O Globo
O presidente Bolsonaro fez uma intervenção
explícita e truculenta na Polícia Federal. Desde aquela reunião ministerial em
2020 na qual ele avisou “vou interferir”, já houve de tudo na PF. Troca de
comando por diretores submissos, exoneração e remoção de delegados, punição
para os que desagradam o presidente. Agora, no orçamento do ano eleitoral, o
presidente ofereceu aos policiais federais um “cala boca”. Esse foi o único
assunto pelo qual Bolsonaro se mobilizou, chegando a telefonar para o relator e
pedir. Não é por acaso. É mais do que o atendimento de interesses
corporativistas. Bolsonaro quer agradar à Polícia Federal e à Polícia
Rodoviária Federal porque quer contar com as forças de segurança para seu
projeto autoritário. A intervenção e o reajuste se completam como parte do
mesmo plano. E ele usa o orçamento para isso.
O investimento público no ano que vem será o menor da história. A maior fatia irá para o Ministério da Defesa, como foi no ano passado. É parte do mesmo projeto. A bolsonarização é o nível mais degradante a que chegaram as Forças Armadas desde o fim da ditadura. Como é uma corporação fechada, sabe-se que há divergências internas, mas elas não são explícitas.
O que aparece é o projeto dos generais que
foram para o governo Bolsonaro, quando ainda eram da ativa e estão lá
sedimentando a ideia de que Bolsonaro pode se referir à força terrestre como o
“meu exército”. Dar aos militares a fatia maior do investimento também faz
parte do projeto. É Bolsonaro dizendo: fiquem comigo que só eu atendo às
necessidades de vocês.
O aumento do fundo eleitoral para R$ 5
bilhões foi fruto de um acordão que reuniu a maioria dos políticos, mas que
demonstra uma total falta de sensibilidade. O país ficou mais pobre, as
famílias têm mais dificuldade de ter o mesmo nível de consumo com a inflação de
dois dígitos e forte queda de renda. Em uma pesquisa que saiu essa semana, o
Datafolha mostrou que a confiança no Congresso, que já era baixa, caiu mais.
Agora só 10% dos brasileiros acham o trabalho de deputados e senadores bom ou
ótimo. Diante disso, como explicar aos eleitores que os políticos decidiram
quase triplicar a verba que financia seus gastos eleitorais? E isso sem falar
no Fundo Partidário.
O orçamento deste ano foi um show de
horrores desde o começo. O governo e sua base conseguiram dobrar a oposição e
os parlamentares independentes e aprovar pedaladas para dar o que o ministro
Paulo Guedes pediu: “licença para gastar”. A mudança do cálculo do teto
desmoralizou o marco fiscal, o calote nas dívidas empurrará uma bomba para os
próximos anos, o socorro aos mais pobres foi usado de forma demagógica como
pretexto. Se a preocupação fosse com os pobres, o caminho seria outro.
Além de toda a manipulação política e
eleitoreira, houve a má alocação de recursos. Normalmente, ministro que cuida
do cofre público, o defende. O papel de um ministro da Fazenda ou da Economia é
exatamente evitar despesa que privilegie um setor, apenas por interesses
eleitorais. Mas o atual condutor da economia não só apoiou o presidente como
também ofereceu o seu ministério para ter os cortes necessários para abrigar o
aumento dos policiais, e a conta bateu na Receita Federal. O resultado foi
revolta dos servidores. Auditores fiscais afastaram-se das suas funções e
funcionários do Banco Central protestaram. É claro que isso vai gerar uma
reação em cadeia no funcionalismo.
O país enfrenta ainda os rigores da
pandemia, precisa investir em ciência e no sistema de saúde. Os estudantes
desaprenderam, muitos alunos pobres perderam o vínculo com a escola, há uma
multidão de desempregados, quase quatro milhões deles procuram inutilmente
emprego há mais de dois anos, hackers impedem o acesso a dados pessoais dos
vacinados há dez dias. Nesse quadro desalentador, os parlamentares e o governo
federal decidem que R$ 5 bilhões vão para o gasto deles mesmos com suas
campanhas, que R$ 37 bilhões vão para emendas parlamentares, sendo R$ 16,5
bilhões através de um mecanismo que oculta o ordenador da despesa, e quase R$ 2
bilhões vão para aumento de salário de policiais federais, reajuste que virará
despesa permanente. O orçamento do último ano do governo Bolsonaro é tão
trágico e equivocado quanto sua própria administração. Porém, Congresso não é
carimbo. Aprovou tudo porque quis.
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