédito internacional por mais de
uma década; das maxidesvalorizações da moeda nacional em relação ao dólar -
para estimular exportações e, assim, o acúmulo de divisas necessárias ao
pagamento dos compromissos com o exterior -; do consequente aumento permanente
da inflação, que poucos anos depois saiu completamente do controle; da
incapacitação do Estado em prover serviços básicos de qualidade e de investir,
por exemplo, em obras de infraestrutura, cruciais para atrair investimento
privado nos vários setores da economia etc.
Idealizado para o país não passar vexame em
suas trocas com o exterior, o II PND nos tornou caloteiros - a escassez de
dólares levou o Banco Central a “centralizar” o câmbio, isto é, a decidir que
credor seria pago, uma vez que não havia dinheiro para todos. Os japoneses,
sócios da Vale e de outras então estatais e responsáveis pela implantação de
projeto grandioso no Centro-Oeste, tornando essa região produtora de soja,
foram os primeiros a sofrer calote. Jamais nos perdoaram.
Nas quatro décadas seguintes ao II PND,
este país estagnou. Alguns economistas chamam o período de “depressão”. De
positivo, alcançamos a estabilidade política e econômica, mas ambas estão sob
escrutínio desde a gestão Dilma Rousseff (2011-2016). Esta coluna tratará do
tema na próxima semana.
Nota: Delfim e Galveas entregaram a
economia aos sucessores com saldo zerado no balanço de pagamentos. Mas, serão
lembrados sempre como ministros que legaram ao país inflação de quase 200%. Bem,
o que veio depois, em “plena” democracia, foi muito pior. Em 1993, um ano antes
do lançamento do real, a inflação chegou a 2.480%.
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