O Estado de S. Paulo
Sistema eleitoral está no topo da lista de problemas perenes de nossa democracia, exigindo enfrentamento imediato
O Natal é depois de amanhã e o ano novo
está próximo. Muitos aproveitam para um retrospecto ou para alinhar propósitos.
Prefiro falar do futuro, um grande desafio, já que em nosso país nada é hoje
previsível nem garantido, e no próximo ano passaremos por uma troca geral de
poderes no Executivo e no Legislativo.
Tendo de enfrentar em nosso dia a dia uma
sucessão de impasses, é impossível planejar bem o amanhã quando não se sabe
como terminará o dia, seja do ponto de vista sanitário, de segurança jurídica
ou de segurança econômica. E isto mesmo sobre questões consensuais, como a
urgência de adotar um programa de renda básica ou de aumentar a qualidade, a
eficiência e a honestidade do serviço público.
Incerteza sobre o futuro não justifica inação. Temos um conjunto de problemas permanentes que, enquanto não forem reconhecidos e bem debatidos, jamais serão enfrentados, negociados e compactuados. O contexto de uma campanha presidencial pode ser ocasião para essa reflexão que, infelizmente, não está sendo encarada pelas candidaturas já anunciadas.
Tenho salientado, neste espaço, a natureza
multidimensional da crise que nos atinge – e que o povo brasileiro está
enfrentando com coragem – diante da omissão de parte relevante de nossas
instituições. O cerne da crise é de natureza política e a ela se sobrepõe uma
crise de descontrole da política econômica, agravada pelos efeitos da pandemia
de covid-19.
Os efeitos imediatos e a evolução da
pandemia teriam sido mitigados, com alcance muito mais decisivo, se o combate à
sua disseminação não fosse transformado em anátema e até mesmo demonizado pelo
governo. O equilíbrio fiscal e a retomada do crescimento, herdados do governo
Temer, não teriam sido tão negativamente afetados pela restrição forçada das
atividades produtivas, se a conduta da política econômica não fosse tão
equivocada.
Sem uma drástica retomada de rumo pelo
governo, continuaremos a enfrentar inflação alta, juros elevados, endividamento
sem controle, retrocesso do investimento, cujo somatório redunda em castigar o
povo brasileiro, especialmente os setores mais vulneráveis. Sem uma reviravolta
na interferência presidencial sobre o combate à pandemia que, ao fim e ao cabo,
redunda em abrir as portas para a invasão de novas variantes de alto risco da
covid-19, não reverteremos seus impactos negativos ascendentes sobre a
atividade econômica e sobre as defesas imunológicas de cada um dos brasileiros.
Está, em primeiro lugar, nas mãos do
governo federal voltar à política econômica para reorientá-la no rumo da
estabilidade, da recuperação da confiança e do investimento. E isto não é
viável, já que nossas instituições fundamentais têm-se orientado por agendas
divergentes, e muitas vezes incompatíveis, que acabam se anulando
reciprocamente.
Há quem aponte, como causa da crise
política, um conflito de interesses de tal modo grave que se tornou impossível
adotar as reformas consideradas essenciais, como a simplificação e a maior
eficiência do regime tributário, a modernização dos serviços públicos ou a
limitação ao estatismo.
Ao contrário, nosso Congresso tem aprovado
um número alto de projetos de lei. As emendas constitucionais tornaram-se quase
corriqueiras e efetuadas em poucos dias. Executivo e Legislativo nem sempre têm
tido dificuldade em aprovar legislação apoiada pelo governo, por sua base
parlamentar e pela oposição. Mas, como regra, poucas vezes coincidem com os
interesses e necessidades vitais dos cidadãos.
Isto se tem manifestado em profunda
insatisfação popular e em desconfiança do cidadão com respeito a sua
representação política.
Já que uma democracia representativa se
baseia no princípio de que a legitimidade das decisões de interesse coletivo
devem ser tomadas por representantes eleitos pelos cidadãos, e refletir sua
vontade, é necessário que algo de muito errado esteja ocorrendo na maneira como
os representantes são escolhidos pelo eleitor. Simplesmente, o eleitor não sabe
nem pode saber para quem vai seu voto, e o eleito não sabe bem de onde vêm o
seus.
O sistema eleitoral – de voto proporcional
em lista partidária aberta – constrói um muro intransponível entre o eleitor e
seu representante, já que, segundo estimativas recentes, mais de 75% dos
mandatários dependem dos votos de um número indeterminado de candidatos para se
eleger. Em termos práticos, o cidadão não sabe a quem recorrer e seus
representantes sentem-se livres para representar os interesses que bem lhes
aprouver.
Se aceitarmos a premissa de que, com
políticas governamentais adequadas nas dimensões econômica, sanitária e social,
o impacto da pandemia sobre o sistema produtivo não teria fugido do controle,
devemos convir que o sistema eleitoral está no topo da lista de problemas
permanentes de nossa democracia, exigindo enfrentamento imediato. Temos,
portanto, razões para demandar dos candidatos ao nosso voto uma definição clara
a respeito do seu compromisso com a necessidade de reabrir o debate sobre
representação proporcional ou majoritária.
Porque o futuro não espera.
*Senador (PSDB-SP)
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