quarta-feira, 27 de julho de 2022

Nilson Teixeira - Mercado global com otimismo pouco sólido

Valor Econômico

Recorrentes surpresas negativas da inflação e sua persistência dificultarão a redução para a meta de 2%

Os fundamentos das principais economias e a reação dos seus bancos centrais têm seguido padrão similar desde o 2º semestre de 2020. Os movimentos dos preços dos ativos desses países também têm sido parecidos e podem ser representados, a partir do fim de 2021, por três períodos distintos - as trajetórias da economia e dos mercados dos EUA enquadram-se nessa classificação.

A pandemia levou o Fed a reduzir os juros básicos (fed funds) em 2020 para próximo a zero e a promover uma expansão recorde do seu balanço. Após a aceleração da economia no 2º semestre de 2020, a expectativa era de que a sua normalização, bem como a reversão das políticas adotadas, ocorreria de forma lenta e gradual. O 1º período foi caracterizado pela convicção de que o recuo do crescimento do PIB dos EUA - projeções no 4º trimestre de 2021 de 4% em 2022 e 2,3% em 2023 - seria compatível com o retorno tempestivo da inflação para a sua meta de 2% - previsões de núcleo do PCE de, respectivamente, 2,3% e 2,1%. A normalização dos juros em 2023 ou 2024 serviria apenas para assegurar a estabilidade da economia. Nesse cenário, os preços dos ativos continuariam a aumentar, alcançando níveis recordes.

Essa avaliação provou-se equivocada, com a inflação sendo mais permanente, disseminada e alcançando o seu maior patamar em várias décadas. A ampliação da demanda por bens foi o catalisador do processo inflacionário. Os gargalos nas cadeias de suprimentos e a menor disponibilidade de mão de obra restringiram a oferta de bens, pressionando os preços. A invasão da Ucrânia, as sanções impostas à Rússia e a menor oferta de commodities reforçaram os desbalanceamentos, elevando ainda mais a inflação. Apesar de o aumento dos preços do petróleo e os choques de alimentos responderem por parte relevante da inflação nos últimos 12 meses, a alta de preços tornou-se bastante disseminada, com representantes setoriais reportando majoração recorde de custos.

Essa dinâmica marcou o 2º período. As projeções de inflação nos EUA em meados deste semestre aumentaram bastante frente aos números de 2021. A mudança de percepção sobre o perfil da curva de juros embutia a antecipação do aperto monetário e um maior orçamento de aumento de juros como forma de diminuir a inflação para 2%. A curva de juros no final de maio apreçava fed funds de 2,7% no fim de 2022, com a taxa de juros de 10 anos totalizando 2,8%.

Esse ciclo contribuiu para a expectativa de maior desaceleração da atividade, com as previsões de crescimento recuando para 2,3% neste ano e 1,5% em 2023. Esse cenário foi determinante para o declínio dos preços dos ativos, com o índice S&P 500 da bolsa americana diminuindo do seu valor máximo histórico de 4.796 pontos para o mínimo de 2022 de 3.667 pontos em junho.

Apesar da decisão de uma série de bancos centrais de elevar os juros mais do que o consenso de mercado, os dados de atividade e de inflação das últimas duas semanas promoveram uma mudança de sentimento sobre o cenário prospectivo, dando início ao atual 3º período. A necessidade de alta mais expressiva de juros passou a ser questionada com o recuo das expectativas de inflação e com as indicações de maior probabilidade de recessão nos próximos trimestres - previsões de crescimento dos EUA diminuíram para 1,7% em 2022 e 1,2% em 2023.

A confiança em um forte declínio da expansão da economia é compatível com uma maior convicção sobre a proximidade do ponto de inflexão da alta de preços e sobre uma atenuação rápida da inflação em 2023, ainda mais com uma menor contribuição dos preços de petróleo e de commodities agrícolas. Apesar de uma recessão mais próxima contribuir para a redução dos preços dos ativos, a percepção de que o aperto monetário pode ser revertido rapidamente conduz ao deslocamento para baixo da curva de juros e à diminuição da taxa de desconto intertemporal. A curva de juros da última 2ª feira apreçava fed funds de 3,5% no fim de 2022 - máximo de 3,79% em junho - e taxa de 10 anos de 2,84% - 3,47% em junho -, contribuindo para a reversão do declínio dos preços dos ativos.

Tenho dificuldade de crer que esse 3º período tenha bases sólidas. Apesar do peso da elevação dos preços de energia e de commodities, a inflação PCE nos EUA está bastante disseminada, o que prejudicará o rápido recuo do seu núcleo - projeção de 4,8% em 2022 e 3,5% em 2023. As recorrentes surpresas negativas na inflação e a sua manutenção em um patamar elevado por vários trimestres ampliaram a persistência inflacionária e, portanto, também dificultarão a redução para a meta de 2%.

Uma parte dos analistas parece superestimar a magnitude da desaceleração da economia, desconsiderando que dificilmente haverá recessão sem um recuo expressivo da confiança do consumidor, uma maior contração das condições financeiras, um aumento da taxa de desocupação e uma desaceleração dos rendimentos do trabalho. A taxa de participação estável e a oferta de empregos muito maior do que o número de trabalhadores dispostos a ocupá-los sugerem que, no curto prazo, o aumento do desemprego será lento e a alta dos salários não diminuirá.

Esse ambiente dificulta o maior recuo da inflação, mas, por outro lado, reduz os riscos de uma intensa recessão caso o Fed eleve bastante os juros. Por fim, a taxa de juros real ainda continua baixa quando comparada com períodos de desinflação, sendo preciso sua elevação para próximo a 1% ao ano, frente aos atuais 0,4%, para garantir uma diminuição tempestiva da inflação.

Mesmo ciente das mudanças frequentes de sentimento por parte de investidores, não é razoável formular um cenário otimista para os preços de ativos de risco no curto prazo em um contexto de redução consistente da inflação para 2%. A curva de juros precisa indicar fed funds de, no mínimo, 4% para se angariar essa maior confiança. Nesse ambiente, partilho da leitura de que a taxa de juros de 10 anos superará 3,40% e o S&P recuará para nível inferior a 3.400 pontos, compatível com lucros mais baixos das empresas e razões preço/lucro próximas às de outras recessões.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Lendo e tentando aprender.