O Globo
Há um certo encanto nos setores
progressistas, e de modo geral entre todos os que desejam ver Jair Bolsonaro
fora do Palácio do Planalto, com a chapa Lula-Geraldo Alckmin em 2022.
Para muita gente, é um lance genial, tacada
de mestre, a vacina da Pfizer contra a imagem de um Lula extremista, a
verdadeira frente ampla que faltou em 2018. Se até Alckmin, um dos maiores
antipetistas do passado, está “lulando”, por que não o resto do eleitorado?
De fato, é excelente para a democracia que
dois atores tão relevantes da política se proponham a um diálogo e a uma
aliança, especialmente neste estágio preocupante da vida nacional. Sem dúvida é
boa jogada tanto para Lula como para Alckmin.
Os benefícios para o primeiro estão
descritos acima. O segundo anda descrente de suas chances de vitória na eleição
para o governo paulista no ano que vem. Vê na dobradinha com Lula a
oportunidade de voltar a ter protagonismo nacional sem precisar disputar voto
com a potente máquina estadual comandada por João Doria e Rodrigo Garcia.
O risco é se deixar levar pelo otimismo e esquecer de fazer perguntas cruciais. Ok, Lula e Alckmin se juntarão para ganhar de Bolsonaro e salvar a democracia. Mas em que bases será construída essa aliança? Para fazer o que a partir de 1º de janeiro de 2023? O que significa afinal essa “guinada para o centro” que Lula se propõe a dar?
Podem parecer questões inconvenientes ou
fora de hora. Que importam os meios, diante de fim tão nobre? Não é cedo demais
para cobrar propostas de alguém que vai salvar a democracia?
As experiências do passado, porém, mostram
que a hora de fazer tais perguntas é justamente enquanto as negociações
acontecem. Não foi por falta de tentativa que não se fez aliança em 2018 entre
o PT e Ciro Gomes.
As versões sobre por que a união não
aconteceu variam conforme o sujeito, mas é evidente que a negociação foi
malconduzida. Depois a relação desandou em acusações mútuas que, se não fizeram
diferença para a vitória de Bolsonaro, já que os eleitores do pedetista assim
mesmo votaram em peso em Fernando Haddad, mostraram quanta dificuldade tem o PT
em ceder quando se trata de compor para ganhar eleições.
Agora, o Datafolha mostra que apenas 16%
dos eleitores estariam mais dispostos a votar em Lula por causa de Alckmin, mas
sua presença na chapa tem um simbolismo crucial para a narrativa da guinada ao
centro em nome da democracia.
Contudo, sabe-se que o PT continua
resistindo a ceder espaço nas disputas estaduais a políticos do PSB, provável
partido do ex-tucano. Lula está na liderança absoluta nas pesquisas e em óbvia
vantagem na negociação, mas, se o objetivo é antecipar o segundo turno e salvar
a democracia, talvez valesse a pena ceder um bocadinho. Ou não?
Há ainda a questão programática. A despeito
da constatação irônica que circulou outro dia na internet — Alckmin seria
provavelmente o vice mais à esquerda que um governo do PT já teve —, a História
também já mostrou que vices decorativos podem se tornar um sério problema.
A exitosa aliança entre Lula e José
Alencar, em 2002, foi precedida pela “Carta aos Brasileiros”, em que o petista
assumia compromissos com uma agenda à direita do programa clássico do partido.
A negociação que fez de Michel Temer vice de Dilma foi puramente eleitoral — e
deu no que deu.
Por ora, nenhum petista perguntou a Geraldo
Alckmin o que ele prefere: mais ajuste fiscal em troca de nenhuma privatização?
Ou menos austeridade fiscal em troca de mais abertura econômica? E na segurança
ou na educação, há alguma convergência de ideias?
A estratégia de Lula é óbvia: adiar as
definições ao máximo para esticar a boa onda das pesquisas, reduzir o espaço de
movimentação da terceira via, aumentar seu cacife na negociação com potenciais
aliados e evitar críticas precoces a suas propostas.
Lula tem dito aos mais próximos que a
aliança com Alckmin está “maturando”. Seus aliados costumam afirmar que não há
por que ter pressa em cobrar propostas econômicas do ex-presidente, uma vez que
ele é um pragmático e já se conhecem os resultados de seus governos.
Mas foi o próprio Lula quem afirmou outro
dia que, em 2023, o Brasil estará muito pior do que estava em 2003, quando ele
assumiu o primeiro mandato. Lula também não é igual, tampouco as soluções para
os problemas serão.
Há diferentes maneiras de disputar uma eleição e de reerguer um país. Submetê-las ao debate faz parte da essência da democracia. O voto é um pacto entre o eleitor e seu candidato. Quem dá um cheque em branco ao eleito não pode reclamar do preço depois.
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