Valor Econômico
Recorrentes surpresas negativas da inflação
e sua persistência dificultarão a redução para a meta de 2%
Os fundamentos das principais economias e a
reação dos seus bancos centrais têm seguido padrão similar desde o 2º semestre
de 2020. Os movimentos dos preços dos ativos desses países também têm sido
parecidos e podem ser representados, a partir do fim de 2021, por três períodos
distintos - as trajetórias da economia e dos mercados dos EUA enquadram-se
nessa classificação.
A pandemia levou o Fed a reduzir os juros básicos (fed funds) em 2020 para próximo a zero e a promover uma expansão recorde do seu balanço. Após a aceleração da economia no 2º semestre de 2020, a expectativa era de que a sua normalização, bem como a reversão das políticas adotadas, ocorreria de forma lenta e gradual. O 1º período foi caracterizado pela convicção de que o recuo do crescimento do PIB dos EUA - projeções no 4º trimestre de 2021 de 4% em 2022 e 2,3% em 2023 - seria compatível com o retorno tempestivo da inflação para a sua meta de 2% - previsões de núcleo do PCE de, respectivamente, 2,3% e 2,1%. A normalização dos juros em 2023 ou 2024 serviria apenas para assegurar a estabilidade da economia. Nesse cenário, os preços dos ativos continuariam a aumentar, alcançando níveis recordes.
Essa avaliação provou-se equivocada, com a
inflação sendo mais permanente, disseminada e alcançando o seu maior patamar em
várias décadas. A ampliação da demanda por bens foi o catalisador do processo
inflacionário. Os gargalos nas cadeias de suprimentos e a menor disponibilidade
de mão de obra restringiram a oferta de bens, pressionando os preços. A invasão
da Ucrânia, as sanções impostas à Rússia e a menor oferta de commodities
reforçaram os desbalanceamentos, elevando ainda mais a inflação. Apesar de o
aumento dos preços do petróleo e os choques de alimentos responderem por parte
relevante da inflação nos últimos 12 meses, a alta de preços tornou-se bastante
disseminada, com representantes setoriais reportando majoração recorde de
custos.
Essa dinâmica marcou o 2º período. As
projeções de inflação nos EUA em meados deste semestre aumentaram bastante
frente aos números de 2021. A mudança de percepção sobre o perfil da curva de
juros embutia a antecipação do aperto monetário e um maior orçamento de aumento
de juros como forma de diminuir a inflação para 2%. A curva de juros no final
de maio apreçava fed funds de 2,7% no fim de 2022, com a taxa de juros de 10
anos totalizando 2,8%.
Esse ciclo contribuiu para a expectativa de
maior desaceleração da atividade, com as previsões de crescimento recuando para
2,3% neste ano e 1,5% em 2023. Esse cenário foi determinante para o declínio
dos preços dos ativos, com o índice S&P 500 da bolsa americana diminuindo
do seu valor máximo histórico de 4.796 pontos para o mínimo de 2022 de 3.667
pontos em junho.
Apesar da decisão de uma série de bancos
centrais de elevar os juros mais do que o consenso de mercado, os dados de
atividade e de inflação das últimas duas semanas promoveram uma mudança de
sentimento sobre o cenário prospectivo, dando início ao atual 3º período. A necessidade
de alta mais expressiva de juros passou a ser questionada com o recuo das
expectativas de inflação e com as indicações de maior probabilidade de recessão
nos próximos trimestres - previsões de crescimento dos EUA diminuíram para 1,7%
em 2022 e 1,2% em 2023.
A confiança em um forte declínio da
expansão da economia é compatível com uma maior convicção sobre a proximidade
do ponto de inflexão da alta de preços e sobre uma atenuação rápida da inflação
em 2023, ainda mais com uma menor contribuição dos preços de petróleo e de
commodities agrícolas. Apesar de uma recessão mais próxima contribuir para a
redução dos preços dos ativos, a percepção de que o aperto monetário pode ser
revertido rapidamente conduz ao deslocamento para baixo da curva de juros e à diminuição
da taxa de desconto intertemporal. A curva de juros da última 2ª feira apreçava
fed funds de 3,5% no fim de 2022 - máximo de 3,79% em junho - e taxa de 10 anos
de 2,84% - 3,47% em junho -, contribuindo para a reversão do declínio dos
preços dos ativos.
Tenho dificuldade de crer que esse 3º
período tenha bases sólidas. Apesar do peso da elevação dos preços de energia e
de commodities, a inflação PCE nos EUA está bastante disseminada, o que
prejudicará o rápido recuo do seu núcleo - projeção de 4,8% em 2022 e 3,5% em
2023. As recorrentes surpresas negativas na inflação e a sua manutenção em um
patamar elevado por vários trimestres ampliaram a persistência inflacionária e,
portanto, também dificultarão a redução para a meta de 2%.
Uma parte dos analistas parece superestimar
a magnitude da desaceleração da economia, desconsiderando que dificilmente
haverá recessão sem um recuo expressivo da confiança do consumidor, uma maior
contração das condições financeiras, um aumento da taxa de desocupação e uma desaceleração
dos rendimentos do trabalho. A taxa de participação estável e a oferta de
empregos muito maior do que o número de trabalhadores dispostos a ocupá-los
sugerem que, no curto prazo, o aumento do desemprego será lento e a alta dos
salários não diminuirá.
Esse ambiente dificulta o maior recuo da
inflação, mas, por outro lado, reduz os riscos de uma intensa recessão caso o
Fed eleve bastante os juros. Por fim, a taxa de juros real ainda continua baixa
quando comparada com períodos de desinflação, sendo preciso sua elevação para
próximo a 1% ao ano, frente aos atuais 0,4%, para garantir uma diminuição
tempestiva da inflação.
Mesmo ciente das mudanças frequentes de sentimento por parte de investidores, não é razoável formular um cenário otimista para os preços de ativos de risco no curto prazo em um contexto de redução consistente da inflação para 2%. A curva de juros precisa indicar fed funds de, no mínimo, 4% para se angariar essa maior confiança. Nesse ambiente, partilho da leitura de que a taxa de juros de 10 anos superará 3,40% e o S&P recuará para nível inferior a 3.400 pontos, compatível com lucros mais baixos das empresas e razões preço/lucro próximas às de outras recessões.
Um comentário:
Lendo e tentando aprender.
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