quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Guga Chacra - Chile pode virar ‘Portugal’

O Globo

Não sabemos se o presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, terá sucesso em seu governo. Enfrentará uma série de obstáculos. Mas podem ter certeza de que o jovem líder chileno não é similar a figuras esquerdistas no poder em outros países da América Latina como Venezuela, México, Nicarágua e Peru. O futuro ocupante do Palacio de La Moneda, em Santiago, está mais em sintonia com a esquerda europeia, como a portuguesa.

Pedro Castillo, presidente do Peru, é marxista. Isso não significa em hipótese alguma que carregue bandeiras da esquerda europeia e dos EUA. O líder peruano se posiciona contra o direito ao aborto, à legalização da maconha e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Religioso, gosta de ler passagens bíblicas. Compare com Boric, um agnóstico assumido que adota posições antagônicas às do seu vizinho do Norte.

López Obrador, do México, foi eleito como esquerdista por suas posições econômicas. Mas, assim como Castillo, pode ser descrito como extremamente conservador nos valores. Além disso, o presidente mexicano é entusiasta de Donald Trump e se aliou ao então presidente americano para renegociar o Nafta e implementar políticas restritivas a imigrantes na fronteira. Na pandemia, segue como um notório negacionista.

Nicolas Maduro, da Venezuela, além de ser ditador já fez uma série de declarações homofóbicas e misóginas no passado. Apesar de ser apenas por hipocrisia, gosta de se descrever como religioso e se aproxima de algumas alas conservadoras evangélicas e católicas. Sua preocupação com o meio ambiente é zero. O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, que foi um revolucionário marxista no passado, também adota uma agenda conservadora em questões morais.

Classificar Boric como algo similar a esses quatro líderes é equivocado. Talvez o mais próximo do futuro governo chileno seja o de António Costa em Portugal. Conhecida como Geringonça, sua coalizão durou anos até recentemente, envolvendo o premier português, de viés social-democrata, com outras agremiações esquerdistas, incluindo os comunistas. Adotaram uma gestão pragmática em questões econômicas para equilibrar as contas, mantendo o Estado de bem-estar social, além de bandeiras como a defesa do meio ambiente, direitos de minorias e, acima de tudo, foco na ciência na pandemia. Outra comparação seria com a administração de Pedro Sánchez, na Espanha, também de centro-esquerda e aliado do Podemos, de viés ainda mais esquerdista.

Na América do Sul, talvez o mais próximo de Boric tenham sido os governos uruguaios da Frente Ampla, que esteve no poder no Uruguai por 15 anos, entre 2004 e 2019, sendo duas vezes com Tabaré Vázquez e uma com José Mujica. A esquerda latino-americana é tão diversa quanto a direita, em que vemos governos com agendas reacionárias, como Jair Bolsonaro, e outros mais pragmáticos e até mesmo progressistas em alguns temas, como Lacalle Pou no Uruguai.

A democracia chilena deu uma lição de estabilidade. José Antonio Kast, candidato derrotado, aceitou a derrota e parabenizou o vencedor. Boric governará por cinco anos e pode dar certo ou errado. Saberemos. Mas tenham certeza de que o Chile tem mais chance de virar Portugal do que Venezuela.

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