Editoriais / Opiniões
A sociedade reage ao arreganho bolsonarista
O Estado de S. Paulo
Ante a gravidade da ameaça de Bolsonaro à
democracia, reiterada perante embaixadores estrangeiros, a nova mobilização da
sociedade civil precisa ser estimulada
O presidente Jair Bolsonaro pode sentir-se acima da lei, do decoro e da honestidade intelectual – e continuar difamando as urnas eletrônicas, criando animosidade contra as instituições e tentando criar um ambiente propício à desordem e à ruptura institucional. No entanto, se pensava que não haveria reação da população, enganou-se. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tolera sua escalada de afronta às eleições. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também. Mas a sociedade não. Há limites.
Depois da reunião do dia 18 de julho com embaixadores, na qual Jair Bolsonaro disse ao mundo que a democracia brasileira não era confiável, o País acordou. Houve um sem-número de depoimentos de entidades e pessoas que participaram e ainda participam do processo eleitoral atestando a lisura e a segurança do nosso sistema de votação e apuração. A democracia brasileira não está nas mãos de algumas poucas pessoas. É uma construção coletiva, robusta e admirada – aqui e no mundo inteiro.
Além disso, os últimos ataques de Jair
Bolsonaro contra o sistema eleitoral suscitaram na população uma nova
compreensão da dimensão e gravidade das ameaças do bolsonarismo ao Estado
Democrático de Direito. Em número crescente, entidades e lideranças civis vêm
cerrando fileiras em defesa da integridade das eleições e da Justiça Eleitoral.
Não há espaço para retrocesso.
Uma das iniciativas é a reedição da Carta aos Brasileiros de 1977,
de autoria do jurista Goffredo da Silva Telles Júnior. Lido em agosto daquele
ano na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o documento manifestava
repúdio ao regime militar e pedia a volta da democracia. A ser lida no mesmo
local, no próximo dia 11 de agosto, pelo ex-ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Celso de Mello, a nova Carta às
brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito denuncia
o “momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às
instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”.
“Independentemente da preferência eleitoral
ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem
alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições”, diz o
manifesto deste ano do Largo de São Francisco, recordando que “são intoleráveis
as ameaças aos demais Poderes e setores da sociedade civil e a incitação à
violência e à ruptura da ordem constitucional”.
É surpreendente – e tristemente sintomático
dos tempos atuais – que a sociedade brasileira precise reafirmar, como diz a
carta a ser lida nas Arcadas, que “ditadura e tortura pertencem ao passado” e
que “a solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa
necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições”. A boa notícia, a
confirmar o isolamento dos autoritários, é que o documento vem recebendo amplo
apoio dos mais diversos setores da sociedade brasileira. Ninguém preocupado com
o País quer saber de bagunça com as eleições ou de ruptura da ordem
constitucional.
Entre outras muitas iniciativas em defesa
da democracia, vale destacar uma manifestação da Academia Paulista de Letras
por sua contundência. “O roteiro para a contestação do resultado das urnas se
desenvolve sob as vistas de todos e ameaça repetir, como farsa, a história de
ataque às instituições, como ocorreu nos EUA”, diz o texto. “Nesse quadro de
incertezas e grandes riscos, a Academia Paulista de Letras conclama a sociedade
civil a manter-se atenta na defesa do Estado Democrático de Direito, das
instituições, da segurança do sistema eleitoral e do respeito ao resultado da
manifestação dos eleitores.”
Como a confirmar os piores temores, o
governo de Jair Bolsonaro vestiu a carapuça. Para o ministro da Casa Civil,
Ciro Nogueira (PP-PI), as manifestações em defesa das eleições são um ataque ao
presidente da República. Sem nenhum pudor, o Palácio do Planalto escancara que
não está do lado da democracia. A sociedade tem motivo, portanto, para estar
alerta. Os liberticidas e autoritários não passarão.
O temporário que se torna permanente
O Estado de S. Paulo
Se novo piso do Auxílio Brasil for mantido
em 2023, evitar a ruína fiscal do País exigirá do futuro presidente inédita
capacidade de articulação política para aprovar reformas
Funcionários públicos experientes em
Brasília costumam dizer que nada assume caráter mais permanente no Orçamento do
que aquilo que nasce para ser temporário. Essa máxima vale para todo tipo de
renúncia fiscal criada para impulsionar um setor por um tempo e que acaba por
ser renovada sucessivamente, mas vale também para o caso do reajuste do piso do
Auxílio Brasil, que passará a R$ 600 a partir de agosto. A crise econômica tem
levado 350 mil novas famílias a se cadastrarem no programa a cada mês, e a fila
de espera oficial já atinge 1,6 milhão – sem contar a fila da fila, que já
estaria próxima de 3 milhões.
Nada no cenário macroeconômico indica que a
situação dessas pessoas mudará a ponto de não precisarem mais dessa ajuda daqui
a seis meses, tanto que os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas
eleitorais obviamente já se comprometeram a manter o benefício neste mesmo
valor em 2023. O que é essencial, e nem o presidente Jair Bolsonaro nem o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disseram, é saber quais medidas serão
necessárias para financiar o programa. Em 2021, o antigo Bolsa Família
demandava R$ 35,6 bilhões do Orçamento. Com o reajuste do piso e a inclusão de
novos beneficiários, o custeio do Auxílio Brasil já havia subido a R$ 89
bilhões neste ano. Zerar as filas e elevar o valor mínimo do benefício a R$ 600
exigirá mais R$ 26 bilhões entre agosto e dezembro.
Mas manter o piso do programa em 2023
elevará seu custo total a nada menos que R$ 151,4 bilhões, segundo reportagem
do Estadão,
quadruplicando os dispêndios federais com benefícios sociais em dois anos. Essa
decisão terá duas consequências imediatas. A primeira é aumentar a fatia de
gastos obrigatórios dentro do Orçamento – benefícios sociais e assistenciais,
aposentadorias e salários já consomem cerca de 95% da peça orçamentária. A
segunda é reduzir ainda mais o espaço disponível para as despesas
discricionárias, rubrica estimada em R$ 120 bilhões a R$ 130 bilhões que inclui
o pagamento de contas de energia e água, os combalidos investimentos e as
imponentes emendas de relator, base do “orçamento secreto”. O auxílio de R$ 600
exigiria reduzir o custeio da máquina pública a algo entre R$ 70 bilhões e R$
80 bilhões em 2023, um “desafio considerável”, reconheceu o secretário especial
de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago.
Ao apostar na PEC Kamikaze para aumentar a
competitividade de sua candidatura à reeleição, Bolsonaro fez muito mais do que
criar exceções temporárias ao teto restritas a seu mandato. Sua ruinosa gestão,
na realidade, minou qualquer possibilidade de um futuro governante conseguir
cumprir o teto. O ministro da Economia, Paulo Guedes, pode repetir que “o
fiscal está forte” quantas vezes quiser, mas a piora das expectativas do
mercado para o crescimento, inflação e juros simplesmente reflete a completa
ausência de uma âncora fiscal crível a partir de 2023.
Evitar a ruína do País demandará do próximo
governo a realização das sempre adiadas reformas estruturantes, e isso exigirá
do futuro presidente uma inédita capacidade de articulação política. Será
preciso construir consenso em torno de uma reforma administrativa para reduzir
o gasto público com servidores que estão sem reajuste salarial desde 2017. Será
preciso obter apoio de governadores e prefeitos para aprovar uma reforma tributária
que talvez imponha novas perdas a Estados e municípios já obrigados a se
contentar com receitas menores em nome do desespero eleitoral do presidente.
Será preciso convencer o Congresso a abrir mão das bilionárias emendas
parlamentares e do controle tácito do Orçamento para devolvê-lo ao Executivo.
Será preciso reconstruir as bases do Auxílio Brasil, reformular os benefícios
para ajudar quem mais precisa e resgatar suas contrapartidas. Sem essas
reformas, restaram como opções para financiar essas despesas o impopular
aumento de impostos ou a desastrosa emissão de dívida pública, ambas
alternativas de altíssimo custo para a credibilidade de qualquer governo em
início de mandato.
CAC, bom negócio para o PCC
O Estado de S. Paulo
Descontrole na emissão de certificados de CACs permite que o bando pague menos para reforçar seu arsenal
O Primeiro Comando da Capital (PCC)
descobriu um jeito de aumentar o seu poder de fogo, que já é assustador, por
meio de um esquema muito mais barato do que o contrabando de armas da Bolívia e
do Paraguai. Membros da facção criminosa, ou “laranjas” cooptados pelo bando,
têm conseguido obter do Exército certificados de Colecionador, Atirador
Desportivo e Caçador (CAC). Com o documento, compram armas legalmente,
incluindo as de grosso calibre, por preços que chegam a ser 65% menores do que
os praticados no mercado ilegal. Ou seja, a um só tempo, a maior organização
criminosa em atividade no Brasil aumenta seu poderio bélico e financeiro. Uma
temeridade sobre a qual já havíamos nos posicionado poucos dias atrás (ver
editorial Incúria perigosa, de 23/7/2022).
Mas é caso de voltar ao tema. O Estadão revelou
que a apreensão de sete armas de fogo com um membro do PCC em Uberlândia (MG)
não foi um episódio isolado. Como foi noticiado, o homem, cuja longa ficha
criminal estava à distância de “uma simples consulta no Google”, como
disse o magistrado que determinou a busca e apreensão, obteve do Exército o
certificado de CAC, com o qual pôde comprar o pequeno arsenal.
No Rio de Janeiro, Vitor Furtado, sujeito
que atende pela singela alcunha de “Bala 40”, foi preso pela polícia carioca ao
tentar vender nada menos do que 26 fuzis, entre outras armas, para bandidos. No
Lageado, na zona leste da capital de São Paulo, policiais do Departamento de
Narcóticos (Denarc) apreenderam um fuzil, uma carabina, duas pistolas e dois
revólveres com Diego Izidoro, acusado de ser integrante de um esquema de
lavagem de dinheiro do PCC.
Todas essas armas em poder dos bandidos,
nos três casos conhecidos até agora, foram compradas legalmente com
certificados de CAC expedidos pelo Exército, indicando que o controle do
Exército é falho e que o crime organizado viu nessa vulnerabilidade do processo
de concessão dos registros de CAC uma nova oportunidade de negócios.
Os especialistas em segurança pública são
unânimes em relacionar o aumento exponencial na concessão de certificados de CAC
no Brasil à política do presidente Jair Bolsonaro de facilitar ao máximo o
acesso a armas de fogo pelos cidadãos. “Tudo isso (o afrouxamento das regras
para compra de armas) facilitou o acesso dos bandidos às armas e munições”,
disse Marcos Carneiro Lima, ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo. O
promotor Lincoln Gakiya, um dos maiores especialistas do País em combate ao
crime organizado, sobretudo ao PCC, foi taxativo: “É muito fácil pegar um
‘laranja’ e obter um certificado de CAC”.
Tão ou mais intolerável do que essa frouxidão no processo de emissão dos certificados de CAC é o silêncio das instituições. Diante dos casos gravíssimos apurados pela reportagem, o Estadão procurou o Exército, o Palácio do Planalto e o Ministério da Justiça. Até ontem, não havia obtido resposta. Às autoridades não assiste o direito ao silêncio. Ao fim e ao cabo, não estão sonegando informações da imprensa, mas da sociedade à qual devem servir.
Inquéritos na gaveta
Folha de S. Paulo
Procuradoria mostra submissão ao
menosprezar denúncias contra atos de Bolsonaro na pandemia
São abundantes as evidências da negligência
com que Jair
Bolsonaro e seus auxiliares lidaram com a pandemia de Covid-19, que
ceifou as vidas de mais de 677 mil brasileiros.
O presidente fez de tudo para sabotar o
combate à doença. Boicotou medidas de proteção da população, investiu em
tratamentos inócuos e postergou por meses a compra de vacinas que poderiam ter
evitado milhares de mortes.
Nesta segunda (25), a Procuradoria-Geral
da República fez pouco de tudo isso ao propor o arquivamento de 7 das
10 investigações iniciadas a partir das denúncias da Comissão
Parlamentar de Inquérito do Senado que examinou as ações do governo na
crise sanitária.
Para a vice-procuradora-geral, Lindôra
Araújo, que assina os despachos, o juízo feito pela CPI ao analisar a
conduta do presidente é meramente político e não há como enquadrar seus atos
nos crimes descritos pelo Código Penal.
Se o mandatário incentivou aglomerações e
desrespeitou normas que prescreviam o uso de máscaras, ela argumentou, não se
pode culpá-lo pelo comportamento dos que compareceram a seus eventos sem seguir
as orientações médicas.
Bolsonaro pode ter feito vista grossa ao
ser informado por um aliado de irregularidades nas negociações de vacinas no
Ministério da Saúde, mas a procuradora concluiu que não há como incriminá-lo
porque ele não tinha obrigação de agir diante das suspeitas.
Também não cabe reparo à aposta
na cloroquina para enfrentar o coronavírus, porque o presidente tinha
boas intenções. "Para o direito penal brasileiro, o agente que age
sinceramente acreditando nos recursos de tratamento poderá até ser tido como
inculto, mas não charlatão", ela escreveu.
As respostas às imputações feitas pela CPI
desafiam o bom senso, ofendem a memória das vítimas da calamidade e demonstram
os riscos criados pela domesticação que Bolsonaro promoveu nas instituições
encarregadas de fiscalizá-lo.
Desde a escolha de Augusto Aras para a
chefia da Procuradoria, o mandatário passou a contar com um aliado
contemporizador numa função essencial para sua sobrevivência política.
Aras joga parado, e Bolsonaro ganha tempo com isso.
Como o procurador-geral é a única
autoridade com poderes para propor ações contra o presidente na área criminal,
o Supremo Tribunal Federal costuma acolher suas opiniões em casos assim, e é
possível que o faça mais uma vez agora.
A deferência terá custo alto. Se Bolsonaro
não conseguir novo mandato nas eleições de outubro, será
difícil retomar as ações e responsabilizá-lo pela incúria na pandemia.
Se for reeleito, ele só poderá responder por atos do primeiro mandato após
deixar do cargo.
Máscara no chão
Folha de S. Paulo
Alguns sucessos militares e políticos fazem
Rússia admitir objetivo de destruir a soberania da Ucrânia
A oscilação do arco narrativo russo acerca
de sua campanha
militar contra a Ucrânia segue fielmente o desempenho de suas tropas,
no solo do vizinho desde 24 de fevereiro.
Assim que os primeiros mísseis caíram,
Vladimir Putin declarou o objetivo de desnazificar e desmilitarizar o rival,
além de evitar sua entrada em estruturas ocidentais como a Otan, a aliança
militar liderada pelos EUA, e garantir a autonomia dos separatistas russófonos
do Donbass, no leste ucraniano.
Da primeira missão ninguém mais fala, por
fantasiosa. Sobre a segunda, pode-se argumentar que a Ucrânia esteja se militarizando
mais rapidamente, apesar de a enxurrada de armas ocidentais parecer
distante de deter os russos.
O sucesso de Putin é maior, contudo, na
inviabilização do Estado ucraniano, como descrito nos dois últimos itens de sua
pauta inicial.
A União Europeia pode até prometer uma vaga
a Kiev, mas isso é ilusão: mesmo sem o conflito o país não reunia condições
para ser aceito no bloco. Quanto a chegar à Otan, que luta por procuração, o
caminho é ainda mais bloqueado por temores de ampliação da guerra.
Putin optou pelo cinismo. Agiu para
derrubar o governo de Volodimir Zelenski numa
tacada única, mas, ao fracassar militarmente por soberba tática, negou buscar
isso. Descartou querer ganhos territoriais, apesar de ter anexado a Crimeia em
2014 e fomentado a guerra civil no Donbass, que incubou a tragédia ora em
curso.
Agora, a máscara caiu. Em duas falas, o
chanceler russo entregou o jogo. Segundo Serguei Lavrov, um dos decanos da
diplomacia mundial, a Rússia não
se contentará com o Donbass.
Quer o sul ucraniano, a saber se o
território que já ocupa ou toda a costa até o enclave que mantém na Moldova, e
tem por meta livrar os ucranianos do "fardo desse regime absolutamente
inaceitável". Ou seja, destruir a soberania do país.
A candura de Lavrov acompanha a mudança de
ventos da guerra. A pressão sobre a Europa com o fechamento de torneiras de gás
russo e racionamentos
programados só fará aumentar a instabilidade dos governos ante o
fastio com a crise.
No campo de batalha, ganhos lentos, mas
firmes, sugerem a consolidação da posição
militar russa, mais sóbria agora. Reveses poderão fazer Putin buscar
remendar as fantasias rasgadas, o que será inócuo tanto para adversários
céticos como para aliados que já não se importam com o estado delas.
PGR não pode abrir mão de seu papel numa
democracia
O Globo
É frustrante pedido para que STF arquive
investigações contra o governo abertas com base na CPI da Covid
A Procuradoria-Geral da República (PGR)
jogou para debaixo do tapete os indícios de crimes e irregularidades
descobertos pela CPI da Covid sobre a conduta do atual governo na pandemia que
já tirou a vida de quase 700 mil brasileiros. Na segunda-feira, nove meses
depois de ter recebido o relatório final dos senadores, e faltando apenas dois
para as eleições, a PGR pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento
de oito das dez investigações preliminares contra o presidente Jair Bolsonaro,
ministros, ex-ministros e aliados do Planalto.
O despacho da PGR, assinado pela
vice-procuradora Lindôra Araújo, braço direito do procurador-geral Augusto
Aras, faz malabarismos para rejeitar as conclusões da CPI. É o caso das
acusações de charlatanismo contra Bolsonaro e integrantes do governo por terem
promovido o famigerado “tratamento precoce” contra a Covid-19 e incentivado o
uso da cloroquina, comprada aos borbotões com desperdício de recursos públicos,
apesar de ineficaz no combate à doença.
Para a PGR, Bolsonaro não sabia “da
absoluta ineficácia” do medicamento e acreditava sinceramente no uso da droga.
Já em maio de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deixava clara a
inutilidade da cloroquina contra a Covid-19. Os próprios ministros da Saúde
Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich avisaram Bolsonaro, por isso acabaram
fora do governo. O presidente sabia exatamente o que fazia — ou não posaria
para fotos mostrando caixas de cloroquina às emas do Alvorada.
Em apenas dois casos as investigações
poderão prosseguir. A PGR pediu prorrogação do prazo da apuração em que
Bolsonaro, integrantes do governo e aliados são acusados de incitar a população
a desrespeitar medidas sanitárias, num momento em que não havia vacinas e elas
eram a única forma de deter o contágio. O outro diz respeito à compra da vacina
indiana Covaxin, cancelada após denúncias de fraudes. Caso avance, atingirá
apenas suspeitos sem projeção, já que a PGR não viu problemas na atuação do
líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, acusado pela CPI de fazer pressão
pela liberação da Covaxin.
Não há surpresa na manifestação da PGR. O
comportamento generoso de Aras com Bolsonaro e o alto escalão do Planalto tem
sido frequente no governo. A ponto de criar constrangimento. No desenrolar da
CPI, o STF teve de lembrar ao Ministério Público que não lhe cabe o papel de
espectador.
Para espanto da nação, Aras levou três dias
para se manifestar sobre os ataques grosseiros de Bolsonaro à democracia, às
urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral no encontro descabido com
embaixadores, um ato de campanha do presidente-candidato. Aras requentou um
vídeo produzido antes do episódio dos diplomatas em que defendia o sistema
eleitoral. Ontem, requentou outro vídeo, de uma reunião com parlamentares de
oposição, para dizer que está atento ao risco de manifestações violentas no 7
de Setembro.
A PGR não pode abrir mão de seu papel de
zelar pela democracia e pelo bom funcionamento das instituições. Num regime
democrático, a sociedade espera das instituições respostas firmes,
especialmente para momentos críticos, como é o caso da pandemia, dos ataques às
urnas e das ameaças golpistas que pairam no horizonte enevoado da República. A
omissão não costuma ser absolvida pela História.
É preciso ficar de olho para evitar
repetição das pedaladas
O Globo
Para equilibrar contas afetadas por gasto
eleitoreiro, governo quer receber dividendos antecipados das estatais
Os organismos de fiscalização e controle
precisam ficar de olho nas manobras que o governo federal pôs em marcha para
tentar equilibrar suas contas. Depois da distribuição de benesses a mancheias —
em particular pela PEC Eleitoral —, o Ministério da Economia ordenou cortes
orçamentários que ultrapassam R$ 9 bilhões e decidiu, numa repetição de
práticas questionáveis do governo Dilma Rousseff, pedir às quatro maiores
estatais (Petrobras, BNDES, Caixa e Banco do Brasil) a antecipação do pagamento
de dividendos à União.
Em princípio, a meta de déficit primário
(R$ 170,5 bilhões) não está em risco, em razão das sucessivas altas na
arrecadação. A previsão é um déficit abaixo de R$ 60 bilhões, e existe até a
possibilidade de que as contas públicas fechem no azul pela primeira vez em
oito anos, levando em conta o resultado dos estados e municípios. Mesmo assim,
a benevolência eleitoral abriu um buraco que elevou a tensão no mercado
financeiro e despertou dúvidas sobre o quadro no próximo governo.
As renúncias fiscais extraordinárias passam
de R$ 71 bilhões (entre elas, R$ 16,5 bilhões de desoneração dos combustíveis).
A PEC Eleitoral criou gastos adicionais de R$ 41,3 bilhões neste ano. A
Instituição Fiscal Independente estima que, ao todo, o impacto das medidas de
afrouxamento fiscal no Orçamento deste ano seja da ordem de R$ 166 bilhões.
A PEC Eleitoral também abriu a perspectiva
de que sejam necessários mais R$ 60 bilhões para o próximo governo manter o
aumento de R$ 200 no Auxílio Brasil. Haverá ainda gastos adiados pela PEC dos
Precatórios (saldo da ordem de R$ 150 bilhões, embora os pagamentos tenham sido
limitados). Como tudo foi feito à revelia das regras que zelam pela
sustentabilidade da dívida pública, a angústia dos agentes financeiros é
compreensível.
A ideia de tapar o buraco antecipando
dividendos das estatais não é nova. A sugestão do secretário do Tesouro,
Esteves Colnago, é turbinar o caixa deste ano, sacrificando o do ano que vem.
No ano passado, as receitas da União com dividendos das estatais bateram
recorde, chegando a R$ 43,4 bilhões. Pelas contas apresentadas por Colnago,
somando os R$ 18 bilhões obtidos com a privatização da Eletrobras a dividendos
estimados em R$ 54,8 bilhões, daria para arcar com o custo da benevolência
eleitoral sem criar nervosismo no mercado.
É até possível. Só é bom lembrar que, da
última vez que o governo recorreu a um expediente do tipo, no governo Dilma,
recursos da Caixa, do BNDES e do BB foram usados para financiar uma barbárie
fiscal sem paralelo. A prática de usar o dinheiro do futuro para pagar contas
do presente, popularizada como “pedalada”, configurou crime fiscal, levou ao
impeachment da então presidente e fez a dívida pública explodir. Evitar que a
história se repita deveria ser preocupação de todos os organismos encarregados
de monitorar as finanças do governo.
FMI vê crescerem as chances de uma recessão
global
Valor Econômico
Sem o fim do conflito na Ucrânia
dificilmente a inflação voltará a seu curso normal sem recessão
A economia global teve sua primeira
contração desde a pandemia no segundo trimestre do ano - e isso pode ser apenas
o começo de uma trajetória que pode levá-la a uma recessão. Para o Fundo
Monetário Internacional, tudo o que poderia dar errado está dando. “Os riscos
são esmagadoramente inclinados para o lado negativo”, apontou o FMI na revisão
de julho do seu Perspectiva da Economia Mundial. As chances de consolidação de
um cenário recessivo se tornaram muito maiores agora.
O crescimento global deverá ser em 2022
praticamente a metade do que foi no ano passado - 3,2% ante 6,1% - e será ainda
menor em 2023, de 2.9%. Os países ricos avançarão 2,5%, enquanto que os
emergentes terão um desempenho um pouco melhor, de 3.6%. A China, que
contribuiu durante muito tempo com a maior parte da expansão global, agora puxa
a média para baixo, com expansão prevista de 3,3%, a mais baixa em décadas.
A reação dos bancos centrais à maior
inflação em 40 anos nos Estados Unidos e na zona do euro, a desaceleração
chinesa provocada pela estratégia do governo de covid-zero e os problemas de
seu setor imobiliário, além do aperto monetário dos maiores países emergentes.
retiraram o fôlego da recuperação. O fator mais imediato e relevante do
declínio do crescimento, no entanto, foi a invasão da Ucrânia e, com as sanções
à Rússia, o aumento generalizado e forte dos preços dos alimentos e da energia.
Esse choque de preços ocorreu quando as cadeias de produção, desorganizadas
pela pandemia, ainda não haviam se recomposto.
A aceleração da inflação, inesperada pela
magnitude, mudou a estratégia dos bancos centrais, que passaram a aumentar mais
rapidamente do que o previsto as taxas de juros. Países emergentes importantes,
como o Brasil, já vinham subindo os juros desde o ano passado. “O aperto
monetário resultante em muitos países”, afirma Pierre-Olivier Gourinchas, economista-chefe
do FMI, “é historicamente sem precedentes”, e seus efeitos serão um crescimento
menor em 2023 e a desaceleração da inflação.
O FMI não é otimista quanto ao declínio da
inflação, logo quanto à reversão da política de aperto nos juros, que deverá
ser mais prolongado do que se imaginava. Embora os indicadores de mercado
apontem que os BCs começarão a reduzir as taxas já no ano que vem, os cálculos
do FMI indicam, no entanto, que a inflação cheia ainda estará acima de 4% no
último trimestre de 2023 e o núcleo de inflação, pouco abaixo de 4%. Tanto a
inflação como os juros, dessa forma, não arrefecerão logo.
As três principais economias do mundo estão
desacelerando. A China reduzirá seu crescimento a 3,3% este ano e 4,6% em 2023,
ambos distantes da meta do PC chinês de obter expansão de 5,5% este ano. No
segundo trimestre, o PIB chinês encolheu 2,6%, a maior queda desde o primeiro
trimestre de 2020, e a covid-19 pode provocar ainda mais estragos, como ocorreu
em Xangai.
Novos focos de preocupação surgiram no fim
de semana no centro industrial de Shenzen, objeto de medidas de contenção
drásticas usuais. O setor imobiliário, um dos motores da expansão chinesa,
continua avariado, enquanto Pequim anuncia estímulos para que pelo menos a
grande quantidade de imóveis não concluída seja finalizada.
A economia americana, a maior do mundo,
perde fôlego rapidamente. A previsão do Fundo é que o crescimento será de 2,3%
este ano e apenas 1% no próximo. No último trimestre de 2023, comparado ao
último de 2022, a expansão será de apenas 0,6%, “e não será preciso muito para
jogar a economia no que se chama de recessão técnica”, afirmou Gourinchas. A
zona do euro, por seu lado, foi atingida em cheio pela redução das exportações
russas de gás e óleo. O bloco crescerá 2,6% em 2022 e 1,2% em 2023.
O aperto das condições financeiras pode
causar novas crises de dívidas em países emergentes e em desenvolvimento.
Segundo o FMI, mais de 40% das emissões destes países pagam agora rendimentos
superiores a 10%.
Há mais riscos a caminho. No cenário
alternativo do FMI, a virtual cessação do fornecimento do gás russo levaria o
crescimento na zona do euro e nos EUA a zero.
Sem o fim do conflito na Ucrânia dificilmente a inflação voltará a seu curso normal sem recessão. Com índices de 9,1% nos EUA e 8,6% na zona do euro, estratégias gradualistas têm baixas chances de sucesso. O isolamento da Rússia, grande fornecedor de petróleo e gás, em um momento difícil de transição energética, traz enorme complicador adicional, que não pode ser resolvido por políticas monetárias.
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