O Globo
A estratégia do ex-presidente Lula de
chamar o ex-tucano Geraldo Alckmin para seu vice aparentemente é boa para dar a
sensação ao eleitorado de centro-direita de que seu eventual terceiro governo
não será radical. Mas qual é a garantia de que Alckmin representará o grupo
político que o apoiava? Qual será o papel dele num governo petista?
A aparência, porém, é diferente da
realidade. Sempre houve composições partidárias heterodoxas na recente política
brasileira, mas sempre a composição tinha o objetivo de melhorar a governança
do eleito, fossem eles os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso ou Lula,
pois ambos fizeram composições com consequências claras. Até mesmo Tancredo
Neves foi buscar na dissidência da Arena seu vice, a fim de poder governar.
O então presidente da Arena, José Sarney, rebelou-se contra o governo militar
do general João Figueiredo e levou consigo para a Frente Liberal um grupo de
políticos de peso que deu a vitória a Tancredo no Colégio Eleitoral. Sarney
acabou presidente da República com a morte de Tancredo. Com o Plano Real,
Fernando Henrique poderia ter vencido a eleição sem o apoio do PFL, mas, para
governar, foi buscar no maior partido de direita na ocasião seu vice, Marco
Maciel.
Com a união de PSDB com o PFL, considerada um escândalo à época, formou-se um
governo de coalizão que deu ao Plano Real um apoio parlamentar que não haveria
se o PSDB não tivesse a visão de futuro que possibilitou a sustentação às
medidas necessárias para sua implementação e consolidação. Mesmo Lula, quando,
em 2003, chamou o empresário José Alencar para compor sua chapa, pensava mais
longe, no apoio do PL a seu governo.
Ali começaram os acordos políticos que vieram desaguar no mensalão, pois o PL,
então presidido pelo mesmo Valdemar Costa Neto que hoje é apoiador
“incondicional” do presidente Bolsonaro, negociou com o futuro ministro-chefe
da Casa Civil, José Dirceu, um financiamento para aderir à chapa de Lula. Da
mesma maneira, a candidata do PT à sucessão de Lula, a ex-presidente Dilma
Rousseff, entregou-se ao MDB de Michel Temer para poder governar e acabou
derrotada pelo próprio vice no impeachment que o levou à Presidência da
República.
Em todos esses casos, a Vice-Presidência foi dada a um político que levava
consigo um partido importante que daria governabilidade ao eleito. Até mesmo
Bolsonaro, levando o general Hamilton Mourão para a Vice-Presidência, tinha um
objetivo claro: garantir o apoio militar a seu governo. Não era um partido
político, mas o “partido militar” que Mourão representava.
No caso de Geraldo Alckmin, não há partido político nem outra instituição
qualquer que ele represente. Não haverá uma debandada de tucanos para o novo
partido de Alckmin, mesmo porque ele ainda não sabe para onde irá. A adesão ao
PSB é um factoide sem nenhuma consistência, pois não há outro político menos
ligado aos socialistas do que Alckmin, que, mesmo na social-democracia tucana,
estava à direita do partido.
A opção pelo PSD era a mais lógica, mas o chefão do partido, Gilberto Kassab,
tem mais senso de oportunidade política do que Alckmin. Ofereceu-lhe a disputa
pelo governo de São Paulo, mas avisou que não o apoiará para a Vice-Presidência
de Lula. Do jeito que as coisas vão, Alckmin corre o risco de perder a vez na
disputa pelo governo de São Paulo, em que era o favorito, e de ficar sem a Vice-Presidência
na chapa do PT.
São Paulo é um estado antipetista, e dificilmente Alckmin conseguirá fazer com
que seus potenciais eleitores o apoiem na chapa de Lula. Mesmo que desista
dessa aventura, já não tem mais a segurança de que disputará o governo do
estado na condição de favorito, pois os demais candidatos já estão armando seus
palanques, e dificilmente os eleitores antipetistas esquecerão a adesão
extemporânea de Alckmim à campanha de Lula.
O abraço apertado que o ex-tucano deu em Lula no jantar do grupo de advogados
que se revelaram militantes do ex-presidente, e não defensores do “devido
processo legal”, é um triste retrato da submissão do ex-candidato do PSDB à
Presidência da República àquele que já chamou de ladrão. Parece ser o metaverso
do discurso do advogado Mariz de Oliveira, defensor de vários acusados na
Operação Lava-Jato, que, a certa altura do jantar do grupo Prerrogativas,
disparou: “O crime já aconteceu, de que adianta punir?”.
Bom Natal a todos!
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