Valor Econômico
No Orçamento de 2022, os “investimentos” do
Congresso e da União se equivalem. Só a chegada do sócio majoritário, o
eleitor, pode chacoalhar esta sociedade
O Orçamento aprovado para o último ano do
governo Jair Bolsonaro tem o dom da ubiquidade. Não apenas resume 2021 como
antecipa o ano que está para começar e ainda dá pistas sobre a encrenca à
espera do herdeiro em 2023.
Trata-se de uma peça orçamentária fruto de
acordo com o Executivo. E isso não é óbvio. Basta lembrar que aquele em vigor
foi aprovado apenas no fim de março deste ano. Boa parte das contendas derivou
da disputa pelo comando da Comissão Mista de Orçamento, reflexo da eleição para
as mesas diretoras, principalmente a da Câmara.
Com a eleição de um comando parlamentar
mais alinhado ao Planalto, deu-se a convergência que explica quase tudo. Do
represamento dos 143 pedidos de impeachment que se acumularam nesses três anos
de bolsonarismo, mais da metade dos quais apresentados este ano, até o
arrefecimento das pressões contra Paulo Guedes.
O ministro da Economia começou o ano na
berlinda e o terminou nos braços do Centrão. E não foi o bloco que mudou. Foi
Guedes quem fez concessões. A lista é infinita, mas o Orçamento lhe oferece um
bom resumo.
A pedra estava cantada desde reação do Congresso à sua offshore. A montanha pariu um rato. O ministro foi ouvido em comissão na Câmara, confessou evasão fiscal, não convenceu da inexistência de conflito de interesse e foi embora como se nada tivesse acontecido. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL), achou que já estava tudo explicado e dispensou seus esclarecimentos ao plenário.
Mais do que a complacência com a gastança,
Guedes parece ter hoje uma larga compreensão da lógica custo-benefício de seus
aliados no Congresso: a melhor maneira de encarar o preço da coabitação com
Bolsonaro é elevar os benefícios a serem dela auferidos.
Basta ver as diversas tentativas de se
criar um fundo para liquidação dos ativos do governo. Se vingar, ao longo dos
próximos 12 meses, será possível aquilatar o interesse daqueles que, ao fim
desta gestão, não terão um mandato a renovar mas um mercado a desbravar.
Para quem está dentro do jogo, é um
ganha-ganha. Tome-se, por exemplo, o aumento da Polícia Federal - e a ausência
de reajuste real para o salário mínimo pelo terceiro ano consecutivo. Bolsonaro
busca garantir a boa vontade da corporação no ano de uma disputa eleitoral a
ser travada, em grande parte, da cintura para baixo.
Mas não apenas. Busca também conter o
entusiasmo da categoria com aquele que pode vir a representar uma ameaça ao seu
segundo lugar na disputa, o ex-juiz Sergio Moro. E, finalmente, cuida também de
garantir o futuro dos filhos, que têm nos policiais âncoras de sua base
eleitoral.
Vai, provavelmente, perder votos em outras
categorias do funcionalismo. Mas quem disse que os tinha?
Um outro prisma desta coabitação é a
comparação entre o investimento da União e aquele dos parlamentares. O governo
federal terá o menor valor da história para investir. Em grande parte porque,
em comum acordo, resolveu fazer uma divisão paritária com o Congresso.
Enquanto a União terá R$ 44 bilhões, os
parlamentares, somadas as verbas destinadas ao fundo partidário (R$ 1,1 bi), ao
fundo eleitoral (R$ 4,9 bi) e às emendas individuais, de bancada e de relator
(R$ 37,6 bi), disporão de 43,6 bilhões.
É bem verdade que a soma dos investimentos
de Bolsonaro com aqueles de seus sócios no Congresso se equipara aos recursos a
serem destinados ao Auxílio Brasil. Ao contemplar as duas pontas - a fome de 18
milhões de brasileiros e a pajelança dos sócios do Planalto S.A. - o Orçamento
deixou no meio do caminho um país órfão de futuro.
Já era previsível que as reformas
tributária e administrativa gorassem, mas a aprovação, na largada do ano, da
independência do Banco Central, prorrogou as ilusões. Com a mudança
constitucional que blindou a política monetária, o Congresso administrou as
pressões.
Foi preciso que o ano chegasse ao fim para
que os incautos se dessem conta de que uma fatia do empenho dedicado a abrigar
as emendas no Orçamento teria sido suficiente para fazer andar a agenda
reformista que encantou os iludidos.
Os acordos partidários e as alianças
eleitorais a serem concretizadas ao longo de 2022 ditarão as chances de este
estado de coisas do Orçamento ser replicado para aquele do primeiro ano do
futuro governo. Está claro que ao Congresso interessa repetir a foto. O meio
mais eficiente para isso é o de garantir bancadas gordas.
O Orçamento de 2023 será votado por até um
terço de senadores que terão perdido suas cadeiras e uma Câmara que, a manter a
média das últimas eleições, trocará cerca de metade de sua composição. É uma
circunstância que dificulta acordos mas não os impede.
A manutenção da fatia abocanhada pelo
Congresso no Orçamento de 2022 é o “plano de governo” real dos parlamentares
neste ano eleitoral. Já há emissários tratando desses interesses com os
presidenciáveis. O principal alvo, por favorito, é o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
O problema desses pratos feitos é que no
meio do caminho tem uma campanha eleitoral e uma pandemia que ainda não
terminou de dizer a que veio.
É bem verdade que a maior incerteza que
pairou sobre 2021, a da ameaça de ruptura institucional, foi descartada pela
retirada das Forças Armadas do meio de campo. Não sem antes recompor seus
soldos e investimentos.
Mas não se deve desprezar as ambições de um
presidente da República que foi capaz de abalar as estruturas de dois
verdadeiros campeões nacionais, a organização das eleições e o Plano Nacional
de Imunizações.
A urna eletrônica sobreviveu e o vírus
também. O ano que começou com 204.800 mil mortes termina com cerca de 618 mil e
à espreita dos planos desta ômicron para o Brasil. Esperança não imuniza mas dá
uma chance a 2022.
O embate contra o vírus que sequestrou a
saúde e a dignidade do brasileiros não estará apenas nas mãos dos ocupantes da
Praça dos Três Poderes. Mas naquelas de 148 milhões. Nunca a sorte do país terá
se confundido tanto com a de seus eleitores quanto no ano que está por começar.
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