O Globo
Não sabemos se o presidente eleito do
Chile, Gabriel Boric, terá sucesso em seu governo. Enfrentará uma série de obstáculos. Mas podem ter certeza
de que o jovem líder chileno não é similar a figuras esquerdistas no poder em
outros países da América Latina como Venezuela, México, Nicarágua e Peru. O
futuro ocupante do Palacio de La Moneda, em Santiago, está mais em sintonia com
a esquerda europeia, como a portuguesa.
Pedro Castillo, presidente do Peru, é marxista. Isso não significa em
hipótese alguma que carregue bandeiras da esquerda europeia e dos EUA. O líder
peruano se posiciona contra o direito ao aborto, à legalização da maconha e ao
casamento entre pessoas do mesmo sexo. Religioso, gosta de ler passagens
bíblicas. Compare com Boric, um agnóstico assumido que adota posições antagônicas
às do seu vizinho do Norte.
López Obrador, do México, foi eleito como esquerdista por suas posições econômicas. Mas, assim como Castillo, pode ser descrito como extremamente conservador nos valores. Além disso, o presidente mexicano é entusiasta de Donald Trump e se aliou ao então presidente americano para renegociar o Nafta e implementar políticas restritivas a imigrantes na fronteira. Na pandemia, segue como um notório negacionista.
Nicolas Maduro, da Venezuela, além de ser
ditador já fez uma série de declarações homofóbicas e misóginas no passado.
Apesar de ser apenas por hipocrisia, gosta de se descrever como religioso e se
aproxima de algumas alas conservadoras evangélicas e católicas. Sua preocupação
com o meio ambiente é zero. O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, que foi um
revolucionário marxista no passado, também adota uma agenda conservadora em
questões morais.
Classificar Boric como algo similar a esses
quatro líderes é equivocado. Talvez o mais próximo do futuro governo chileno
seja o de António Costa em Portugal. Conhecida como Geringonça, sua coalizão durou anos até recentemente, envolvendo o
premier português, de viés social-democrata, com outras agremiações
esquerdistas, incluindo os comunistas. Adotaram uma gestão pragmática em
questões econômicas para equilibrar as contas, mantendo o Estado de bem-estar
social, além de bandeiras como a defesa do meio ambiente, direitos de minorias
e, acima de tudo, foco na ciência na pandemia. Outra comparação seria com a
administração de Pedro Sánchez, na Espanha, também de centro-esquerda e aliado
do Podemos, de viés ainda mais esquerdista.
Na América do Sul, talvez o mais próximo de
Boric tenham sido os governos uruguaios da Frente Ampla, que esteve no poder no
Uruguai por 15 anos, entre 2004 e 2019, sendo duas vezes com Tabaré Vázquez e
uma com José Mujica. A esquerda latino-americana é tão diversa quanto a
direita, em que vemos governos com agendas reacionárias, como Jair Bolsonaro, e
outros mais pragmáticos e até mesmo progressistas em alguns temas, como Lacalle
Pou no Uruguai.
A democracia chilena deu uma lição de estabilidade. José Antonio Kast, candidato derrotado, aceitou a derrota e parabenizou o vencedor. Boric governará por cinco anos e pode dar certo ou errado. Saberemos. Mas tenham certeza de que o Chile tem mais chance de virar Portugal do que Venezuela.
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